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SEMANA DE INOVAÇÃO
Lideranças negras coordenam debate na Semana de Inovação
Egressos do programa LideraGov 4.0 participaram de bate-papo sobre os desafios das lideranças negras no serviço público. Foto: André Corrêa
Compondo a programação da Semana de Inovação promovida pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), nesta quinta-feira (31/10), foi realizado bate-papo sobre os desafios das lideranças negras no serviço público dentro da série LideraTalks.
Os palestrantes Fábio Costa de Souza, coordenador de Articulação Institucional do Arquivo Nacional, órgão vinculado ao MGI, Priscila Carla da Silva, coordenadora geral de Administração e Contratos do Ministério da Educação (MEC), e Camila Lacerda, enfermeira e servidora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são egressos da turma exclusiva para pessoas negras do LideraGov, iniciativa da Enap em parceria com o MGI e o Ministério da Igualdade Racial.
Fábio explicou que as lideranças negras enfrentam desafios diários para alcançar cargos de liderança e que a implementação de políticas afirmativas marcam um importante passo para que essa representatividade seja real. Segundo o servidor, dados de 2023 mostraram que negros ocupavam 36% dos cargos de gestão em nível federal. Para ele esse é um dado muito pequeno, já que 55,5% da população brasileira se identifica como preta ou parda, de acordo com o Censo de 2022.
“Programas como o LideraGov fortalecem a preparação de lideranças negras. Essa representatividade equitativa exige uma ampliação das políticas afirmativas em relação ao combate das desigualdades. Ter uma certificação digital com certeza abrirá portas, por isso, está sendo preparado um novo edital para uma nova turma de lideranças negras em breve”, afirmou Fábio Souza.
Priscila Carla da Silva contou que ela e sua irmã fazem parte da primeira geração da família a ter graduação e que, por meio da política de cotas, conseguiu ingressar no serviço público. Priscila disse que tem buscado por meio de especializações, mestrado e agora o doutorado, conquistar cargos de liderança, tendo total noção do quanto o caminho é difícil para pessoas negras.
A servidora explicou que no trajeto para chegar em cargos de gestão foi injustiçada muitas vezes e foi preciso ouvir “nãos” e com os cursos da Enap teve a oportunidade de se preparar. Segundo ela, o Lideragov foi a cereja do bolo e abriu muitas portas, especialmente para o networking, pois fazer parte de uma rede com pessoas negras proporcionou alcançar o cargo mais elevado até o momento em sua jornada, o cargo de coordenadora no MEC. “Graças a resiliência que é necessária e a formação do MGI e Enap”, agradeceu Priscila.
Camila Lacerda compartilhou sua história e contou que começou sua jornada no serviço público dando aula para jovens e adultos no Distrito Federal. Depois trabalhou no hospital das Forças Armadas e, após essa experiência, foi atuar na Secretaria de Saúde do DF, onde trabalhou na zona rural. Atualmente, Camila é especialista em regulação da Anvisa, mas já trabalhou na fiscalização de portos, aeroportos e fronteiras. Nos últimos três anos esteve na área de julgamentos de infrações sanitárias. Ao longo desses anos de serviço público fez algumas especializações e no final do ano passado terminou o LideraGov especial para pessoas negras.
“É importante sempre apresentar o nosso currículo, falar quem somos, onde já atuamos, pois somos capazes e temos total competência. Percebo que para nós que somos mulheres pretas servidoras, sempre precisamos de alguma forma mostrar que sabemos fazer algo para sermos notadas e termos reconhecimento, isso acontece por causa do racismo estrutural que a gente não fala muito”, pontuou Camila.
Solidão
Segundo Fábio, a solidão do servidor público negro é algo mais real do que se imagina, pois sempre estão sozinhos quando se encontram em posição de cargo de liderança. Nas reuniões estão em pouco número ou até mesmo são os únicos. Dessa forma, não têm com quem compartilhar suas dores, anseios ou apenas trocar experiências. “Vivi por muito tempo trabalhando no Ministério da Previdência onde me via sozinho, fazendo muito trabalho de processos, mas nunca de decisão. Percebemos que é necessário fazer mudanças e que isso seja mudando. Sempre nas tomadas de decisões é um homem branco que está na frente, esse cenário é real e precisa ser mudado”, desabafou Fábio.
Para Camila, a solidão começa com um incômodo, porque só o colega branco e homem que vai apresentar algo quando o assunto é mais estratégico. Depois demora dias, meses e anos e aquilo vai se transformando em dor, ódio, raiva e tristeza. “A compreensão do racismo institucional vai no tempo de cada um, às vezes tem um colega negro que a ficha ainda não caiu para ele. O quilombogov, nome que demos ao LideraGov para negros, é um espaço de conexão e de afeto, o que fortalece o compartilhamento de ideias e experiências”, defendeu Camila.
Priscila passou pela solidão do servidor negro e já tinha desistido de assumir cargo de liderança por ser vítima desse tipo de conduta. Ela relata que faziam reuniões estratégicas, mas ela nunca era convidada e, quando participava, sua presença era invisibilizada, sua visão técnica e de especialista era entendida como a fala “da preta raivosa”. Priscila adoeceu e acreditava que o problema estava nela, na falta de competência emocional para ocupar certos postos. “Por um momento desisti de auxiliar nas políticas públicas que contribuíssem com pessoas que também vieram de baixo como eu, mas o LideraGov para pessoas pretas veio na hora certa, me reacendeu a chama, me encorajei e voltei a sonhar e a lutar por ocupar esses espaços que antes eram negados”, compartilhou a coordenadora.
Mulheres negras
Para Camila, a presença de mulheres negras na gestão de políticas públicas faria muita diferença, pois quando se fala de igualdade racial, fala-se da valorização de todas as pessoas. “Temos essa visão de perspectivas diferentes da pessoa negra, da mulher negra. A questão da experiência única das pessoas negras, que é diferente da pessoa branca, e essa vivência fazem toda a diferença na gestão de políticas públicas. Além disso, se estará representando a maioria da população”, defendeu Camila.
Para Fábio, é preciso fomentar a presença das pessoas negras na gestão de políticas públicas, principalmente quando são voltadas para as mulheres pretas, pois serão desenhadas a partir de uma visão de vivência. “Precisamos pensar na valorização das pessoas negras, precisamos ser vistos, inclusive, pelas nossas potências. Somos capazes, temos bagagem, temos valor, temos capacitação, temos voz ativa”, reforçou Fábio.
Saúde emocional
Fabio falou sobre a necessidade do apoio e do acolhimento psicológico, pois isso ainda é uma deficiência do serviço público na maioria das esferas, principalmente quando se refere a ter um profissional negro que vai compreender de forma concreta as situações que uma pessoa preta enfrenta, para acolher e auxiliar da melhor forma.
Camila contou que no MEC existe o setor de qualidade de vida, que precisa de mais acolhimento, orientação, campanhas e o próprio tratamento continuado de diversos servidores. “Muitos servidores não se sentem confortáveis para se abrir com o psicólogo por medo e insegurança, já que não possuem a garantia de que sua intimidade não será exposta, já que ele é mais um subordinado e isso também é um problema que precisa ser enfrentado”, lembrou Camila.
LideraGov 4.0
O programa LideraGOV 4.0 foi uma edição extraordinária para pessoas negras. Esta iniciativa teve como objetivos contribuir para o desenvolvimento de lideranças negras para a possível ocupação de cargos estratégicos e garantir a efetiva implementação do Decreto nº 11.443/2023 que determina a reserva de 30% dos cargos de liderança para este segmento.