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Os traços de personalidade dos bons negociadores
Por Tomas Chamorro-Premuzic
Embora se contem às centenas as obras que versam sobre como ser mais eficaz ao negociar, os conselhos que oferecem são, muitas vezes, difíceis de aplicar, por três motivos. Primeiro, as especificidades contextuais que fundamentam cada negociação são simplesmente variadas demais, de modo que o que serve em um caso pode não servir em outro. Segundo, a eficácia de cada estratégia depende, em parte, da experiência pessoal dos negociadores — quem são, o que desejam e como se relacionam. Terceiro, grande parte dos fatores que determinam o resultado das negociações é mais emocional do que racional, o que exige uma compreensão psicológica profunda das partes envolvidas.
Felizmente, o estudo da personalidade oferece lições valiosas quando se trata de prever se um indivíduo é capaz de negociar com eficácia. Certos traços são claramente indicativos de um bom potencial de negociação, ao passo que outros constituem antes uma limitação. Isso não significa que seja impossível melhorar, mas o sucesso vai depender da capacidade de entender a própria personalidade e a do outro.
Entre os traços que contribuem para o aprimoramento das capacidades de negociação de um indivíduo, a inteligência emocional (IE) ocupa uma categoria própria. Apesar do aparecimento relativamente recente da IE no campo dos traços de personalidade, uma busca no Google Acadêmico resulta em impressionantes 131.000 ocorrências relacionando IE e negociação. A maioria desses artigos destaca os aspectos benéficos da relação entre ambas. Por exemplo, um estudo conduzido por professores da Wharton School e do MIT mostra que indivíduos com IE mais desenvolvida são mais capazes de induzir estados de humor positivos naqueles com quem negociam e deixá-los mais satisfeitos com o resultado da negociação. A IE também se traduz em maiores níveis de satisfação com o resultado subjetivo da negociação, qualquer que seja o desfecho objetivo. Ainda mais importante, a IE está associada a níveis mais altos de autocontrole e carisma, uma combinação inegavelmente poderosa quando se trata de lidar com outras pessoas em situações emocionalmente estressantes. Como se não bastasse tudo isso, indivíduos com maior grau de IE também tendem a ser mais conscientes de si mesmos, sendo, assim, mais capazes de entender como os outros os veem, uma vantagem crítica não apenas nas negociações.
Outro traço estreitamente associado ao potencial de negociação é a capacidade cognitiva (QI). Em uma abrangente revisão meta-analítica que examinou quase 5.000 estudos, constatou-se que um QI mais elevado, aliado a um maior grau de seu construto correspondente, a complexidade cognitiva, prenunciava um melhor desempenho em experimentos de negociação conduzidos em laboratório, tais como o dilema do prisioneiro. Enquanto seria óbvio esperar que a capacidade cognitiva melhorasse o desempenho nas negociações, a pesquisa também revelou um dado mais surpreendente: indivíduos com QI mais elevado tendem a abordá-las de maneira mais cooperativa e colaborativa, tratando a outra parte como parceira e adotando estratégias vantajosas para ambos os lados que tendem a satisfazê-los.
A mesma meta-análise revelou que um dos mais poderosos fatores de personalidade que determinam o potencial de negociação é o automonitoramento, definido como a tendência a examinar o comportamento alheio e as impressões que causamos em outros. Isso faz sentido: todos temos modelos mentais que nos permitem interpretar o comportamento de outras pessoas, e o conhecimento desses modelos é fundamental para influenciar o modo pelo qual as pessoas pensam a nosso respeito. Indivíduos autocentrados e narcisistas que acreditam poder “ser apenas eles mesmos” e desprezar as opiniões de outros a seu respeito são amiúde celebrados na cultura ocidental por sua confiança e crença em si mesmos. A realidade, contudo, é que tais indivíduos deixam de notar pistas sociais importantes, aceitar feedback negativo e desenvolver a capacidade de se conectar com os outros. Isso tudo os deixará em desvantagem nas negociações.
Que traços são particularmente problemáticos no que diz respeito à negociação? O neuroticismo, que consiste em menor estabilidade emocional e propensão a experimentar sentimentos negativos, está ligado a diversas estratégias de negociação ineficazes, como, por exemplo, a tendência excessiva de barganhar, reclamar e antagonizar a outra parte. Além disso, o neuroticismo reduz a satisfação pessoal com os resultados das negociações, mesmo quando tais resultados são objetivamente positivos. Por outro lado, o maquiavelismo, um traço sombrio de personalidade associado à tendência de manipular e explorar os outros e comportar-se de modo arriscado e antissocial, motiva os indivíduos a iniciar negociações e prenuncia táticas assertivas de negociação. Há evidências, porém, sugerindo que indivíduos maquiavélicos, na verdade, saem-se pior nas negociações, talvez por serem excessivamente competitivos e agressivos ou por levar as coisas longe demais. Deve-se notar também que nem todos os indivíduos maquiavélicos possuem traquejo social sofisticado, sendo muitos deles demasiadamente impulsivos.
É importante notar que, embora nossa personalidade afete, sem dúvida, a forma pela qual tipicamente nos comportamos nas negociações, ainda somos livres para escolher como agir, de modo que este não é um modelo determinístico. Posto isso, precisamos ter consciência de nossa personalidade, se desejamos controlá-la. Por isso, é imprescindível entender quais são nossas tendências e predisposições originais, se estamos interessados em modificá-las ou, ao menos, inibi-las durante as negociações. Como disse o grande Jean-Jacques Rousseau: “Há momentos em que sou tão distinto de mim mesmo que poderiam tomar-me por outrem de caráter inteiramente oposto”. Da mesma maneira, ser consciente de sua personalidade permitirá que você aproveite ao máximo seu estilo natural nas situações em que for mais adequado, pois talento é, em grande parte, personalidade no lugar certo.
Tomas Chamorro-Premuzic é CEO da Hogan Assessments, professor de psicologia empresarial na University College London e na Columbia University, e membro do Harvard’s Entrepreneurial Finance Lab. Seu livro mais recente é The Talent Delusion: Why Data, Not Intuition, Is the Key to Unlocking Human Potential.