Pesquisa faz diagnóstico sobre excesso de habeas corpus nos tribunais superiores
Brasília, 16/5/14 – O acúmulo de habeas corpus nos tribunais superiores brasileiros é tema da pesquisa lançada nesta sexta -feira (16), em São Paulo, pelo Ministério da Justiça e a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entitulada de “Panaceia universal ou remédio constitucional? Habeas corpus nos Tribunais Superiores”, a pesquisa mostra que parte do congestionamento de habeas corpus (HC’s) nos tribunais superiores decorre de ações que pretendem somente a aplicação de entendimentos já adotados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), mas que não são seguidos pelas instâncias inferiores.
O estudo foi realizado com cerca de 14 mil casos, do universo de 197 mil HCs do STF e do STJ, ajuizados entre 2008 e 2012, e resultou em uma proposta de edição de súmulas que reduzam o número de ações nos tribunais superiores.
Segundo o coordenador Thiago Bottino e o assistente de pesquisa Ivar A. Hartmann, ambos professores da FGV Direito Rio, é importante preservar o uso do HC como mecanismo para proteger a liberdade dos cidadãos e garantir maior igualdade na aplicação do direito.
Para Bottino, o crescimento do número de impetrações de habeas corpus e recursos de habeas corpus (RHC’s) não é uma ‘doença’, mas o ‘sintoma’ de uma. Nesse aspecto, a análise qualitativa revelou quais as questões de direito material, processual ou de execução penal que estão envolvidas em maior incerteza jurídica.
“Por um lado, identificou-se que boa parte das questões jurídicas levadas ao exame dos tribunais superiores decorre do fato de que tribunais de segunda instância não aplicam as súmulas ou entendimentos pacificados pelo STJ e STF. Nesse caso, recomenda-se a edição de súmulas vinculantes”, finaliza.
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, afirma que o debate é fundamental, uma vez que a sociedade arca com um grande volume de recursos destinados à estrutura necessária ao julgamento dessas demandas. “É imprescindível uma maior interação entre as diversas instâncias do Poder Judiciário para reduzir o número de ações que chegam diariamente aos tribunais superiores. É importante que os entendimentos pacificados nos tribunais superiores sejam observados pelos operadores do direito para que possamos evitar a proliferação de demandas junto ao Judiciário”, ressalta.
Desequilíbrio
A pesquisa revela uma altíssima concentração de HCs no STJ com origem no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP). O percentual, 43,8% dos HCs perante o STJ, não é compatível com dados de população (São Paulo concentra apenas 21,63% da população brasileira), nem com dados de população prisional (embora seja o estado com a maior população carcerária, com 35,71%). Um dos motivos disso pode ser a instalação da Defensoria Pública no Estado de São Paulo em 2007, estendendo a assistência jurídica gratuita a uma grande massa de pessoas que não dispunha de meios para acionar o Poder Judiciário.
Contudo, um dado ainda mais importante trata das taxas de reversão das decisões do TJSP, que são mais altas do que as dos demais tribunais, indicando que o TJSP não segue as orientações já consolidadas no STJ e no STF. Conforme o crime ou tema específico, essa taxa de reversão chega a 62% dos casos.
Os HCs contra decisões do TJ/SP, além disso, concentram-se em casos de réus acusados de cinco diferentes crimes: roubo, tráfico de drogas, homicídio qualificado e furto (72,59% do total, sendo que só roubo e tráfico de drogas correspondem à metade dos recursos contra decisões do TJ/SP).
A mesma concentração ocorre quando se analisam os principais temas das ações originadas no TJ/SP. Apenas cinco temas (do total de 41) correspondem a 54,3% de todas as discussões, destacando-se os temas ligados à progressão de regime, deficiência na fundamentação de prisão cautelar, erro na fixação de regime inicial de cumprimento de pena, erro na dosimetria e excesso de prazo.
Já nos demais tribunais, o tema mais discutido perante o STJ é a prisão cautelar. Essa evidência pode indicar que há certa dificuldade, no Judiciário, em aplicar a nova lei de cautelares (Lei 12.403, de 4 de maio de 2011).
O que esses dados mostram?
O alto percentual de HCs sobre os mesmos temas também revela que há questões específicas que não estão pacificadas nos superiores, como a aplicação do princípio da insignificância. Enquanto tais temas não forem decididos, o número de recursos tende a aumentar.
Segundo Thiago Bottino “A elevada taxa de sucesso das impetrações no STJ deve ser interpretada como uma alta taxa de reversão das decisões dos tribunais de 2ª instância. Esse fenômeno é bem claro no STJ, responsável pela alta taxa de reversão das decisões inferiores, o que permite inferir que o STF é protegido de uma avalanche de impetrações graças à atuação do STJ”.
A pesquisa qualitativa permitiu outros achados interessantes:
- O caso da combinação “roubo” + “erro na fixação do regime inicial de cumprimento da pena” obteve uma taxa média de sucesso da ordem de 62% dos casos. Trata-se de uma taxa de concessão de HCs e RHCs extremamente alta, considerando que a matéria já fora apreciada tanto na 1ª como na 2ª instâncias. O grande afluxo de casos semelhantes deveria ter reduzido ao longo do tempo, caso as cortes de 2ª instância aplicassem decisões com base nos mesmos parâmetros dos tribunais superiores.
- Nos casos de crime de roubo, muitos HCs contestavam a decisão de condenação o réu ao cumprimento inicial de pena em regime fechado com base na periculosidade do agente ou na gravidade abstrata do delito de roubo, em desacordo com a legislação e a jurisprudência vigentes.
- A aplicação do chamado “princípio da insignificância”, segundo o qual, nos crimes de furto, a apropriação de bens de valor irrisório não constituiria crime, não está uniformizada. Há mesmo decisões opostas, demonstrando uma grande divisão nos tribunais superiores acerca do tema.
- Em crimes de furto, foram encontrados casos absurdos. A utilização da prisão cautelar e as condenações em regimes diferentes do fechado geravam um descompasso temporal. Segundo os pesquisadores, em muitas situações, o réu era denunciado por furto qualificado, mas sentenciado em furto simples, de modo que a prisão cessava justamente no momento da condenação, criando-se uma situação inusitada: enquanto é presumidamente inocente, o paciente estava preso; quando foi considerado culpado e condenado, foi solto.
Ministério da Justiça
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