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FIAM 2015 coloca oportunidades e desafios da gastronomia amazônica em discussão
Apostar na gastronomia regional como forma de gerar novos negócios nas cadeias de turismo e de restaurantes. Este foi o tema debatido por chefs, empresários e pesquisadores na tarde dessa sexta-feira (20), no Studio 5 Centro de Convenções, durante o “Salão Gastronomia Abrasel”, em meio à programação da Feira Internacional da Amazônia (FIAM 2015). A mesa-redonda marcou o encerramento da Feira Internacional de Gastronomia Amazônica (Figa), evento da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel– AM) que iniciou no último dia 17, no Centro de Convenções do Amazonas (CCA) Vasco Vasques.
Na discussão, os especialistas apontaram a gastronomia amazônica como um “armazém” de alternativas criativas, mas sinalizaram também para a necessidade de superação de alguns desafios. Dentre essas preocupações, estão os entraves enfrentados pelos pequenos produtores, a falta de certificação de produtos e a desvalorização demonstrada pelos próprios amazonenses, que pouco consomem os alimentos regionais.
O chef e proprietário do restaurante Suzuran, Hiroya Takano, citou como exemplo o baixo consumo do tucupi, que geralmente é procurado apenas como ingrediente do “Tacacá” e do “Pato no Tucupi”. Para o empresário, há uma necessidade de divulgação da riqueza de sabores amazonenses. “A divulgação do que temos deve começar em Manaus, o povo da terra deve valorizar o que é nosso. Se no dia a dia as pessoas não têm o hábito de comer o que é regional, fica difícil manter uma novidade por muito tempo no cardápio”, disse.
Para o professor e especialista em Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), Valdely Kinupp, a gastronomia regional é um grande nicho de mercado, mas está limitada pela falta de abastecimento local. “Não temos produção suficiente nem para abastecer o consumo interno. Os cursos de Agronomia das universidades têm que rever isso e investir na produção orgânica de alimentos regionais”, defendeu.
Já o proprietário da Cachaçaria do Dedé & Empório, André Parente, explicou que um gargalo rotineiro é a falta de certificação de frutas e peixes fornecidos por pequenos produtores. Segundo ele, que hoje tem três restaurantes em Manaus (AM), um em Belém (PA) e outro em Uberlândia (MG), os fornecedores residentes no interior precisam de apoio do Governo do Estado para adequar seus produtos ao mercado.
“Você vai na feira e vê muito pirarucu à venda, mas ele não está legalizado. Outro problema acontece com os fabricantes de polpa de fruta, que não possuem o selo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esses fornecedores são tratados como se fossem grandes empresas, mas eles precisam é de incentivo. Os maiores beneficiados são os atravessadores”, comentou.
Apoio aos produtores e profissionais
Conhecedora das dificuldades discutidas durante a FIGA, a pesquisadora e diretora executiva do Instituto Paulo Martins (PA), Joanna Martins, anunciou que a instituição está apoiando a criação do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade da Amazônia em Belém, fruto de uma parceria com o Instituto Atá (do chef Alex Atala), o Governo do Pará e o Centro de Empreendedorismo da Amazônia. De 2016 a 2017, os parceiros querem lançar uma escola avançada de gastronomia, um laboratório de pesquisa, um barco, um restaurante e o “Museu do Alimento Amazônico”, a partir de estruturas disponibilizadas pelo governo paraense no centro histórico, como a “Casa das 11 Janelas”, importante ponto turístico de Belém.
Os cinco empreendimentos têm o objetivo de apoiar e regular o extrativismo para que não haja exploração das comunidades tradicionais e dos pequenos produtores; qualificar profissionais da gastronomia; patentear, certificar e regularizar produtos para exportação; e promover intercâmbio entre chefs de cozinha.
“A tendência é que haja um crescimento no setor de restaurantes. O brasileiro abriu os nossos olhos, enquanto amazônidas, mostrando que os nossos ingredientes têm valor cultural e comercial e pode trazer desenvolvimento ao nosso território”, afirmou Joanna, proprietária da distribuidora Manioca, que comercializa produtos da Amazônia para todo o Brasil.
Na opinião da chef e jornalista especializada em gastronomia, Denise Rohnelt, o Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade da Amazônia vai beneficiar toda a região. “É preciso que todos os Estados estejam juntos para o desenvolvimento da gastronomia”, ressaltou.
Fonte para a criatividade
Na avaliação do chef venezuelano Karlos Ponte, que tem um restaurante na Dinamarca, a Amazônia oferece um vasto campo de opções criativas a serem exploradas na gastronomia. No entanto, assim como Denise Rohnelt, ele defendeu a retomada das técnicas tradicionais na preparação das receitas. “Muitos querem desenvolver técnicas modernas, mas não sabem que existe modernidade em usar técnicas originais da Amazônia”, disse.
A chef argentina Mariana Sebess, que dirige a escola Mausi Sebess Artes Culinárias em Buenos Aires, disse que muitos dos seus 1.200 alunos estão entusiasmados para conhecer a Amazônia. Embora o seu país seja um grande consumidor de carne bovina, ela destacou que as espécies de peixes da região, como o tambaqui e o pirarucu, foram apreciados pelos estudantes da escola a partir de amostras levadas à Argentina pelo Serviço Nacional do Comércio de São Paulo (Senac-SP).
“Se eu pudesse, levaria daqui quilos e quilos de cumaru, açaí e cupuaçu. É muito difícil importar da Argentina por causa das restrições impostas pelo país. Mas essa mistura da nossa cultura com a brasileira é uma tendência para os próximos anos”, projetou.
O chef espanhol Pere Planagumà, que há 20 anos atua no ramo e atualmente tem um restaurante em Barcelona, disse que já utiliza ingredientes como tucupi negro e a farinha de tapioca para oferecer um diferencial aos seus clientes. “A Amazônia é um armazém que tem grande quantidade de ingredientes. Hoje somos mais globais do que nunca, o mundo está menor e o Amazonas é um referencial muito forte”, concluiu.