Tomada de Subsídios – Bens Sustentáveis no Comércio Exterior
Órgão: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços
Setor: MDIC - Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior
Status: Encerrada
Publicação no DOU: 11/06/2024 Acessar publicação
Abertura: 11/06/2024
Encerramento: 26/08/2024
Processo: 19971.001364/2024-33
Contribuições recebidas: 248
Responsável pela consulta: Heloísa Pereira
Contato: cgcs.strat@mdic.gov.br
Resumo
A Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços almeja, por meio da presente tomada de subsídios, obter contribuições da sociedade sobre “bens sustentáveis”. Busca-se, a esse respeito, identificar atributos de sustentabilidade de bens produzidos no Brasil; os custos relacionados ao cumprimento de padrões ambientais internacionais ou nacionais; necessidade de construção de um arcabouço legal para bens sustentáveis no Brasil; necessidade de regulação para promover condições de concorrência justa entre bens nacionais e estrangeiros no mercado brasileiro e em mercados externos.
I DO CONTEXTO: A BUSCA POR UMA DEFINIÇÃO DE BENS SUSTENTÁVEIS COM BASE EM ATRIBUTOS DO BRASIL
O Brasil é líder na luta pela proteção ao meio ambiente e pelo combate às mudanças climáticas. As leis ambientais brasileiras estão entre as mais avançadas do mundo, uma vez que exigem a preservação de 20% a 80% das áreas produtivas além de estabelecer medidas de proteção adicionais para ecossistemas frágeis. Juntamente com áreas protegidas estabelecidas pelo Código Florestal Brasileiro, aproximadamente 50-60% do território brasileiro está sob algum tipo de proteção. Além de se comprometer com o desmatamento zero até 2030, o Brasil conta com uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Em 2020, as fontes renováveis representaram 48,4% da matriz total de energia no Brasil, três vezes a média mundial. No mix de fontes de eletricidade, a participação das energias renováveis representou cerca de 85%. A utilização da energia hidroelétrica para geração de eletricidade representa 60% da capacidade instalada nacional, mas também há investimentos significativos em energia solar e eólica e biomassa, que já representam 20% da matriz energética do país e estão experimentando um rápido crescimento.[1]
É importante garantir que os esforços do setor produtivo para a implementação de planos de proteção ao meio ambiente e de descarbonização sejam reconhecidos e valorizados. A desconsideração injustificada desses atributos de sustentabilidade do Brasil, incorporados aos bens que integram nossa pauta de comércio exterior, prejudica o objetivo de descarbonização e transição para uma economia verde em âmbito nacional. É por isso que precisamos garantir que os atributos de sustentabilidade de bens sustentáveis brasileiros sejam devidamente mapeados. Esse mapeamento contribuirá para o diálogo, em âmbito nacional, sobre que medidas são necessárias para promover condições de concorrência justa entre bens sustentáveis brasileiros e produtos estrangeiros no mercado brasileiro e no exterior.
A consulta ocorre em um contexto de proliferação de tentativas de definição da abrangência do termo “bem sustentável” tanto por economias avançadas, quanto por organizações internacionais tais como Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização de Alimentos e Agricultura (FAO).[2] Na ausência de uma definição internacionalmente acordada,, observa-se que três indicadores, (1) emissões de gases de efeito estufa ou, simplesmente, “emissões de carbono”; (2) economia circular e impacto na biodiversidade; e (3) impacto social, têm sido usados para se alcançar, na prática, essa definição. Tal entendimento tem motivado diversas jurisdições a adotarem medidas com base em atributos de sustentabilidade, com potencial impacto sobre o acesso a mercados de bens brasileiros.
II DA RELEVÂNCIA DOS BENS SUSTENTÁVEIS NO COMÉRCIO EXTERIOR
O mapeamento de bens sustentáveis no Brasil subsidiará a decisão acerca da eventual introdução de nova regulamentação específica para bens sustentáveis no Brasil, que deve buscar identificar problemas e limitações para o comércio internacional. O desafio institucional em lidar com essa temática destaca a necessidade de uma abordagem estratégica que contemple não apenas aspectos ambientais ou de comércio isoladamente, e sim a conjugação de ambos. A complexidade das questões relacionadas a comércio e sustentabilidade da pauta de comércio do Brasil também ressalta a importância de uma reflexão aprofundada sobre como as competências para agir estão distribuídas. O diálogo e a colaboração entre os diversos interessados são fundamentais para reduzir sobreposições de agências e caminhar para uma eventual resposta regulatória estatal precisa, com mecanismos e ferramentas adequados.
O debate internacional sobre as características que bens sustentáveis devem ter vão muito além do impacto de um produto final no meio ambiente. Ganham espaço nessas discussões características do processo produtivo de um produto relacionadas a emissões de carbono, economia circular e impacto em trabalhadores, crianças e povos indígenas.
Não menos importante é como esses atributos de sustentabilidade passam a ser parâmetros que garantem ou restringem acesso a certos mercados e ao comércio internacional. A Comissão Europeia sustenta que um dos objetivos de novos regulamentos que restringem importações com base em atributos de sustentabilidade de um produto importado é melhorar a igualdade de condições de concorrência com os produtos sustentáveis produzidos da União Europeia, reforçando também a competitividade global das empresas que oferecem produtos sustentáveis para aquele mercado.[3] Por essa razão, várias medidas estão sendo aplicadas tanto para os produtos nacionais quanto para os importados – incluindo os produtos brasileiros exportados para aquele mercado.
O potencial impacto negativo no fluxo de comércio brasileiro ressalta a importância de definição de um bem sustentável que norteie o debate, nos cenários nacional e internacional para empresas brasileiras.
Soma-se a isso o fato de que consumidores já demandam produtos ambientalmente e socialmente sustentáveis, independentemente de regulamentações sobre esses bens. Por exemplo, de acordo com o Eurobarômetro de 2021 sobre questões sociais, nove em cada dez europeus consideram condições justas de trabalho constitui fator importante para suas decisões de compra.[4] Além disso, importadores nos EUA já passam a exigir aço associado com baixa emissão de carbono, a despeito de os Estados Unidos ainda não aplicarem preços de carbono às importações, como é o caso do CBAM da União Europeia.[5]
À luz desse contexto, torna-se imperativo aprofundar a compreensão dos atributos dos bens sustentáveis no Brasil. Esse aprofundamento permitirá melhor embasamento à eventual decisão sobre se, e em qual medida, novas molduras regulatórias sobre bens sustentáveis exportados e consumidos no Brasil são necessárias. Em caso afirmativo, esse entendimento permitirá também entender qual o papel a ser desempenhado pelo governo brasileiro, já que a definição de um bem sustentável está intrinsecamente relacionada com a resiliência das empresas no longo prazo, com a capacidade de o produto acessar mercados estrangeiros priorizando a sustentabilidade, e com a sua competividade justa com o produto importado no mercado brasileiro.
A presente tomada de subsídios busca obter, assim, contribuições da sociedade sobre os atributos de sustentabilidade de bens da pauta exportadora brasileira, questionando que requerimentos já são cumpridos em relação a emissões incorporadas em produtos, quais os custos envolvidos, e quais aspectos deveriam ser objeto de regulação. Incentiva-se que os interessados apresentem comentários adicionais, estudos do setor, estudos comparativos com outros países, sobre temas que não foram objeto de perguntas específicas mas que são fundamentais para embasar a discussão do tema no Brasil.
As próximas partes III a V desta tomada de subsídios detalham como cada um dos atributos de sustentabilidade de um bem tem sido tratado internacionalmente, apresentando perguntas para identificação de atributos de sustentabilidade em produtos brasileiros, considerando três indicadores principais (i) emissões de carbono incorporados em um produto; (ii) circularidade e (iii) impacto social e trabalhista.
III DAS EMISSÕES DE CARBONO INCORPORADAS EM PRODUTOS
O temas das emissões de carbono incorporados em produtos está cada vez mais presente em foros internacionais que buscam definir produtos de acordo com seus atributos de sustentabilidade. Hoje, há uma grande fragmentação de foros para discussão de possíveis metodologias, regras ou orientações para cálculo de emissões de carbono incorporadas em produtos. Entre esses, cabe destacar algumas iniciativas como(i) “Inclusive Forum on Carbon Mitigation Approaches” da OCDE; (ii) “Trade and Environmental Sustainability Structured Discussions” (TESSD), no âmbito do Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC, lanc¸ado em 2020; (iii) “Coalition of Trade Ministers on Climate”, iniciativa lanc¸ada pela Unia~o Europeia em 2023; (iv) “US-EU Global Arrangemet on Sustainable Steel and Aluminum”, lançado em 2021 e ainda em negociação; (v) “Industrial Deep Decarbonization Initiative”, iniciativa do órgão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (“UNIDO” na sigla em inglês). Além desses foros, já existem algumas metodologias para cálculo de emissões de carbono utilizadas pelos setores industriais, incluindo padrões da Organização Internacional de Padrões Técnicos (“ISO” na sigla em inglês), do “GHG Protocol” e padrões setoriais.
Apesar dessa proliferação de foros e de alguns padrões internacionais já usados por diferentes setores para mensuração de emissões carbono associadas a “processos produtivos”, ainda não há consenso sobre qual ou quais metodologias devem ser adotadas ou aceitas como equivalentes para cálculo de emissões de carbono incorporadas “em produtos”.
Diante dessa ausência de metodologia internacionalmente aceita, medidas unilaterais têm se proliferado que impõem, ou prometem impor, metodologias para cálculo de emissão de carbono incorporadas a um produto. O exemplo claro é o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (“CBAM” na sigla em inglês). Em 2023, o CBAM da União Europeia entrou em vigor. O CBAM visa sobretaxar as importações de aço, ferro, alumínio, fertilizantes, hidrogênio, cimento e eletricidade com base nas emissões de carbono associadas ao produto que acessa o mercado europeu.[6] Em dezembro de 2023, o Reino Unido também anunciou que aplicará um CBAM a partir de janeiro de 2027. No entanto, os contornos de CBAM do Reino Unido ainda está em discussão.[7]
Padrões de devida diligência sobre desmatamento também ganharam espaço em foros internacionais. A OECD e a FAO, por exemplo, publicaram em julho de 2023 o Business Handbook on Deforestation and Due Diligence in Agricultural Supply Chains que estabelece normas voluntárias que podem ser incorporadas por empresas, no que diz respeito a desmatamento, incluindo emissão de carbono e degradação florestal, em seus esforços de devida diligência e fornecimento responsável da cadeia de suprimentos.[8]
Antes mesmo da publicação do manual, os europeus já tinham se adiantado para publicar a Lei Antidesmatamento, impondo padrões de devida diligência sobre desmatamento para produtos do agronegócio. Em maio de 2023, a União Europeia publicou seu regulamento que impõe o dever de diligência mandatório para diferentes produtos do agronegócio que queiram acessar o mercado europeu, exigência que imporá obrigações a partir de 30 de dezembro de 2024. Em especial, a Lei Antidesmatamento da UE proíbe a entrada no mercado europeu de sete tipos de produtos e seus derivados – soja, gado, óleo de palma, madeira, cacau, café e borracha – que estejam associados a desmatamento (legal e ilegal) e degradação ambiental após 31 de dezembro de 2020, já indicando que o produto que não esteja associado com uma declaração de devida diligência não possui atributos de sustentabilidade requeridos por consumidores na UE. A lei associa o desmatamento não somente ao aumento de emissões de carbono, mas também à perda de biodiversidade, fator agravante da mudança climática.[9] Espelhando-se nesse regulamento, o Reino Unido também publicou detalhes do Regime de Commodities com Risco Florestal (“FRC” na sigla em inglês), em dezembro de 2023. O regime FRC visa combater o desmatamento ilegal, tornando ilegal para grandes empresas que operam no Reino Unido a comercialização e importação de certo produtos do agronegócio produzidos em terras ocupadas ou usadas ilegalmente, aplicados a bovinos (e derivados não lácteos), cacau, palma e soja (e quaisquer produtos deles derivados).
Ainda que tenham objetivos de combate às mudanças climáticas e proteção ao meio ambiente legítimos, essas medidas normalmente parecem ser construídas de forma a impor barreiras muitas vezes excessivas ao comércio internacional. O mais preocupante é que tais medidas podem ser construídas e aplicadas de forma a ignorar emissões de carbono incorporadas em produto e proteção florestal que reflitam a realidade dos processos produtivos brasileiros.
Apesar disso, no Brasil empresas já cumprem com diversos requerimentos relativos a emissões de carbono incorporadas a produtos e requerimentos que proíbem ou limitam o desmatamento. Esta parte da presente tomada de subsídios visa mapear esses atributos de sustentabilidade e, na medida do possível, mensurar investimentos já realizados por empresas nesse processo.
IV DAS PRÁTICAS DE ECONOMIA CIRCULAR
Além das emissões de carbono, o debate internacional sobre economia circular no comércio de bens sustentáveis também tem ganhado crescente importância. As discussões no âmbito do grupo de trabalho sobre circularidade e comércio internacional do foro TESSD/OMC[10] identificou um total de 520 medidas de comércio relacionadas à economia circular.[11] Dentre essas, a maioria ainda diz respeito àreciclagem e à gestão de substâncias e resíduos perigosos. No entanto, muitas novas medidas economia circular com impacto em comércio internacional se referem a conteúdo mínimo reciclado, rastreabilidade da composição de certos produtos ao longo do ciclo de vida, design que permita maior taxa de reciclagem, redução do uso de insumos primários e transformação de resíduos em energia. Normalmente, essas medidas tomam forma de padrões/requerimentos técnicos, ecodesign de produto, e rastreabilidade que podem impactar significativamente o comércio internacional.
Uma discussão importante atual sobre comércio internacional e economia circular é sobre a poluição por plástico.[12] Sobre esse tema, um grupo de 76 membros da OMC discute poluição por plásticos e o comércio de plásticos, que inclui a definição de plásticos ambientalmente sustentáveis e plásticos não sustentáveis, com base em atributos de circularidade ao longo de ciclo de vida desses produtos.[13] Essas discussões ocorrem paralelamente e apoiam as negociações intergovernamentais no âmbito do Programa Ambiental da ONU sobre o Acordo Global por Poluição por Plásticos. O texto em negociação também procura definir plásticos sustentáveis e não sustentáveis – evitáveis e problemáticos – bem como busca regular o comércio internacional de certos produtos plásticos e químicos com base em atributos de circularidade ao longo de ciclo de vida de produtos plásticos.[14] No âmbito da FAO, os países membros também deliberaram mandato, em 2022, para a negociação de um Código Voluntário de Conduta sobre o uso sustentável de plástico na agricultura. Essas discussões, já em curso em 2024, visam estabelecer, entre outros, orientações para regulação de plástico associado com o comércio internacional de produtos agrícolas, também com base em atributos de sustentabilidade e circularidade ao longo de ciclo de vida de produtos plásticos.[15]
Dada a ausência de regras internacionais sobre circularidade de bens e seus impactos em comércio, já se proliferam iniciativas unilaterais que buscam impor critérios de economia circular para definir um bem sustentável. Em 2022, a União Europeia apresentou proposta de regulamento sobre produtos sustentáveis (Ecodesign for Sustainable Products Regulation ou “ESPR” na sigla em inglês), [16] que é a pedra angular do Plano de Ação de Economia Circular da Comissão Europeia[17] para definir um produto circular e ambientalmente sustentável que poderá acessar o mercado europeu.A proposta estabelece uma vasta gama de requerimentos de circularidade para definir um produto como “sustentável”. O “passaporte de produto digital” será utilizado para garantir o cumprimento do requerimento, uma espécie de “selo digital” que conterá rastreabilidade da composição de produtos “sustentáveis”. A regulamentação foi aprovada no último dia 27 de maio pelo Conselho Europeu, pendente de publicação,[18] e impactará importações no mercado europeu de produtos têxteis, mobiliário, ferro e aço, alumínio, pneus, tintas, lubrificantes e produtos químicos, bens de informática e tecnologia. Além da ESPR, uma série de legislações relevantes à economia circular com impacto em comércio internacional já estão sendo adotadas ou estão em vias de serem adotadas. [19]
No caso dessa regulamentação, a preocupação em pauta, como sustenta a Comissão Europeia, é a de como tornar os produtos sustentáveis uma nova norma na União Europeia.[20] Assim, as novas regras buscarão fazer com que produtos consumidos no mercado europeu durem mais tempo, utilizem energia e outros recursos de forma mais eficiente, sejam mais fáceis de reparar e reciclar, contenham menos substâncias preocupantes e incluam mais conteúdo reciclado.
Ainda que tenham objetivos de economia circular legítimos, essas medidas também parecem, assim como requerimentos de cálculo de emissões de carbono, ser construídas de forma a impor barreiras muitas vezes excessivas ao comércio internacional. O mais preocupante é que tais medidas podem ser construídas ou aplicadas de forma a ignorar os atributos de circularidade de processos produtivos dos produtos do comércio exterior do Brasil.
Apesar disso, no Brasil empresas já cumprem com requerimentos relativos a circularidade de processos produtivos que impacta diretamente os produtos exportados. Esta parte da presente tomada de subsídios visa mapear esses atributos e, na medida do possível, mensurar investimentos já realizados por empresas brasileiras nesse processo.
V DO IMPACTO SOCIAL DA PRODUÇÃO DE BENS NO BRASIL
Além de padrões de emissões de carbono e de economia circular, outra característica normalmente relacionada a bens sustentáveis no debate internacional diz respeito ao impacto social de cadeia de suprimentos em crianças, trabalhadores, comunidades locais e povos indígenas. A ONU foi a primeira adotar os princípios sobre direitos humanos contidos no UN Guiding Principles on Human Rights, sendo um guia para que governos passem a olhar o risco de impacto negativo em direitos humanos de negócios, produtos e serviços. Além desse, há também normas voluntárias da OCDE contidas no OECD Due Diligence Guidance, que endereça o papel das empresas de realizarem devida diligência de direitos humanos, não somente nas suas operações, mas em seus produtos e serviços.
Diferentemente dessas normas voluntárias, várias jurisdições hoje já adotam ou discutem adotar medidas unilaterais de devida diligência de direitos humanos aplicáveis a importações. Na prática, esses regulamentos têm por efeito proibir importações de produtos cujas partes possam estar associadas a trabalho forçado, a trabalho infantil ou a novas formas de trabalho escravo em toda a cadeia de suprimentos. Por exemplo, os Estados Unidos possuem nova lei em vigor desde de 2021, a qual proíbe importação de produtos associados com trabalho forçado.[21] Em fevereiro de 2024, a aduana americana proibiu a importação de vários veículos europeus cujas partes estavam associadas com trabalho forçado na sua cadeia de suprimentos.[22] A ameaça de que exportações das empresas europeias podem ser bloqueadas nas alfândegas dos EUA em razão de associação de um produto importado com trabalho escravo é um risco real para a reputação das empresas. De concreto para o Brasil, é importante lembrar que os EUA já publicaram uma lista com vários produtos brasileiros associados a trabalho infantil e trabalho forçado, que compreende desde açaí, gado, frango, e madeira até produtos têxteis e sapatos, ainda que o Brasil não esteja no escopo daquela lei de 2021.[23]
Regulamentações que se espelham nessa legislação dos EUA também tem sido discutidas na União Europeia. Por exemplo, o Corporate Sustainability Due Diligence Directive – CSDDD estabelece, entre outros, um dever de devida diligência corporativa de direitos humanos para empresas na União Europeia e para sua cadeia de suprimentos em qualquer localidade. Dentre as obrigações centrais da proposta está o dever de empresas de identificar, pôr fim, prevenir, mitigar e contabilizar os impactos negativos de suas operações e de sua cadeia de suprimentos sobre os direitos humanos. A expectativa da União Europeia é a de que mais de 16.000 empresas serão afetadas, inicialmente concentradas nos setores de mineração, agrícola e têxtil. Além da CSDDD, a UE também discute a aprovação da Lei Antitrabalho Forçado, proposta apresentada pela Comissão Europeia em setembro de 2022. Em outubro de 2023, o Parlamento europeu confirmou sua posição favorável em relação à proposta original, que visa a proibir a venda no mercado interno, importação e exportação de produtos associados a trabalho forçado, incluindo trabalho infantil.[24]
Ainda que tenham objetivos legítimos de respeito a direitos de trabalhadores e da criança, essas medidas normalmente também parecem ser construídas de forma a impor barreiras muitas vezes excessivas ao comércio internacional.
Apesar disso, no Brasil empresas cumprem com regras que estão entre as mais avançadas em matéria de direitos trabalhistas, envolvendo custos que são ultimamente incorporados nos produtos. Esta parte da presente tomada de subsídios visa mapear esses atributos de sustentabilidade relacionados a questões trabalhistas associadas a um produtoda pauta de comércio do Brasil e, na medida do possível, mensurar investimentos já realizados por empresas brasileiras nesse processo.
VI DO ARCABOUÇO LEGAL
A complexidade das questões relacionadas aos atributos de sustentabilidade de bens no comércio exterior brasileiro ressalta a importância de uma reflexão aprofundada sobre os instrumentos regulatórios necessários. O desafio em lidar com esse tema destaca a necessidade de uma abordagem estratégica do Estado brasileiro que contemple os diversos aspectos da sustentabilidade associada a um produto, seja em relação aos aspectos de emissões de carbono, aspectos de economia circular e impacto na biodiversidade, ou aspectos trabalhistas. O diálogo e a colaboração entre os diversos interessados são fundamentais para reduzir sobreposições de agências e caminhar para uma eventual resposta regulatória estatal precisa, com mecanismos e ferramentas adequados.
Esta parte da presente tomada de subsídios visa coletar opiniões sobre o arcabouço legal existente bem como de melhorias e de eventuais novas molduras regulatórias necessárias para a governança mais efetiva dos atributos de sustentabilidade de produtos do comércio exterior do Brasil.
VII CONCLUSÃO
Por meio da presente tomada de subsídios, a Secretaria-Executiva da CAMEX almeja obter informações detalhadas sobre bens sustentáveis, com base nos atributos de sustentabilidade da biodiversidade, economia e processos produtivos brasileiros. Esta parte da presente tomada de subsídios visa obter informações sobre o perfil da sua empresa.
[1] Fonte; Brazil 2023 NDC. https://unfccc.int/sites/default/files/NDC/2023- 11/Brazil%20First%20NDC%202023%20 adjustment.pdf
[2] Ver partes III a V abaixo.
[3]European Commission. Commission welcomes provisional agreement for more sustainable, repairable and circular products (5 Dezembro 2023) https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_23_6257
[4] European Union. Eurobarometer. Social Issues (março 2021). https://europa.eu/eurobarometer/surveys/detail/2266
[5] Gamage, C e outros. US Businesses Need Low-Emissions Steel, and It’s Time for US Steelmakers to Get It to Them (14 Julho 2023) https://rmi.org/us-businesses-need-low-emissions-steel-and-its-time-for-us-steelmakers-to-get-it-to-them/
[6] Regulation (EU) 2023/956 of the European Parliament and of the Council of 10 May 2023 establishing a carbon border adjustment mechanism (Text with EEA relevance)
[7] Introduction of a UK carbon border adjustment mechanism from January 2027. Consultation
Publication date: 21 March 2024. Closing date for comments: 13 June 2024. https://assets.publishing.service.gov.uk/media/65fc11fef1d3a0001132ac6f/Introduction_of_a_UK_carbon_border_adjustment_mechanism_from_January_2027.docx.pdf
[8]Brochure: OECD-FAO Business Handbook on Deforestation and Due Diligence in Agricultural Supply Chains (2023) https://www.fao.org/documents/card/en?details=cc6648en
[9]Regulation (EU) 2023/1115 of the European Parliament and of the Council of 31 May 2023 on the making available on the Union market and the export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No 995/2010
[10] OMC. Mapping measures related to circular economy – circularity in the WTO. TESSD Working group on Circular Economy. (April 2023)https://www.wto.org/english/tratop_e/tessd_e/13_wto_secretariat_presentation.pdf
[11] TESSD. Mapping Exercise: Trade and trade policy aspects along the lifecycle of products. Informal Working Group On Circular Economy-Circularity. INF/TE/SSD/W/27. 5/7/2023
[12] OMC. TESSD. https://www.wto.org/english/tratop_e/tessd_e/tessd_e.htm Ver também
[13] OMC. Diálogo sobre Poluição por Plásticos e Comércio de Plásticos Ambientalmente Sustentável. OMC. TESSD. https://www.wto.org/english/tratop_e/tessd_e/tessd_e.htm
[14] UNEP. https://www.unep.org/inc-plastic-pollution/session-4
[15]FAO. Towards the development of a Voluntary Code of Conduct on the sustainable use of plastics in agriculture. 6/9/2023 https://www.fao.org/fsnforum/call-submissions/voluntary-code-conduct-sustainable-use-plastics-agriculture
[16] European Commission. Proposal for a new Ecodesign for Sustainable Products Regulation (ESPR) (March 2022);
[17] A new Circular Economy Action Plan For a cleaner and more competitive Europe COM/2020/98 final (11 Marrch 2020) https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?qid=1583933814386&uri =COM:2020:98:FIN
[18]European Council. Green transition: Council gives its final approval to the ecodesign regulation
(27 maio 2024) https://www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2024/05/27/green-transition-council-gives-its-final-approval-to-the-ecodesign-regulation/
[19] Por exemplo, Comissão europeia. https://commission.europa.eu/business-economy-euro/doing-business-eu/corporate-sustainability-due-diligence_en#what-are-the-obligations-for-companies-and-their-directors; S.4213 - Fashioning Accountability and Building Real Institutional Change Act or “the FABRIC Act https://www.congress.gov/bill/117th-congress/senate-bill/4213; European Commission. EU strategy for sustainable and circular textiles (30 March 2022) https://environment.ec.europa.eu/publications/textiles-strategy_en
[20] European Commission. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_23_6257;
[21]H.R.1155 - Uyghur Forced Labor Prevention Act117th Congress (2021-2022)
[22]Campbell, P e outros. US Porsche, Bentley and Audi imports held up over banned Chinese part. Financial Times (14 Fevereiro 2024)
[23] US Department of Labor. Findings on the Worst Forms of Child Labor - Brazil
https://www.dol.gov/agencies/ilab/resources/reports/child-labor/brazil
[24] European parliament. Proposal for a ban on goods using forced labour. https://www.europarl.europa.eu/thinktank/en/document/EPRS_BRI(2023)739356
O PRAZO PARA RECEBIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES À TOMADA DE SUBSÍDIOS ESTÁ PRORROGADO ATÉ 26/08/2024.
Conteúdo
- Clique no balão ou no parágrafo que deseja contribuir -
Lista de Perguntas
1. Explicar se a sua empresa tem uma política formal de adesão e conformidade a padrões e normas específicos (ISBB, ISO, GHG Protocol ou outros) para mensuração, relato e verificação (MRV) de gases efeito estufa (carbono), especificando quais padrões e normas técnicas são adotados por sua empresa, quais mercados de destino requerem tais padrões e se esses padrões mudam de acordo com o mercado de destino. Em caso negativo, explicar quais os principais desafios encontrados para adoção de certificação de MRV de carbono (custo, capacidade técnica de pessoal para adoção padrão MRV, capacidade técnica de pessoal para manutenção do padrão MRV, outros). Na medida do possível, quantificar investimentos realizados e custos incorridos para obtenção de tais certificações. Apresentar estudos atualizados sobre emissões incorporadas em produtos do seu setor no Brasil, no mundo e em outras jurisdições.
2. Em caso afirmativo na pergunta acima, explicar quais escopos de emissões são abrangidos pela certificação (escopo 1, escopo 2, escopo 3) e se a metodologia adotada calcula emissões por produto. Em caso negativo, explicar qual metodologia é utilizada e os maiores desafios para fazer uma transição para uma metodologia de cálculo de emissões incorporadas em produtos.
3. Explicar quais requerimentos da legislação nacional brasileira a sua empresa já cumpriu ou cumpre em relação a emissões de carbono. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para cumprimento de tais requerimentos e eventuais custos envolvidos.
4. Explicar a estratégia da sua empresa para descarbonizar ou aumentar a eficiência energética em suas operações, especificando a estratégia adotada (ex: tecnologias inovadoras para redução de emissões diretas de carbono, tecnologias de captura e armazenamento de carbono, eletricidade originária de fontes de energia renovável integrada às plantas produtivas (offgrid), eletricidade originária de fontes de energia renovável obtida das geradoras de eletricidade, energia nuclear, preservação ou proteção de áreas florestais para captura de carbono). Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para implementar essas estratégicas e mensurar emissões de carbono capturadas ou evitadas. Caso sua empresa não adote estratégia de redução de emissões de carbono, especificar a principal dificuldade (ex: custo de integração de novas tecnologias ao processo produtivo, ausência de escala comercial para a tecnologia necessária, etc).
5. Explicar se a sua empresa adota sistema para identificar, prevenir e mitigar riscos reais e potenciais de desmatamento e de destruição de ecossistemas. Em caso afirmativo, explicar se esse sistema é certificado, indicando a entidade certificadora. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para implementar essas estratégicas e mensurar emissões de carbono capturadas ou evitadas. Caso a empresa não adote tal sistema, explicar quais as maiores dificuldades encontradas para adoção desses sistemas (ex: custo, capacidade técnica, outros).
6. Explicar se a sua empresa participa do mercado de carbono, em que medida usa créditos de carbono para compensação de emissões de carbono, quais padrões técnicos de mensuração de emissões aceitam compensações, e quais mercados hoje aceitam tais compensações para fins de cálculo de emissões incorporadas em produtos.
7. Explicar se a sua empresa produz ou pretende produzir biocombustíveis que possam ser utlizados na descarbonização dos transportes terrestre, aéreo ou marítimo. Em caso afirmativo, especificar quais tipos de biocombustíveis, para quais mercados esses produtos já são exportados e quais as principais barreiras comercias com justificativas em atributos de sustentabilidade desses bens em vigor ou em discussão
1. Explicar se a sua empresa tem uma política formal de adesão e conformidade a padrões e normas específicos de economia circular (ISO, outros), especificando quais padrões e normas técnicas são adotados por sua empresa, quais mercados de destino requerem tais padrões e se esses padrões mudam de acordo com o mercado de destino. Em caso negativo, explicar quais os principais desafios encontrados para adoção de certificação de economia circular. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para obtenção de tais certificações e eventuais custos envolvidos.
2. Explicar quais requerimentos da legislação nacional brasileira a sua empresa já cumpriu ou cumpre em relação a economia circular. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para cumprimento de tais requerimentos e eventuais custos envolvidos.
3. Especificar a estratégia da sua empresa para economia circular em suas operações: 1) redução do uso de matérias-primas, água ou resíduos com o objetivo de aumentar a eficiência dos materiais); 2) remanufactura de um produto descartado em um novo produto com a mesma função e em estado de novo; 3) aumento do conteúdo reciclado; 4) minimização da presença de substâncias que colocam em risco a saúde humana ou o meio ambiente em materiais reciclados e/ou em artigos fabricados com eles; 5) geração de energia de resíduos; 6) ecodesign de produtos; 7) transparência e rastreabilidade da composição de produtos; 8) redução de rejeitos plásticos e/ou a liberação não intencional de microplásticos no meio ambiente; 9) doação de resíduos recicláveis para cooperativas de catadores de materiais. Caso sua empresa não adote algumas dessas estratégias de economia circular, especificar qual e qual a principal dificuldade, e explicar se a sua empresa ainda pretende adotar algumas dessas estratégias e em que prazo. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para cumprimento de tais requerimentos e eventuais custos envolvidos.
4. Explicar quais padrões de ecodesign de produto a sua empresa já adota, incluindo 1) desmaterialização (redução no uso de materiais, maior foco em serviços); 2) uso compartilhado do produto (produto pode ser utilizado múltiplas vezes e/ou por múltiplos usuários); 3) integração de funções; 4) ampliação das funções do produto; 5) otimização funcional (aperfeiçoamento nos componentes para melhor desempenho das funções); 6) conteúdo mínimo reciclado, utilização de materiais que aumente a taxa de reciclabilidade e não utilização de materiais que dificultem o reuso ou a reciclabilidade. Caso sua empresa não adote estratégia de ecodesign, especificar a principal dificuldade. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para cumprimento de tais requerimentos e eventuais custos envolvidos.
1. Explicar se a sua empresa tem uma política formal de adesão e conformidade a padrões e normas específicos de proteção aos direitos humanos associados ao processo produtivo de suas operações ou da cadeia de suprimentos, especificando a certificação internacional obtida. Em caso negativo, explicar quais os principais desafios encontrados para adoção de certificação de sobre padrões trabalhistas associados ao processo produtivo de produtos exportados. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados para obtenção de tais certificações e eventuais custos envolvidos.
2. Explicar quais requerimentos da legislação nacional brasileira a sua empresa cumpre associados com o processo produtivo no que diz respeito a comunidades indígenas, trabalhadores e crianças. Na medida do possível, quantificar investimentos realizados e custos incorridos para cumprimento de tais requerimentos.
3. Explicar se a sua empresa adota sistema de rastreabilidade de produtos até a origem, em relação questões trabalhistas e impacto nas comunidades locais e povos indígenas.
1. Explicar se o arcabouço legal existente ou em discussão sobre padrões de emissões de carbono, de economia circular e trabalhistas é suficiente para lidar com desafios relacionados ao comércio de bens sustentáveis. Identificar problemas de ordem ambiental e econômica que não são abordados de forma satisfatória pelo arcabouço legal existente ou em discussão. Identificar que aperfeiçoamentos seriam desejáveis ao arcabouço legal para lidar de maneira mais efetiva com padrões unilaterais de emissões de carbono, de economia circular e trabalhistas.
2. Explicar se o Brasil deveria adotar regulamentação específica para lidar com os atributos de sustentabilidade de um produto, seja em relação a padrões de emissões de carbono, de economia circular, ou trabalhistas, visando garantir a concorrência justa com produtos estrangeiros no Brasil e no exterior. Explicar se essa regulamentação deve introduzir parâmetros sobre alguns produtos ou devem ser aplicados horizontalmente. Identificar parâmetros ou referências que deveriam ser utilizados para esse tipo de regulamentação. Apresentar estudos ou publicações já realizados que possam servir de referência.
3. Identificar riscos para o Brasil decorrentes da não adoção de um novo modelo regulatório sobre os atributos de sustentabilidade de bens, especialmente considerando o cenário que combina a OMC paralisada, a adoção ou discussão por outras jurisdições de regras específicas voltadas para atributos de sustentabilidade de bens que não leva em conta atributos de sustentabilidade de produtos brasileiros, e a necessidade de garantir uma concorrência justa no mercado brasileiro de bens sustentáveis com bens importados ?sujos?.
1. Explicar como a sua empresa está classificada, identificando o número de empregados (ex: pequena empresa; empresa de médio porte; empresa de grande porte).
2. Identificar os cinco principais mercados de destino das exportações da sua empresa e principais produtos, especificando: 1) produtos afetados por padrões de emissões de carbono (ex: ferro, aço, alumínio, fertilizantes, cimento, vidro, cerâmica, hidrogênio e eletricidade); 2) produtos afetados por padrões relacionados a desmatamento (ex: borracha e derivados, bovino e derivados, cacau e derivados, café e derivados, celulose, papel, papelão, madeira e derivados, óleo de palma e derivados, soja e derivados, entre outros); 3) produtos afetados por padrões de economia circular (ex: químicos, plásticos, têxtil, agrícola, baterias, minérios, veículos); e 4) produtos afetados por padrões trabalhistas (ex: bioeconomia, produtos agrícolas, minérios, têxteis, veículos).
Contribuições Recebidas
248 contribuições recebidas
Para ver o teor das contribuições deve estar logado no portal