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A Copa e são Pedro
*Por Moreira Franco
Nas últimas semanas, passageiros ficaram retidos no aeroporto Santos Dumont, no Rio, depois de alguns fechamentos devido ao mau tempo. Houve protestos. "Imagina na Copa", diziam cartazes improvisados exibidos por um grupo de usuários. Sua mensagem não poderia ser menos sutil: para eles, os aeroportos brasileiros não funcionam bem e vão ficar ainda piores no Mundial de 2014.
O recado é de causar preocupação em qualquer gestor público. Eu mesmo não sei se teria encarado os
acontecimentos com o mesmo estoicismo e bom humor. A mensagem, porém, precisa ser bem analisada
para que a crítica faça sentido.
De um lado, há a situação atual da infraestrutura aeroportuária, sabidamente insatisfatória. De outro, há
vicissitudes climatológicas e geográficas nas quais a capacidade de intervenção do poder público, como se
sabe, é limitada.
Nem sempre os passageiros podem contar com são Pedro. O aeroporto O'Hare, em Chicago, por exemplo,
costuma fechar devido a nevascas. O Afonso Pena, em Curitiba, por causa da neblina. No Rio, os períodos de interrupção pelo clima são relativamente poucos: apenas 0,34% do tempo de operação.
Evidentemente, não dá para comparar Chicago com o Rio em conforto e na agilidade. Pior ainda, com o
aumento dos eventos climáticos extremos, o quadro tende a se agravar.
Uma forma de mitigar o problema é uma gestão adequada nos aeroportos e planos de contingência.Outra
é equipá-los com sistemas de pouso por instrumentos, conhecidos como ILS.
Existem três grandes categorias de ILS. A categoria 3, instalada em alguns aeroportos dos EUA e da Europa,
permite o pouso em condições de visibilidade e teto praticamente nulas. Porém, exige largura de pista e condições de entorno que simplesmente não existem em aeroportos como o Santos Dumont, espremido entre o movimento dos navios na baía da Guanabara, as montanhas e os arranha-céus.
O aeroporto de Guarulhos já está recebendo o sistema mais moderno --que exigirá, por sua vez, um esforço
de adequação das companhias aéreas. O Santos Dumont demanda mais visibilidade. Portanto, está fadado a permanecer com o ILS categoria 1. Se o céu cair ele vai fechar, mesmo em dia de jogo da Copa. O governo intervém ativamente. Essa é, afinal, uma das razões pelas quais a Secretaria de Aviação Civil foi criada. Serão investidos até a Copa R$ 8,5 bilhões nos grandes aeroportos, sendo R$ 4,9 bilhões pelo governo no PAC-2, que tem 23 aeroportos. Outros R$ 3,6 bilhões estão sendo investidos pela iniciativa privada nos aeroportos concedidos em 2012 --Guarulhos, Viracopos, Brasília e São Gonçalo do Amarante (RN).
Lançamos um programa de estímulo à aviação regional, de R$ 7,3 bilhões, que inclui 270 aeroportos. A capacidade de passageiros dos 15 principais aeroportos do país crescerá 41% após essas reformas. É importante lembrar que a capacidade do governo de mobilizar recursos para investimentos dessa monta é recente: o país passou muitos anos, da crise da dívida de 1982 até o segundo governo Lula, sem dinheiro para gastar.
Isso criou excesso de burocracia para barrar os gastos. Empresas fecharam, engenheiros migraram para o mercado financeiro. Como resultado, alguns projetos hoje são feitos por empresas que não têm massa crítica para garantir sua qualidade. Precisam ser refeitos, e isso atrasa as obras. Se quisermos uma infraestrutura aeroportuária à altura
do que o nosso cliente --o contribuinte-- merece e paga impostos para ter, precisamos do melhor da engenharia
e da arquitetura. Isso custa caro. Os preços praticados pela Infraero estão abaixo do valor de mercado. Estamos conversando com o Tribunal de Contas da União para solucionar a questão. Gastar não é pecado.
Aos passageiros retidos no Santos Dumont, peço desculpas pelo transtorno e reafirmo: nosso poder de negociação
com são Pedro é baixo. Porém, a melhoria dos aeroportos é um desafio que o governo está enfrentando e confia em que resolverá.
*O texto foi publicado pelo jornal Folha de S.P. no dia 09/06/2013