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Planejar Sim!
Mas do que se trata?
Frederico Bussinger - Consultor do Instituto de Desenvolvimento, Logística, Transportes e Meio Ambiente (Idelt), foi diretor das companhias docas do Estado de São Paulo e de São Sebastião.
Pontos-chave:
1) Uma ironia: “Falta planejamento” (é o que ouvimos!), mas sobram planos.
2) O que não evita/impede que parcela significativa das nossas decisões, no Brasil, siga sendo tomada improvisadamente. E, posteriormente, não cumprida (fechando o círculo vicioso).
3) Não estaria na hora de fazermos uma profunda reflexão sobre o conteúdo dos planos e sobre o processo de planejamento?
4) Alguns subsídios para tais reflexões.
“Eis ali o corpo estendido no chão…”
[“De frente pro crime” – João Bosco]
Muitas vezes é uma lacuna; uma demanda real. Em outras, um mero expediente para descontruir (para usar termo que tornou-se moda na última eleição!) alguém ou alguma organização. Mas, talvez, o mais comum seja vê-lo usado como álibi, normalmente para justificar inações.
Quem já não ouviu, até sob voz soturna, verbalizado pausadamente: “Falta planejamento!”
Impossível negá-lo ante tantos esqueletos inconclusos; orçamentos estourados, retrabalhos sobre retrabalhos; prazos não cumpridos; metas inatingidas; e tantas mazelas mais: De bate-pronto, cada leitor não teria meia dúzia de exemplos a fornecer?
O irônico é que planos não faltam. Aliás, até pululam e se superpõem.
Milhares, milhões de reais, tanto privados como públicos são vertidos para a produção de documentos (textos, plantas, mapas, planilhas; em papel, powerpoint, vídeos), o que não evita que parcela significativa das nossas decisões, no Brasil, siga sendo tomada improvisadamente. E, posteriormente, não cumprida (fechando o círculo vicioso).
Não estaria na hora de fazermos uma profunda reflexão sobre o conteúdo dos planos e sobre o processo de planejamento? Reflexões, evidentemente, que possam gerar inflexões.
O momento de início de mandatos federais e estaduais é mais que oportuno.
A seguir, alguns subsídios, quanto ao processo, para tais reflexões:
- Planejar é pactuar! Principalmente em se tratando de infraestrutura e de serviços públicos, onde normalmente há interesses diversos, inúmeros atores envolvidos, territorialidades múltiplas, marcos legais e normativos variados. Um mosaico complexo e, pior, com “layers” sobrepostos.
- Obviamente que tal processo se torna bem mais imprevisível, bem mais complexo, quando o Poder Público o delega a “produtores” de conteúdo técnico (consultores, projetistas, universidades, institutos de pesquisa, etc.) ou aos próprios interessados: Isso sem desmerecer a competência e o esforço, nem de uns nem de outros!
- Um conjunto sincrético de projetos, elaborados autarquicamente, raramente se converte em um plano! Aliás, planos devem anteceder os projetos e não o inverso – como muitas vezes se vê.
- Planos, quando estratégicos, não deveriam ser revisados a toda hora. No caso dos planos portuários (PNLP, PM e PDZ) (01, 02), em particular, esses são base para as relações entre o Poder Público e os demais atores. Os investidores privados (arrendatários e TUPs), p.ex., elaboram seus planos de negócios e fazem suas propostas (para licitações!) adotando diversas premissas, dentre as quais (e principalmente!) informações oficiais; muitas delas contidas em tais planos. Daí porque alterações, frequentes e profundas, podem ser “um prato cheio” para futuras reivindicações de compensações e/ou equilíbrios econômico-financeiros: Há discussões nesse sentido no setor aeroportuário
- Planos devem ser cumpridos.
Quanto ao conteúdo:
- Planos pressupõem como matéria-prima, uma visão de futuro. Mas o futuro não é, e não pode ser, uma mera projeção do passado: Eles envolvem as variáveis conjunturais mas, também, as variáveis/exercício volitivo. Exemplo: Mirando apenas o passado, jamais um planejador, na primeira metade dos anos 90, teria captado as expansões do açúcar e do complexo-soja no Porto de Santos. Foram justamente as reformas portuárias, planejadas e implementadas naquele período que, dialeticamente, geraram a possibilidade de tais expansões: Na verdade, no caso do açúcar, um dos componentes importantes a viabilizar.
- E, até mesmo por isso, não faz sentido previsões determinísticas sobre o futuro: O futuro não pode ser reduzido a um ponto. Principalmente se a 10, 20, 30 ou mais anos a partir do hoje. Bandas, faixas são mais adequadas; sempre relacionadas a variáveis objetivas. Razão pela qual, melhor que designações “psicologizadas” (pessimista, otimista, realistas), mais próprio seria algo como cenários inerciais, referenciais e dinamizados.
- Planos de segmentos de processos sempre terão eficácia limitada: No caso de portos, poderão não resolver (e, até, agravar!) a existência de filas nos acessos terrestres; conflitos com o tecido urbano contíguo; com o meio ambiente que o envolve, etc. O caso da ponte em Natal-RN (que, pelo calado aéreo, limita o uso do terminal turístico portuário; ambos, recém-construídos!) talvez seja um paroxismo. Mas, de longe, não é caso isolado!
- Planos devem prever o “o que”: Certo! Mas pode-se aceitar como “plano” um instrumento que não trate do processo de transição; do “como” sair da situação atual para o “o que” desejado/enunciado? Pois é: A maioria dos chamados “planos”, com os quais se convive no dia-a-dia, limitam-se a ser um conjunto de projeções e de descrições platônicas sobre o futuro. E nada além e talvez seja essa, uma das razões do porquê são tão pouco utilizados para tomada de decisões. Tão parcamente cumpridos. E, infelizmente, tão pouco eficazes para infletir nossas realidades e aumentar a previsibilidade do futuro – que deveria ser sua razão de ser.