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REGULAÇÃO
Ceatel promoveu o simpósio Democracia, desinformação e plataformas digitais
O Centro de Altos Estudos em Telecomunicações (Ceatel) realizou nessa quarta-feira (23/8) o simpósio Democracia, desinformação e plataformas digitais. Dividido em três etapas, o evento contou com a participação de especialistas no ecossistema digital, que apresentaram desafios decorrentes das inovações tecnológicas e propostas de soluções para problemas como a disseminação de notícias falsas e discursos de ódio que têm provocado divisões na sociedade, inclusive com repercussões na agenda política dos países.
O evento foi conduzido pelo diretor-executivo do Centro, Juliano Stanzani. O Ceatel será sucedido a partir de 1º de setembro pelo Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovações Tecnológicas (Ceadi).
Em seu pronunciamento de abertura, o presidente do Ceatel, conselheiro Alexandre Freire, ressaltou que a euforia inicial com as possibilidades de utilização das plataformas digitais como ferramenta da liberdade de expressão ampla deu lugar a uma certa sensação de repulsa e divergências ao longo do tempo. “Não raro, identificamos amigos, familiares e pessoas queridas partindo para as mais imponderáveis reações à luz de opiniões que eventualmente estejam desalinhadas com nossos pontos de vista”, disse.
“É nessa tensão entre liberdade de expressão e combate à desinformação, com avaliação de qual deve ser a responsabilidade social das plataformas digitais e de como se deve enfrentar a opacidade algorítmica – mas com a devida preservação ao sigilo comercial/industrial – que o problema em estudo se impõe diante de nós”, afirmou.
Moderada pelo jornalista Luís Osvaldo Grossmann, do site Convergência Digital, a conferência de abertura teve como keynote speaker o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, que falou sobre a regulamentação de plataformas no Brasil e a autoridade competente para essa atribuição. De acordo com ele, a Anatel é a única estrutura estatal capaz de fazer frente ao problema, pois tem maturidade institucional e experiência na gestão de crises relacionadas às plataformas digitais, nas quais atua em parceria com outros órgãos públicos.
Na sua avaliação, o Marco Civil da Internet estabeleceu um regime de não responsabilização das plataformas digitais pelos conteúdos que trafegam por elas, o que permitiu, por exemplo, os ataques promovidos contra a democracia brasileira.
Para ele, seria muito difícil instituir um órgão que avaliasse posts individuais nas mídias sociais, por exemplo, e o melhor seria uma estrutura estatal que atuasse no estabelecimento e avaliação da assertividade de medidas mais sistêmicas, em que as plataformas digitais teriam obrigações, como políticas de moderação adequadas, rapidez na remoção de conteúdos online ilegais e ofensivos e canais para recepção de reclamações e denúncias por parte dos seus usuários. Baigorri disse ser mais razoável se ter um mecanismo de autorregulação regulada, em que um órgão estatal estabeleça regras, acompanhe e avalie a implementação das políticas macro por parte das plataformas digitais.
No painel sobre desinformação, liberdade de expressão e plataformas digitais, moderado por Guilherme Magalhães, editor de opinião do portal Jota, as participantes foram Flavia Piovesan (professora doutora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Aline Osório (assessora da Vice-Presidência do Supremo Tribunal Federal) e Heloísa Fernandes Câmara (doutora em Direito da Universidade Federal do Paraná).
Flávia Piovesan sustentou a necessidade de se estabelecer uma regulação das plataformas digitais fundamentada nos Direitos Humanos. Lembrou que nos Estados Unidos existe um regime de total irresponsabilidade das plataformas e que não é esse caminho que vem sendo seguido pela Europa, onde há um compartilhamento das responsabilidades para se assegurar o máximo possível os Direitos Humanos, a democracia e o Estado de Direito em um espaço participativo, seguro, aberto e pacífico na internet. “A internet pode promover direitos, mas também violá-los”, disse. De acordo com a professora, é preciso estabelecer mecanismos que assegurem os Direitos Humanos no mundo online tanto quanto no offline. Na sua opinião, a política de autorregulação não é suficiente e há necessidade de atuação estatal.
Aline Osório disse que as plataformas digitais formaram uma espécie de ecossistema informacional tribal, em que as pessoas se agrupam por afinidades e se comunicam com aqueles que pensam de forma parecida sem se importar com a veracidade dos conteúdos que circulam, com a finalidade de se sentir parte de algum movimento importante. Segundo ela, nessa nova praça pública turbinada pelas plataformas digitais, em que as big techs exercem uma quase soberania em seus espaços, há uso abusivo da liberdade de expressão, o que impõe a necessidade premente de moderação dos conteúdos que incitem o ódio, a falsidade e a divisão entre as pessoas, com base em regras claras, objetivos não discriminatórios e requisitos procedimentais.
Heloísa Fernandes Câmara disse que a perda de referências na sociedade, a proliferação de desinformação e o discurso de ódio não são um efeito marginal da internet, mas uma consequência direta da sua plataformização. De acordo com ela, o modelo de negócio das big techs tem como base a geração de lucro a partir do engajamento das pessoas a determinados conteúdos. Ela destacou, ainda, que pesquisas mostram que há viralização artificial nas redes promovidas pelas plataformas justamente de conteúdos que capturam raiva, frustração e medo, sentimentos que geram mais engajamento. Segundo ela, há interesse das plataformas em discursos radicais e extremistas por essa razão. Nesse contexto, disse que a moderação individual tem poucos resultados e que é preciso atacar a estratégia de negócios das big techs.
Na conferência de encerramento, moderada pelo chefe da Assessoria de Comunicação Social substituto da Anatel, Lauro Rutkowski, o professor doutor Ricardo Campos, da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha), apresentou um panorama da discussão internacional sobre a regulação dos serviços. Ele mencionou que países como Reino Unido e Alemanha optaram por eleger como reguladores das plataformas digitais as instituições estatais afetas às telecomunicações, justamente por terem expertise, estrutura e uma curva de aprendizado longa. De acordo com ele, é natural que a Anatel assuma um papel relevante no ecossistema digital, pois “é uma das principais agências reguladoras do planeta Terra”.
Ricardo Campos disse ser importante fazer distinção entre fiscalização de obrigações e processo sancionador, que ficariam a cargo da Anatel, e a questão da moderação de conteúdo, que poderia estar a cargo de uma instituição independente de autorregulação regulada acreditada pela Agência. Essa instituição funcionaria para arbitrar, na esfera administrativa, conflitos envolvendo disputas sobre liberdade de expressão entre pessoas e seria composta por juízes, promotores, educadores e jornalistas, por exemplo.
O vídeo completo do simpósio está disponível no canal da Anatel no YouTube.
Próximos eventos
O Ceadi promoverá dois eventos em setembro: o “Simpósio Novas Tendências do Direito Administrativo e Regulatório”, nos dias 4 e 5; e a palestra "Controle congressual das agências reguladoras”, no dia 26.