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Leitura equivocada
Os italianos de São Paulo têm uma ótima expressão para qualificar proposições que têm toda aparência de verdade, mas podem ser falsas: se non è vero, è ben trovato ("algo como "se não for verdade, pelo menos é uma boa tentativa"). As notícias sobre o suposto aumento da participação estatal no Aeroporto do Galeão trouxeram-me à mente esta frase. Trata-se de uma suposição verossímil. Mas que está longe de ser verdadeira.
O Galeão foi concedido no dia 22 de novembro por R$ 19,08 bilhões. Arrematou-o um consórcio formado pelas empresas Odebrecht TransPort (OTP) e Changi Airports, que opera o aeroporto de Cingapura. O ágio, de 294%, foi recorde para um leilão do tipo. Pelas regras das concessões aeroportuárias, a Infraero será sócia do empreendimento, com 49% de participação.
Acontece que, em dezembro, a BNDESPAR, braço de participações do BNDES, anunciou aporte de R$ 1 bilhão na OTP, passando a deter 10,61% da empresa. Para não ver sua participação diluída, um outro sócio da OTP, o Fundo de Investimentos em Infraestrutura do FGTS (FIFGTS), fez o que qualquer investidor faria: aportou mais R$ 429 milhões, mantendo sua fatia de 30%.
Juntos, FI-FGTS e BDESPAR passaram a deter 40% do capital da OTP, que por sua vez detém 60% da parte privada do Galeão. Numa construção teórica, interpretou-se que isso significava que o Galeão teria passado a ser 61% estatal somando a participação da Infraero mais o capital público aplicado na OTP. É uma conta criativa, mas que ignora alguns detalhes importantes.
O primeiro deles diz respeito à natureza do FIFGTS. O fundo, como o nome indica, foi criado para investir em projetos de infraestrutura. O FIFGTS é acionista da OTP, assim como de diversas outras empresas. Apesar de ser gerido pela Caixa, um banco público, ele é bancado por recursos do Fundo de Garantia dinheiro privado.
Todas as decisões de investimento são tomadas por um colegiado de 12 membros (metade deles indicados pela sociedade civil) e visam a maximizar o resultado para os investidores. Os projetos só são financiados após um processo de avaliação independente que atesta a viabilidade da taxa de retorno prometida. Funciona na exata mesma lógica da participação de fundos de pensão na Invepar, empresa sócia do Aeroporto de Guarulhos. A participação na OTP existe desde 2010, época em que nem mesmo havia concessões aeroportuárias.
Depois, a entrada da BNDES Participações na OTP não foi decidida de última hora, como o noticiário dá a entender: trata-se de uma negociação iniciada há um ano e meio. A empresa buscava recursos para investir não no Galeão, mas na SuperVia, no Rio. O aporte foi feito na holding, não dando à BNDESPAR qualquer direito de adquirir ações do Galeão, nem qualquer ingerência sobre a sociedade que a Odebrecht TransPort constituiu com Changi.
A decisão de adquirir parte da OTP também não foi, como alguns comentaristas sugeriram, um passe de mágica contábil deliberado. Tampouco teve subsídio via taxa de juros de longo prazo. O banco viu na empresa um potencial de abertura de capital futura e julgou que seria mais rentável adquirir uma participação do que simplesmente fazer-lhe um empréstimo.
O Galeão é um dos 18 ativos da OTP, que, por sua vez, é um de mais de cem ativos da carteira da BNDESPAR. O financiamento para participações vem do fluxo de dividendos da própria BNDESPAR, da venda de ativos ou de captações no mercado, não de repasse do Tesouro.
Trata-se, afinal, da realização do próprio estatuto da BNDESPAR, que tem por objeto social, entre outras coisas, realizar operações visando à capitalização de empreendimentos controlados por grupos privados. Em tempo: o estatuto data de 2002, do governo FHC.
Os investimentos na Odebrecht TransPort, portanto, não afetam em nada a gestão do Galeão concedido. Leituras apressadas como essa deixam a impressão de uma procura incansável por pelo em ovo em decisões de governo que são transparentes e normais.
Moreira Franco é ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República
(Artigo publicado no jornal O Globo, em 6 de janeiro de 2014, na página 13)
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