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Leia na íntegra a Declaração do Brasil para a Cúpula Mundial da Educação de
26 de abril 2000
Leia na íntegra a Declaração do Brasil para a Cúpula Mundial da Educação de Dacar, no Senegal
Declaração apresentada por Maria Helena Guimarães de Castro, Chefe da Delegação do Brasil no Fórum Mundial de Educação
Como chefe da delegação do Brasil e representante do Ministro da Educação, desejo apresentar, inicialmente, as felicitações do governo brasileiro aos dirigentes dos organismos internacionais que promovem este Foro, em especial aos responsáveis pela sua organização. Quero também cumprimentar o governo e o povo do Senegal que nos acolheram de forma tão calorosa e hospitaleira. É significativo que um evento da importância deste Foro - o qual recoloca a educação no topo da agenda de cooperação internacional - seja realizado no continente africano, simbolizando assim o compromisso de apoio aos países em desenvolvimento que queremos ver reafirmado em Dakar. Por último, saúdo todas as delegações dos países aqui representados, que certamente trazem uma mensagem otimista e esperançosa diante dos enormes desafios educacionais que cada um dos nossos países ainda enfrenta, para que os objetivos e metas do EFA, estabelecidos na Conferência de Jomtien, sejam plenamente alcançados.
Este Foro Mundial de Educação realiza-se numa ocasião especialmente significativa para o Brasil, que acaba de celebrar 500 anos do seu descobrimento. O transcurso desta data histórica se dá num contexto institucional de estabilidade política, de retomada do crescimento econômico e de consolidação da democracia, conquistas recentes da sociedade brasileira. Este ambiente propicia condições muito favoráveis para um debate profundo sobre a nossa herança colonial e escravocrata, raiz das desigualdades sociais e econômicas ainda presentes na realidade do nosso País. Hoje, porém, observa-se uma firme determinação do governo e da sociedade civil organizada de mudar este quadro. A educação é percebida pelos diferentes segmentos sociais como uma política estratégica, para que este objetivo seja atingido. Por isso, tem havido um esforço muito grande do Poder Público e das organizações não-governamentais para promover a universalização do acesso à educação básica e garantir igualdade de oportunidades educacionais para todos.
O princípio, que agora se universaliza, de que a educação é um direito essencial que deve ser estendido a todos - constituindo-se assim um elemento formador da cidadania e um dos requisitos básicos da democracia - já havia sido consagrado pela Constituição brasileira de 1988. Portanto, o Brasil estava identificado e comprometido com a política de Educação para Todos antes mesmo de tornar-se um dos signatários da Declaração de Jomtien, em 1990, e um dos países-membros do Grupo E-9, criado em 1993. Porém, o desafio lançado naquela conferência, que conclamou os países em desenvolvimento a ampliar os esforços para atender às necessidades básicas de aprendizagem de todas as pessoas - crianças, jovens e adultos - fortaleceu os objetivos do EFA e exigiu uma resposta mais efetiva das políticas nacionais. Inicialmente, esta resposta resultou na elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), que mobilizou as diferentes instâncias de governo, segmentos da área educacional e ONGs. A partir desta iniciativa, foram explicitadas prioridades para a política educacional do País mais condizentes com as metas do EFA.
No entanto, somente a partir das reformas e políticas educacionais implementadas nos últimos cinco anos, o Brasil deu passos decisivos para garantir a universalização do acesso ao ensino fundamental e o cumprimento das demais metas incorporadas à agenda proposta em Nova Delhi para o E-9. Aquele encontro de cúpula - que reuniu chefes de Estado e ministros da Educação de Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão - propôs metas genéricas voltadas para a ampliação do acesso à educação infantil e ao ensino fundamental, e para a introdução de novas metodologias de ensino e valorização do magistério. Também estabeleceu, de forma mais concreta, o compromisso de reduzir pela metade, até o final da década, as taxas de analfabetismo. Com a criação do Grupo E-9, sob os auspícios da Unesco, pretendia-se estimular e apoiar o desenvolvimento da política do EFA num conjunto de países que representam cerca da metade da população mundial. Desde Nova Delhi, foram realizados outros dois encontros de ministros da Educação do E-9, com o objetivo de acompanhar e avaliar o resultado das ações realizadas em cada país: uma em Islamabad, em setembro de 1997, e outra em Recife, em janeiro de 2000.
Neste Foro de Dakar, reunimo-nos novamente com a finalidade de concluir o processo de avaliação dos resultados obtidos nos dez anos que transcorreram desde Jomtien e - a partir do reconhecimento dos avanços conquistados, dos obstáculos enfrentados e dos desafios a serem ainda superados - estabelecer novas metas e objetivos para a próxima década, renovando assim o firme propósito de levar adiante a política de educação de qualidade para todos. Não poderíamos escolher momento mais oportuno para refletir sobre os erros e acertos do passado e, à luz dessas lições, repensar o futuro.
Estamos às portas de um milênio, e uma nova etapa se anuncia na história da humanidade, depois de um século que testemunhou as maiores guerras e genocídios de todos os tempos, mas que também assistiu incríveis avanços científicos e tecnológicos, inaugurando um período de prosperidade econômica e material sem precedentes. No entanto, os benefícios do progresso e do aumento da produtividade não foram divididos com eqüidade, aprofundando-se as desigualdades entre as nações desenvolvidas e os países em desenvolvimento. Vivemos hoje em um mundo globalizado e interdependente, mas dominado por uma lógica perversa que incentiva a competitividade. Neste contexto, o acesso ao conhecimento torna-se cada vez mais determinante para o destino das nações e dos indivíduos. A educação é, portanto, uma questão-chave para o desenvolvimento sustentável e eqüitativo.
No campo político, vivemos um momento de afirmação do pluralismo político e dos valores democráticos em todo o mundo. Os regimes autoritários e ditatoriais, que não respeitam as liberdades fundamentais, estão cada vez mais sitiados, submetidos a fortes pressões externas e internas. A consolidação da democracia, como regra de convivência, proporcionou ambiente favorável para o florescimento de uma gama variada de movimentos da sociedade civil organizada, em escala nacional e global, representando novas formas de participação da população no desenho das políticas públicas e nos processos de decisão. O fortalecimento das organizações não-governamentais (ONGs) e o surgimento de novos atores é um fenômeno particularmente positivo na área da educação, constituindo-se uma das principais novidades observadas nos países em desenvolvimento na década de 90. No Brasil, as ONGs, as associações de pais e professores e outros mecanismos de participação da comunidade deram uma contribuição decisiva para os avanços educacionais logrados na última década.
No campo econômico, assistem-se esforços para estabelecer uma nova ordem mundial, baseada em relações mais justas entre as nações ricas e os países pobres. A pressão exercida sobre os países em desenvolvimento para a abertura dos seus mercados internos não foi acompanhada da correspondente eliminação de barreiras comerciais mantidas pelos países desenvolvidos. Da mesma forma, a criação de blocos econômicos atendeu mais aos interesses dos países ricos de aumentar o seu poder na determinação das regras do comércio mundial. Com isso, muitos dos principais produtos de exportação dos países em desenvolvimento continuam sofrendo restrições alfandegárias impostas pelas nações desenvolvidas. Este desequilíbrio nas relações comerciais, agravado pelo peso do endividamento externo, é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento dos países pobres, pois limita a sua capacidade de gerar divisas, inclusive para fazer ante os investimentos na área da educação. Há, portanto, uma profunda contradição entre as relações Norte-Sul e as metas e objetivos do EFA propostas na agenda de cooperação internacional.
No campo educacional, o quadro observado ainda é bastante insatisfatório, especialmente nos países em desenvolvimento, onde, geralmente, apesar dos avanços verificados nas últimas décadas, há uma imensa dívida social a ser resgatada. Além disso, a população escolar cresce ainda a taxas relativamente elevadas, apesar da tendência de queda nas taxas de natalidade. Enquanto na maioria dos países desenvolvidos a população com menos de 15 anos representa parcela inferior a 20% da população total, nos países em desenvolvimento esta proporção é sempre superior a 30%, podendo chegar até a 45% em alguns países. Significa, portanto, que o atendimento adequado da demanda exige ainda forte expansão dos sistemas educacionais nestes países. O número de jovens que hoje procura ingressar no mercado de trabalho ainda reflete as altas taxas de natalidade de vinte anos atrás, e sua baixa qualificação média é fruto de um processo de urbanização muito recente, acelerado e desordenado. No Brasil, entre 1940 e 1980, a população rural passou de dois terços a um terço do total. Hoje, cerca de 80% da população vivem em áreas urbanas.
Recuperar o tempo perdido e, ao mesmo tempo, fazer a reforma educacional exigida pela sociedade é tarefa gigantesca que exige dos governos a definição de uma clara prioridade para a educação. No Brasil, este desafio era particularmente sério. Infelizmente, até os anos 50, muito pouca atenção havia sido dada à educação. Em 1960, apenas cerca de 60% das crianças de 7 a 14 anos freqüentavam a escola e a taxa de analfabetismo era de 40%. É verdade que houve avanços até meados dos anos 90, insuficientes, porém, diante da nova realidade do mundo. Já tínhamos 89% de crianças na escola, a taxa de analfabetismo era de 16% mas apenas 50% das crianças que iniciavam a 1ª série do ensino fundamental permaneciam no sistema até concluir suas oito séries, levando em média 12 anos para fazê-lo, devido às taxas extremamente elevadas de repetência e evasão escolar. A proporção de jovens no ensino médio era vergonhosamente baixa, o mesmo ocorrendo no ensino superior. Constatávamos que o problema não era apenas a falta de vagas nestes níveis de ensino, mas a pouca efetividade do sistema, que impossibilitava que grande número dos alunos concluísse o ensino fundamental em idade adequada para prosseguir seus estudos.
As profundas e históricas desigualdades sociais geradas pelo processo de desenvolvimento brasileiro explicam, em grande medida, o atraso educacional de décadas e a baixa escolaridade média da nossa população. Isto é evidenciado pelo fato de que 45% dos chefes de famílias indigentes nunca freqüentaram a escola ou abandonaram-na antes de completar um ano de estudo. Existe, portanto, uma relação de causalidade muito forte entre baixa escolaridade e pobreza. Sendo assim, o descaso com a educação alimentava perversamente o círculo vicioso da exclusão social, não somente refletindo, mas também acentuando as desigualdades sociais e regionais. Em 1995, os brasileiros da Região Nordeste, a mais pobre do país, tinham em média quatro anos de estudo, dois a menos do que os habitantes das regiões Sul e Sudeste, as mais ricas. O mesmo contraste podia ser observado em relação ao analfabetismo: em 1996, a taxa do Nordeste era de 28,7%, praticamente o dobro da taxa média nacional (14,7%).
Os gastos públicos com educação no Brasil correspondem a cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), o que equivale a mesma proporção média de gasto dos países desenvolvidos. Uma das principais características do sistema educacional brasileiro é o seu elevado grau de descentralização, que também se reflete na divisão de responsabilidade pelo seu financiamento entre os três níveis de governo. A União contribui com 20% dos recursos públicos aplicados na educação, os Estados com cerca de 50% e os municípios com 30%. Mais do que um problema de escassez de recursos, o que se observava era a má distribuição e, não raras vezes, má aplicação e desvio dos recursos disponíveis. Portanto, o essencial, na atuação do Ministério da Educação, era induzir o gasto em áreas prioritárias e, principalmente, exercer a liderança no processo de mudança para convencer os Estados e municípios a também aplicarem corretamente seus próprios recursos, privilegiando a universalização da educação básica.
Ao assumir a Presidência da República, em janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso definiu a educação e, particularmente, o ensino fundamental, como prioridade do seu governo. Com isso, buscava responder a uma demanda manifestada claramente pela sociedade e enfrentar um dos principais entraves ao desenvolvimento do nosso País. Os extraordinários avanços registrados, nos últimos cinco anos, mostram a eficácia das ações lideradas pelo governo federal e comprovam que o Brasil acertou o passo e está empenhado em recuperar o seu atraso educacional. Os compromissos assumidos em Jomtien e reafirmados nos encontros do E-9 não ficaram no papel. Pelo contrário, passaram a fazer parte da agenda das políticas educacionais e foram colocados em prática, traduzindo-se em substantivas melhorias, confirmadas pela evolução dos principais indicadores quantitativos e qualitativos.
De fato, os progressos educacionais realizados pelo Brasil na segunda metade da década de 90 foram notáveis. Mesmo assim, estes avanços não foram suficientes para satisfazer adequadamente as demandas existentes, até porque as exigências da sociedade mudaram, acompanhando as transformações tecnológicas. Hoje, já não basta garantir a universalização do ensino compulsório, que no Brasil é de oito anos. Para uma cidadania plena e uma vida produtiva exige-se, no mínimo, 12 anos de escolaridade básica. Por isso, os atuais esforços do País se concentram na reforma e expansão do ensino médio. A velocidade com que o Brasil tem conseguido ampliar a cobertura no ensino secundário talvez não encontre paralelo em nenhum outro país. De 1991 a 1999, a matrícula neste nível de ensino cresceu 136%, tendência que ganhou maior velocidade nos últimos cinco anos, com uma taxa de crescimento anual superior a 10%. Estas taxas indicam um aumento da demanda dos jovens por maior escolaridade, até por exigência de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo.
A atual explosão da matrícula do ensino médio reflete, por sua vez, outro fenômeno muito positivo observado na década de 90: a expansão e a melhoria do ensino fundamental. A meta de universalizar o ensino primário - que corresponde aos oito anos de escolaridade obrigatória - com a qual o Brasil se comprometeu em Jontiem, está praticamente assegurada. Com isso, o ensino fundamental brasileiro atende hoje cerca de 36 milhões de alunos, dos quais 91% em escolas públicas. De 1991 a 1999, a taxa de escolarização líquida da população de 7 a 14 anos saltou de 86% para 96%, o que representou, em números absolutos, a inclusão no sistema de cerca de 6,8 milhões de crianças. Entre 1990 e 1998, o número de concluintes do ensino fundamental cresceu 124,3%, gerando forte demanda no ensino médio. Somadas as matrículas em todos os níveis de ensino, o Brasil tem, hoje, cerca de 55 milhões de estudantes, nada menos que um terço da população total do país.
É importante destacar, ainda, que o aumento de cobertura do sistema educacional, em seus diferentes níveis, tem sido sustentado basicamente pelo esforço do setor público, com exceção do ensino superior, que conta com uma participação mais expressiva do setor privado. As escolas públicas são responsáveis por 87,8% do total de estudantes, totalizando 45,7 milhões de alunos só na educação básica - na faixa dos 0-17 anos. Esses números revelam a magnitude dos esforços governamentais para garantir a inclusão da população de baixa renda no sistema escolar. Num país em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, altas taxas de cobertura em escolas privadas indicariam a marginalização da população mais carente, que abarca uma proporção muito significativa das crianças e adolescentes. A expansão do ensino médio tem se dado inteiramente na rede escolar pública permitindo a incorporação dos setores de baixa renda.
Na área da educação infantil, dois avanços importantes merecem destaque. Em primeiro lugar, consolidou-se na legislação brasileira e na concepção das políticas uma visão integrada, que concebe o atendimento educacional de 0 a 6 anos como a primeira etapa da educação básica. A atenção à criança deve visar seu desenvolvimento integral, contemplando aspectos físicos, psicológico, intelectual e social. A partir desta visão, buscou-se uma integração intersetorial das ações, mediante articulação das políticas de saúde, assistência social e educação. A inclusão das creches aos sistemas de ensino e a definição das responsabilidades dos municípios pela educação infantil completam as mudanças institucionais efetivadas. O segundo avanço importante se deu em termos de expansão do atendimento. A matrícula na pré-escola, voltada ao atendimento das crianças na faixa etária de 4 a 6 anos, expandiu-se de 35,4%, em 1990, para 50,4% da coorte, em 1998. Outro dado positivo é que em relação à pré-escola, embora os índices de cobertura ainda sejam insatisfatórios, as disparidades regionais são bem menores do que nos demais níveis de ensino, e também se verifica uma melhor distribuição das matrículas entre a zona rural e urbana.
Na área da educação especial, a análise da evolução verificada na década de 90 demonstra que houve um expressivo aumento do acesso dos portadores de necessidades especiais à educação. Este resultado é fruto do esforço de superação do paradigma e da prática de segregação em favor de uma educação inclusiva na rede regular de ensino, na qual o respeito à diversidade dos alunos é o principal eixo da ação pedagógica. No período de 1988 a 1998, a matrícula de alunos com necessidades especiais registrou um crescimento de 102,8%. As instituições particulares, mantidas em geral por associações filantrópicas, mantêm uma participação muito expressiva na oferta de educação especial, compensando, em parte, a histórica deficiência de atendimento na rede pública de ensino. Na última década, no entanto, o governo federal promoveu ações mais eficazes, em colaboração com os Estados e municípios, com o objetivo de expandir, melhorar e diversificar o atendimento a crianças, jovens e adultos portadores de deficiências, visando integrá-los nos diferentes níveis de ensino.
As políticas de democratização do acesso aos três níveis da educação básica - educação infantil, ensino fundamental e ensino médio - foram acompanhadas de ações que tiveram impactos muito positivos tanto em termos de aumento da eficiência do sistema quanto da melhoria da qualidade do ensino. Esta mudança foi mais emblemática no ensino fundamental, que mereceu atenção especial nos últimos cinco anos. Apesar de a distorção idade/série continuar elevada - 46,6% dos alunos apresentam atraso de dois anos ou mais no seu percurso escolar - o perfil do ensino fundamental tem melhorado de forma bastante acelerada nos últimos anos. A taxa de promoção, que mede o número de alunos que passou de série, aumentou de 65%, em 1995, para 73%, em 1997. Além disso, a expectativa de conclusão das oito séries elevou-se para 63% e o tempo médio de conclusão reduziu-se de 12 para 10 anos.
A prioridade atribuída à universalização do acesso ao ensino fundamental mostrou-se uma estratégia igualmente eficiente no combate ao analfabetismo. De fato, a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais recuou de 20,1%, em 1991, para 13,8%, em 1998, data do último levantamento disponível. Pela primeira vez, registrou-se uma queda no número absoluto de pessoas analfabetas, de 19,2 milhões para 15,2 milhões, no mesmo período. Obviamente, esses números permanecem inaceitáveis e representam um grande desafio para o governo e para a sociedade brasileira. Mas é importante observar como tendência positiva o rápido declínio das taxas de analfabetismo nos grupos etários mais jovens, beneficiados pela expansão da cobertura do sistema escolar. A incidência do analfabetismo se concentra cada vez mais nas populações rurais e nas faixas etárias acima de quarenta anos, justamente aquelas que não se beneficiaram da expansão do sistema de ensino verificada nas últimas décadas. O atendimento dessas populações requer ações focalizadas, que estão sendo desenvolvidas em parceria pelo Poder Público e pelas ONGs.
O balanço sobre desempenho educacional do Brasil na década de 90 aponta ainda como um dos resultados mais expressivos a redução das desigualdades regionais. A taxa líquida de escolarização, de 7 a 14 anos, que era de 73% no Nordeste e de 79% no Norte, em 1991, saltou para 93%, em 1999. A reversão do déficit de atendimento que se observava nestas regiões foi fortemente estimulada por iniciativas do governo federal, que canalizaram recursos para apoiar os esforços de universalização do ensino fundamental. Estas duas regiões também foram as mais favorecidas pela implantação, a partir de 1998, do novo modelo de financiamento do ensino fundamental, que garante maior eqüidade na distribuição dos recursos públicos vinculados a este nível de ensino.
Outro resultado muito positivo alcançado pelo Brasil diz respeito à completa superação das disparidades de gênero quanto ao acesso e à permanência no sistema de ensino, em seus diferentes níveis. Na verdade, a década de 90 registrou uma rápida ascensão educacional das mulheres, que já superaram a escolaridade dos homens. O número de matrículas de mulheres já é superior ao número de matrículas de homens em todos os níveis de ensino. Entre os concluintes do ensino fundamental, 53,6% são mulheres e 46,4% homens. No ensino médio, observa-se o mesmo fenômeno: 58,3% dos concluintes são mulheres e 41,5% homens. A hegemonia feminina é ainda mais acentuada no ensino superior, representando 61,4% dos concluintes. Estes números indicam um preocupante fenômeno de exclusão de gênero invertida, pois revelam que os meninos e adolescentes estão abandonando precocemente a escola. De todo modo, o aumento da escolarização feminina é fator auspicioso, pois as pesquisas indicam a existência de uma forte correlação entre a escolaridade da mãe e o rendimento escolar dos alunos.
Estes resultados expressivos foram alcançados a partir de um conjunto de políticas coerentes aplicadas com continuidade ao longo dos últimos cinco anos. O estabelecimento de novo modelo de financiamento do ensino fundamental, baseado na divisão de responsabilidades e competências entre as três esferas de governo e na definição de critérios adequados para a repartição dos recursos, foi a mola mestra desse processo de expansão do acesso ao ensino fundamental. Além disso, esse novo modelo produziu significativo impacto na remuneração dos docentes, especialmente nas regiões mais carentes do país. Ao lado desta reforma estrutural, o governo federal universalizou os programas tradicionais de apoio ao ensino fundamental - livro didático e merenda escolar - além de ter promovido iniciativas inovadoras, com a transferência de recursos diretamente para as escolas e o Programa TV Escola, que promove a capacitação em serviço de professores e oferece subsídios para apoiar suas atividades em sala de aula. Estas ações ratificaram a prioridade atribuída ao ensino fundamental.
A melhoria qualitativa do processo de ensino-aprendizagem, centrado no desenvolvimento das competências e habilidades básicas, foi apoiada pela elaboração e disseminação de diretrizes e parâmetros curriculares nacionais (PCNs) para todos os níveis e modalidades da educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e educação escolar indígena). Como o sistema educacional brasileiro é descentralizado, não tendo um currículo nacional, as diretrizes e parâmetros pretendem induzir os sistemas estaduais e municipais de ensino a adotarem uma base nacional comum. Outra inovação foi a incorporação aos PCNs dos chamados "temas transversais", como ética e cidadania, pluralidade cultural, trabalho e consumo, meio ambiente e orientação sexual.
Todas as mudanças pelas quais o sistema educacional brasileiro passou nos anos 90 foram acompanhadas e monitoradas por meio de levantamentos e avaliações periódicas. A montagem de um moderno e eficiente sistema integrado de informações educacionais constituiu-se um dos principais feitos conquistados pelo Brasil nos anos mais recentes. O desenvolvimento e a implantação de sistemas nacionais de avaliação, abrangendo os diferentes níveis de ensino, e o aperfeiçoamento dos censos educacionais - que passaram a ser realizados com rigorosa periodicidade e pontualidade - transformaram-se numa das principais estratégias para orientar e induzir políticas voltadas para a melhoria da eqüidade nas condições de oferta e da qualidade do ensino. Nos últimos cinco anos, o Brasil construiu instrumentos adequados para monitorar o desempenho do seu sistema educacional, o que permitiu dar maior transparência aos resultados obtidos pelas instituições de ensino, gerando assim maior accountability. O apoio da opinião pública às iniciativas lançadas pelo Ministério da Educação na área de avaliação contribuiu para mudar a agenda pública, colocando em primeiro plano a preocupação com a melhoria do ensino.
A cooperação internacional teve um papel muito importante na trajetória educacional do Brasil nesses últimos dez anos. Desenvolvemos projetos com apoio do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Trabalhamos em parceria com organismos internacionais como a Unesco e o PNUD. Participamos do World Educational Indicators Project e do PISA 2000, ambos coordenados pela OCDE. Implementamos importantes linhas de cooperação hemisférica com os países americanos e, em particular, com nossos vizinhos do Mercosul. Articulamos parcerias e entendimentos bilaterais muito importantes para a educação.
A participação do Brasil no E-9 também revelou-se importante, sobretudo por ensejar comparações com países que apresentam como traços comuns o fato de possuírem uma grande população e um grande potencial de desenvolvimento. No entanto, este foro não chegou a se constituir um mecanismo de cooperação, tendo em vista que não se propôs a desenvolver iniciativas comuns. O que se deu foi apenas um acompanhamento mais efetivo do desempenho destes países em relação às metas de EFA propostas em Jomtien, mediante a realização de três reuniões ministeriais.
O Grupo do E-9 reúne um conjunto de países que se distinguem pelo elevado grau de heterogeneidade. Além de serem nações populosas e em processo de desenvolvimento, poucas são as características comuns a estes países. Estamos localizados em diferentes regiões geográficas, abrigamos culturas muito distintas e nos encontramos em patamares significativamente diferenciados de desenvolvimento econômico. Nossas trajetórias educacionais e demográficas, na década de 90, apesar de sempre dirigidas no sentido do cumprimento das metas do EFA, também foram muito diferentes.
Acreditamos firmemente, no entanto, que as metas estabelecidos no âmbito do E-9 permanecem como compromissos e objetivos fundamentais da sociedade brasileira, embora a estratégia de trabalhar em grupos tão heterogêneos, constituídos com base numa única identidade comum, possa ser revista a partir das definições deste Foro. Estamos num momento de balanço dos resultados alcançados nesta década, ocasião oportuna para que a UNESCO e as agências de cooperação internacional redirecionem seu apoio e seus esforços em prol dos países que enfrentam maiores dificuldades para alcançar as metas básicas de Jomtien. Por outro lado, ao reconhecer que o E-9 abrange um conjunto de países com características muito distintas, o Brasil sugere que sejam incorporadas metas mais ambiciosas, que considerem não apenas o critério populacional, mas levem em conta os diferentes estágios de desenvolvimento em que cada um destes países se encontram .
O governo brasileiro se compromete a seguir dando toda a prioridade para a educação, intensificando os esforços para alcançar níveis cada vez mais elevados de cobertura, em todos os níveis de ensino, e padrões de qualidade. Nesse sentido, ressaltamos nosso grande interesse em continuar colaborando com a comunidade internacional no campo da educação, no âmbito de foros e instâncias continentais e, sobretudo, globais, buscando sempre evitar a duplicação de esforços.
Universalizar a educação e ao mesmo tempo garantir a formação do cidadão que o mundo atual requer é hoje, realmente, o nosso maior desafio. Não só para os países em desenvolvimento, que enfrentam um legado de miséria e exclusão que é urgente resgatar, mas para toda a humanidade. Responder ao desafio de corrigir as desigualdades sociais, ampliar a participação nos frutos do progresso científico e econômico, fortalecer a democracia participativa, passaram a ser questões de sobrevivência para nossos países. E a base para a construção de um nova utopia passa necessariamente pela educação.
A situação educacional brasileira no momento presente poderia ser resumida nesta frase: ainda estamos longe de onde queremos chegar, mas em situação incomparavelmente melhor do que a situação em que nos encontrávamos no início dos anos 90. Temos os meios e a determinação para cumprir o objetivo de que todas as crianças e jovens brasileiros estejam na escola e recebam uma educação de qualidade. Este é o rumo indicado pelas reformas e pelas políticas que o governo e a sociedade brasileira se empenham em promover.