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Gestão Estratégica: Um novo paradigma para o setor público
Antes de falar de estratégia como paradigma de gestão é preciso entender o que é estratégia. A definição do termo nos remete à Grécia antiga, berço do termo em sua origem militar: “strat-egos” - cargo do comandante de uma armada, o cargo ou a dignidade de uma espécie de ministro da guerra na antiga Atenas. É, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a “arte de coordenar a ação das forças militares, políticas, econômicas e morais implicadas na condução de um conflito ou na preparação da defesa de uma nação ou comunidade de nações”.
Mais recentemente, entretanto, o termo tem sido usado de forma exaustiva no âmbito da administração. Segundo Michael Porter , um grande especialista no tema, estratégia trata de três aspectos fundamentalmente:
- Criação de um posicionamento de valor único diante dos clientes da organização;
- A realização de atividades diferentes, ou, de atividades semelhantes realizadas de forma diferente;
- As escolhas, ou seja, o que a organização opta por fazer e o que opta por não fazer.
Já o Planejamento Estratégico caracteriza-se por um processo de inteligência organizacional, que permite a reflexão sobre o que já aconteceu, o que está acontecendo e o que pode acontecer dentro do cenário competitivo em que uma empresa está inserida e sobre seu próprio desempenho nesse contexto. Ele dá condições para a decisão sobre a aplicação racional dos recursos, sempre escassos, disponíveis em uma organização a partir do estabelecimento de uma visão clara de futuro.
A Gestão no Setor Público
Nos últimos anos a administração pública vem passando por importantes transformações em busca de profissionalização, maior eficiência na gestão e efetividade na sua atuação. Ou seja, trata-se de uma administração pública que estabelece o seu foco no atendimento às necessidades do cidadão e nos resultados esperados da instituição, minimizando a relevância de procedimentos internos, que não são um fim em si.
Como conseqüência natural deste novo cenário, ganha força a necessidade de melhor uso de recursos, aumento da qualidade dos serviços, além da busca intensa pela maior participação da Sociedade nas decisões. Podemos observar um posicionamento claro neste sentido já no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), evidenciando a diretriz de trabalhar na busca de eficiência e efetividade na administração pública.
Desta nova administração pública, de perfil gerencial, é exigido foco no usuário-cidadão e busca de efetividade, via gerenciamento e controle dos resultados. Nesse sentido, os cidadãos são, ao mesmo tempo, acionistas e beneficiários das ações, o que torna a sua demanda particularmente poderosa.
A gestão pública ganha então contornos “competitivos” típicos do setor privado e incorpora uma terminologia até então pouco utilizada no setor público, mas com fundamentos muito sólidos.
Dentre estes termos, a transparência ganha especial destaque, pois, além de ser uma exigência cada vez maior da Sociedade, é possível afirmar que é um princípio democrático, constando da Declaração aprovada pela Assembléia Constituinte Francesa de 1789, uma referência para as democracias do mundo contemporâneo, e da Carta Magna do Brasil:
“A Sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público de sua administração” (Art. 15 - Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - 1789)
“A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos seguintes princípios: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência” (Art.37, Constituição da República Federativa do Brasil)
De forma complementar, a responsabilidade na gestão também ganha força e se apresenta como uma tendência na gestão pública e privada. Mais recentemente o termo “accountability” tem sido usado com freqüência para caracterizar esta ação do administrador. Este termo não apresenta correlato na língua portuguesa em uma única palavra, mas pode ser entendido como a “obrigação de se prestar contas dos resultados obtidos, em função das responsabilidades que decorrem de uma delegação de poder”.
“Sempre que alguém (principal) delega parte de seu poder ou direito a outrem (agente), este assume a responsabilidade, em nome daquele, de agir de maneira correta com relação ao objeto de delegação e, periodicamente, até o final do mandato, prestar contas de seus desempenhos e resultados. A dupla responsabilidade, ou seja, de agir de maneira correta e prestar contas de desempenho e resultados, dá-se o nome de accountability.”
A modernização da administração pública, que caminha para uma lógica de resultados, e a observação dos princípios constitucionais de publicidade e eficiência pedem um modelo em que se tenha gerenciamento e clareza das atividades do Setor Público.
Planejamento Estratégico no Setor Público brasileiro
Tratar de um tema como estratégia parece, à primeira vista, ser alguma coisa restrita ao Setor Privado, tendo em vista a ausência de características competitivas na administração pública. Entretanto, algumas práticas inicialmente utilizadas em empresas privadas tem sido se mostrado altamente necessárias e aplicáveis, com as devidas adaptações, ao Setor Público.
O Brasil já vivenciou uma série de experiências de planejamento no Setor Público. Estes exercícios remontam o período Pós-Segunda Guerra, o Plano de Metas da Era Juscelino, os planejamentos de longo prazo desenvolvidos durante o regime militar, até os mais recentes planos plurianuais, exigidos constitucionalmente.
Observa-se, já sob o regime democrático, uma série de esforços na esfera federal para implementar uma visão de longo prazo. No final do primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, a extinta SAE/ Secretaria de Assuntos Estratégicos desenvolveu uma série de documentos que compunham um planejamento de longo prazo para o Brasil denominado Brasil 2020. Experiência retomada no governo Lula por meio do Programa Brasil 3 Tempos, coordenado pelo extinto Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República – NAE/PR, e depois pela Secretaria de Planejamento de Longo Prazo – SPLR.
A natureza do planejamento estratégico é permitir a qualquer organização, seja ela pública ou privada, a realização de escolhas, enfocando esforços e recursos para sua implementação. Especialmente para o Setor Público, algumas destas escolhas são previamente estabelecidas na definição da Missão, ou seja, na razão de ser da organização. Isto garante foco previamente na prestação de seus serviços à Sociedade.
Não se pode, naturalmente, “definir” por meio de um planejamento, que determinado órgão vai deixar de atuar em uma determinada área. Entretanto, é possível estabelecer quais são as prioridades de ação e como serão utilizados os recursos à disposição de forma mais eficiente, eficaz e transparente possível.
Esse cenário torna o planejamento de organizações do Setor Público mais complexo, mas não menos importante do que o planejamento de empresas do Setor Privado. No entanto, mais complexo que planejar é executar uma determinada estratégia
A Gestão Estratégica com o uso do BSC no Setor Público
Assim como no Setor Privado, a grande dificuldade das organizações públicas está na fase de execução da estratégia. Além da complexidade ligada à dinâmica dos nossos tempos, onde a única constante é a mudança, outros fatores interferem negativamente à implementação como, por exemplo: falta de clareza da estratégia para os colaboradores; ausência de vinculo da estratégia com a alocação de recursos; pouco tempo disponibilizado pelos gestores para a gestão da estratégia; dentre outros.
Assim como no Setor Privado, a administração pública tem buscado cada vez mais técnicas modernas de gestão que aumentem a eficiência e a efetividade da máquina pública. Nos Estados Unidos, por exemplo, durante o governo Clinton, foi instituído o GPRA (Government Performance and Results Act). Na forma de um ato, o GPRA traduziu-se em um sistema baseado no gerenciamento de performance das agências governamentais, que definiram objetivos e metas e uma rotina de acompanhamento do quanto progrediam em direção a cada um deles.
Estes esforços levam em consideração a conclusão óbvia de que não basta ter um planejamento estratégico de qualidade, com a definição de missão, visão de futuro, valores e diretrizes estratégicas. É preciso fazer uma gestão continuada da estratégia para garantir sua implementação.
Exatamente para vencer estas barreiras da execução, organizações públicas e privadas em todo o mundo têm adotado os princípios simples, mas não simplistas, do Balanced Scorecard e sua filosofia central de orientação da organização para a estratégia.
O Balanced Scorecard – BSC é um modelo de gestão estratégica que auxilia a mensuração do progresso das organizações rumo às suas metas de longo prazo, a partir da tradução da visão em objetivos, indicadores, metas e projetos estratégicos. Assim, o BSC permite que a organização coloque em prática um novo paradigma em relação à estratégia: ao invés de somente planejar, gerir estrategicamente.
Por meio do BSC, a estratégia é traduzida para um diagrama de causa e efeito chamado Mapa Estratégico. Este mapa é composto por: perspectivas, que são as dimensões de análise da estratégia; objetivos estratégicos, que traduzem o conjunto de desafios da organização; e relações de causa e efeito, que identificam o impacto de um objetivo nos demais.
Partindo-se da premissa de que “o que não é medido não é gerenciado”, cada objetivo do mapa estratégico recebe pelo menos um indicador de desempenho, que por sua vez recebe metas de longo prazo, explicitando a lacuna de resultado que deve ser preenchida por meio de projetos estratégicos.
Portanto, o BSC trata de um conjunto de elementos que, ao mesmo tempo, deixam a estratégia mais clara para a organização e possibilitam a sua gestão.
Nos EUA, a cidade de Charlotte implantou o BSC, com o objetivo de priorizar as ações de seus departamentos em cinco principais temas: Segurança da cidade, “Cidade dentro da Cidade”, Reestruturação Governamental, Transporte e Desenvolvimento Econômico. Esses temas deveriam guiar a alocação de recursos e os programas prioritários da cidade.
A partir desses temas escolhidos como prioritários, foi desenvolvido o Mapa Estratégico da Cidade especificando todos os desafios e deixando claros os objetivos a serem alcançados. A estratégia do Mapa da Cidade foi, posteriormente, desdobrada para comitês responsáveis pela gestão dos temas específicos.
Além de ajudar a cidade a alcançar resultados importantes no seu foco estratégico, essa ação foi responsável por uma grande otimização da gestão, reduzindo significativamente o número de indicadores e mantendo somente aqueles mais efetivos.
Outra experiência interessante é a do Ministério da Defesa do Reino Unido, um dos maiores departamentos do governo britânico e o quinto maior orçamento militar do mundo. A instituição construiu o BSC em abril de 2000, como parte de sua agenda de modernização. Esse exercício transformou a estratégia em um processo permanente e contribuiu para aumentar a confiança do board de Gestão da Defesa Britânica quanto à qualidade das informações disponíveis para a tomada de decisão.
No Brasil, além das diversas aplicações reconhecidas na iniciativa privada, existe um grande movimento de implementação do BSC no Setor Público, seja na administração direta ou em estatais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, na busca por um modelo que possibilitasse maior agilidade de resposta à Sociedade, mantendo a sua orientação estratégica, adotou o BSC para a comunicação da gestão de sua estratégia, expressa no Plano para o biênio 2006-2008.
Com o mesmo intuito de transparência, o Tribunal de Contas da União formulou sua estratégia para 2006-2010 e traduziu-a em um mapa estratégico.
“O mapa estratégico traduz a missão, a visão e a estratégia da organização em um conjunto abrangente de objetivos que direcionam o comportamento e o desempenho institucionais. Os propósitos do mapa são definir, comunicar, de modo claro e transparente a todos os níveis gerenciais e servidores, o foco e a estratégia de atuação escolhidos pelo Tribunal de Contas da União, a forma como suas ações impactam no alcance de resultados desejados, subsidiar a alocação de esforços e evitar a dispersão de ações e recursos”.
Atendendo à demanda por mais transparência, tanto o STJ quanto o TCU disponibilizaram seus mapas nos seus respectivos sites na Internet.
No mapa do TCU, podemos identificar alguns dos elementos do BSC, tornando mais claro este conceito.
Plano Estratégico TCU (2006-2010), p.23
O modelo de gestão estratégica baseado no BSC pressupõe objetivos que representem desafios balanceados, em perspectivas que não só a financeira. Essas perspectivas, no modelo clássico, correspondem às seguintes:
- Financeira
- Cliente
- ProcessosInternos
- AprendizadoeCrescimento
Entretanto, no caso do TCU, assim como em qualquer organização do Setor Público, as perspectivas sofrem uma adaptação para refletir o foco estratégico típico que uma organização que não é voltada para o lucro, mas sim para as demandas da Sociedade.
Perspectiva de resultados: define os resultados que o Tribunal deve gerar para maximizar o cumprimento de sua missão institucional, atender às expectativas do Estado, da sociedade, do Congresso Nacional e dos gestores públicos e alcançar a imagem desejada perante seus clientes.
Perspectiva de processos internos: retrata os processos internos prioritários nos quais o Tribunal deve buscar excelência e concentrar esforços a fim de maximizar os resultados. Define o modo de operação para implementação da estratégia institucional.
Perspectiva de orçamento e logística: retrata o suporte orçamentário e logístico necessário à inovação e ao desenvolvimento de novas tecnologias, ao aprimoramento dos processos de trabalho e às iniciativas de capacitação, desenvolvimento e bem-estar das pessoas.
Perspectiva de pessoas e inovação: Identifica ações e inovações nas áreas de gestão de pessoas, sistemas de informação e comportamento organizacional necessárias para assegurar o crescimento e o aprimoramento contínuo do Tribunal. Descreve como pessoas, tecnologia e clima organizacional se conjugam para dar suporte à estratégia.
Para mensurar o desempenho de cada um dos objetivos existentes no mapa foram definidos um ou mais indicadores. São exatamente estes indicadores que, quando analisados e comparados às suas metas, geram subsídios para a tomada de decisão acerca dos projetos e processos do TCU, garantindo a orientação dada pela estratégia concebida. Ou seja, o BSC possibilita uma efetiva vinculação entre estratégia e execução.
Desafios na implementação do BSC no Setor Público
Não obstante à clara necessidade de introdução no Setor Público de modernas técnicas de gestão, comuns ao Setor Privado, sua implementação apresenta, sobretudo no Brasil, alguns importantes desafios:
Visão de Longo Prazo: a implementação de modelos de gestão requer, normalmente, consistência nas ações. Especialmente no Brasil, a alternância de poder, tão benéfica ao processo democrático, se reflete em descontinuidade de planos e ações, fazendo com que iniciativas de gestão sejam, por vezes, descontinuadas.
Capacitação: alguns setores da administração pública brasileira ainda se mostram muito carentes de capital humano. Em se tratando o BSC como um programa de mudança da organização para uma maior orientação estratégica, esta pode se mostrar uma importante barreira.
Adaptação: o Setor Público possui regras e normas próprias que o regem e que exigem a customização desses modelos para a sua necessidade específica. Ou seja, não se pode aplicar “modelos prontos” de BSC, pois certamente não irão atender às especificidades da organização. Neste sentido, o modelo é completamente aplicável pela sua comprovada flexibilidade e adaptação a qualquer tipo de organização.
Rigidez orçamentária e legal: necessária para manter padrões e a ordem, porém permite menor flexibilidade e rapidez de decisão. Nesse sentido, o planejamento deve ser elaborado com maior profundidade, garantindo melhor previsibilidade para que as mudanças necessárias estejam de acordo com o calendário de revisões e retificações orçamentárias.
Liderança: Como qualquer modelo, por si só, o BSC não garante execução do que foi planejado. É preciso liderança, mobilização e uma efetiva comunicação para que a mudança comportamental ocorra. O patrocínio no nível adequado irá garantir que o BSC não se torne mais uma peça burocrática, mas sim, um instrumento de apoio à tomada de decisões.
Tanto para o Setor Público como para o Setor Privado, não existe boa estratégia sem que sejam feitas boas escolhas e que a execução esteja à altura. Essa não é uma equação simples e depende, fundamentalmente, das pessoas: líderes, gestores e servidores como atores desse processo de mudança cultural.
Roberto Campos de Lima
Adriana Federici