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TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
Presidente da Anatel defende Agência como órgão regulador das plataformas digitais
O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, voltou a defender que a Agência é o ente estatal, hoje, que reúne as melhores condições para assumir eventual regulação do mercado de plataformas digitais: tem independência financeira, autonomia de decisões, corpo técnico qualificado e um histórico que soma, em 2024, 27 anos de atuação na regulação do setor de telecomunicações.
“Eu já manifestei publicamente diversas vezes por entender, não é uma posição pessoal minha, mas institucional, que a Agência Nacional de Telecomunicações é a instituição do estado brasileiro hoje mais preparada para assumir, eventualmente, as competências regulatórias no que era o PL 2630”. A fala ocorreu no Simpósio “Regulação de plataformas digitais – A urgência de uma agenda essencial à democracia”, promovido pela Coalizão Direitos na Rede, nesta semana (23/4), na Câmara dos Deputados.
Durante sua participação, Carlos Baigorri deixou clara a necessidade de se saber o que se pretende regular: se é a proteção de dados, desinformação ou discurso de ódio, por exemplo.
Para ele, se a pretensão de regular for relativa a dados, essa atribuição ficaria a cargo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), mas se for discurso de ódio, não haveria qualquer sentido a Anatel ou outro órgão de Estado ficar monitorando, de forma proativa nas redes, o que está sendo dito pelos internautas nas redes sociais.
Informou que a Anatel vem, desde as eleições de 2022 assumindo um papel reativo, diante de demandas judiciais, de promover a retirada de conteúdos da rede. “Isso decorre do fato de que a Anatel tem, por previsão legal, poder de polícia, um poder de polícia administrativo, sobre as empresas de telecomunicações podendo, por lei, puni-las”. Para essas, disse, há uma série de sanções a serem aplicadas que começa com advertência, multa podendo chegar à caducidade ou cassação da outorga.
Baigorri explicou as razões de a Anatel ser procurada pela Justiça, especialmente a Eleitoral, para promover o bloqueio de sites. Segundo ele, diferentemente do setor de telecomunicações, a exploração da atividade econômica de “plataformas digitais” não decorre de uma outorga e o Estado brasileiro não tem ingerência direta sobre essas empresas.
“Essa última medida de enforcement, de se implementar a suspensão do serviço prestado na camada lógica da internet, é feita de forma a promover o bloqueio no âmbito da infraestrutura de telecomunicações. O enforcement sobre as plataformas digitais só vai ser efetivo se o agente público tiver enforcement sobre a camada de infraestrutura. Vai caçar a outorga [da plataforma]? Não existe outorga. Então, a única forma de dar efetividade ao comando de suspender as atividades é por meio da camada de infraestrutura. É por isso que somos procurados pela Justiça. Como funciona? Se é identificado um perfil nas plataformas, em que há uma decisão judicial para retirada, a plataforma é notificada. Se ela não retirar, a Anatel é instada a determinar às prestadoras de serviços de telecomunicações o bloqueio da plataforma inteira”, esclareceu.
Reforçou que essas são as razões que levam a Anatel a defender que a Agência é a mais preparada para implementar eventual regulação deste setor, uma vez que já tem poder de polícia sobre as redes telecomunicações. Em adição, defendeu que, caso o estado brasileiro entenda ampliar as competências legais da Agência, que haja uma reformulação das competências do Conselho Consultivo da Anatel, legalmente considerado o “órgão de participação institucionalizada da sociedade na Agência”, hoje limitadas apenas a quatro.
Soberania digital
Ao fazer um retrospecto a respeito das decisões brasileiras no ambiente digital desde o começo da internet, Baigorri disse que o Estado brasileiro, de forma deliberada, optou por se afastar deste mundo. “O Estado brasileiro comprou essa visão de que o ambiente digital deveria ser completamente libertário, baseado nas ideias lá do vale do Silício, pós-Woodstock, de que os estados não teriam participação nenhuma, ou uma participação mínima, na governança e no desenho da internet. E isso, para Estados como o nosso tem um custo que precisa ser enfrentado... Se o Estado brasileiro não consegue garantir o enforcement de decisões democráticas num ambiente digital, a conclusão lógica disso é que o Estado brasileiro não tem soberania nesse ambiente e essa é uma construção que foi feita de maneira deliberada nos últimos anos”.
Baigorri, em complemento, disse que países árabes e a China não aceitaram essa cultura e enfrentaram um custo altíssimo para garantir a soberania digital para controlar as VPNs (redes privadas virtuais, do inglês virtual private networks)e as lojas de aplicativos. “O Estado brasileiro decidiu seguir a cartilha libertária americana onde tudo no ambiente digital é feito por empresas. O Estado brasileiro não tem maioria no Comitê Gestor da Internet. Não estou dizendo que isso é errado. O decreto que cria o CGI prevê que a atribuição de nomes e endereços de IPs (IP vem do inglês "Internet Protocol"), no Brasil, pode ser feita por um órgão público ou por uma entidade sem fins lucrativos, decidindo-se pela última. A administração de IPs no mundo é feita por uma corporação americana chamada Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) seguindo as leis da Califórnia. Esse foi o modelo que o Brasil escolheu Só que isso teve um custo e esse momento é muito rico pra que a gente possa fazer essa reflexão: qual é o nível de soberania que o Estado brasileiro quer ter no ambiente digital? A partir dessa resposta é que vão se desdobrar discussões regulatórias, de estrutura regulatória, de obrigações de enforcement e tudo mais. Eu acho que esse momento para que essa reflexão seja feita”, concluiu.