Microcrédito: aspectos históricos
A política pública de microcrédito é um fenômeno do final do século XX, mas seus antecedentes históricos remontam a algumas experiências na Europa.
Uma delas é do início do século XVIII, quando o escritor Jonathan Swift (1667-1745), gerenciando um fundo de 500 libras na Irlanda, concedia empréstimos de pequenos valores a pequenos industriais, retornados em pagamentos semanais, sem juros. Cabia a dois vizinhos do beneficiário assumirem o aval do empréstimo, constituindo-se o instrumento para minimização de riscos de inadimplência. Na hipótese de não pagamento, o tomador e seus avalistas podiam ser levados à corte judicial, mas registra-se que Swift não reportou perdas com a empreitada.
Essa experiência foi multiplicada e outras iniciativas ao longo do mesmo século surgiram até que, nos primeiros anos do século XIX, foi instituído um fundo irlandês de pequenos empréstimos. Criado em 1822, o Irish Reproductive Loan Fund Institution, tinha um capital de 55 mil libras, provido por um comitê londrino de assistência aos pobres. Na ocasião, foram financiados 100 novos fundos para pequenos empréstimos a esses pequenos industriais.
Outra experiência com características de microcrédito bastante conhecida é a da Associação do Pão, na Alemanha. Após o rigoroso inverno de 1846, o pastor Raiffeinsen cedeu farinha de trigo para que fazendeiros alemães endividados pudessem obter capital de giro com a fabricação e comercialização do pão. Posteriormente, a associação cresceu e transformou-se em uma cooperativa de crédito para a população pobre.
Diversas manifestações com características de microcrédito ocorreram também nos Estados Unidos e em outras partes da Europa, mas essas práticas foram isoladas e descontínuas. A sistematização do microcrédito como se conhece atualmente deve-se a duas experiências que se desenvolveram quase que simultaneamente. A primeira, na América Latina, é a da ACCION International, organização privada sem fins lucrativos que atua na região desde 1961. A segunda é a experiência de Bangladesh, coordenada pelo professor Muhamad Yunus desde 1974, que difundiu mundialmente o microcrédito como atualmente ele é conhecido.
Por fim, cabe destacar o papel da Accion Internacional para difusão contemporânea da atividade de microcrédito. Hoje é uma das principais organizações de microfinanças do mundo, com uma rede de parceiros de empréstimos que abrange a América Latina, a África, a Ásia e os Estados Unidos.
MICROCRÉDITO NO BRASIL
Fundada em 1961 pelo estudante de Direito da Universidade de Berkeley, Joseph Blatchford, a instituição visava capacitar pessoas pobres com o conhecimento e as ferramentas para melhorar suas vidas. Iniciou-se como uma iniciativa popular de desenvolvimento comunitário em 22 favelas na Venezuela e depois se estendeu para a Argentina, Brasil e Peru.
No início da década de 1970, os líderes da Accion começaram a se concentrar no que haviam identificado como principal causa da pobreza nas cidades latino-americanas: falta de oportunidade econômica. Com elevada taxa de desemprego nos centros urbanos, elevada informalidade e subemprego, era muito difícil a situação de muitas pessoas que haviam abandonado suas terras e chegado nas grandes cidades da América Latina, atraídas pela miragem do emprego industrial. Incapazes de encontrar trabalho digno e diante da falta de uma rede de segurança social, muitos começaram seus próprios pequenos empreendimentos, vendendo alimentos, roupas, artesanato, mas não tinham como expandir seus pequenos negócios.
Diante desse quadro, em 1973, a Accion de Recife- PE, começou a concentrar seus esforços para ajudar tais empreendimentos. Se pudessem tomar emprestado capital a taxas de juros bancárias, poderiam essas pessoas sair da pobreza? Essa foi a questão que motivou o surgimento da União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações (UNO), conhecida como Programa UNO, organização criada pela Acción Internacional (na época, denominada AITEC), com a colaboração de entidades empresariais e instituições financeiras locais, para oferecer crédito e assistência técnica a esses microempreendedores com menor poder aquisitivo.
Desde então, pode-se identificar quatro fases para o desenvolvimento da atividade no país. A primeira vai até 1988, quando se priorizava o objetivo social do financiamento e não, propriamente, no retorno do crédito. Predominava o fomento ao associativismo, a criação de cooperativas e de grupos de compra. As principais instituições que atuavam no microcrédito eram as Organizações Não Governamentais (ONGs) e os fundos rotativos (informais).
A segunda fase vai de 1989 a 1997, caracterizada pela forte atuação dos governos municipais como atores de microcrédito, por meio da constituição de programas e/ou organizações para operar diretamente com microempreendedores, muitos deles denominados “Bancos do Povo”.
Na terceira fase, entre 1998 e 2002, tem-se a criação do marco legal para a concessão do microcrédito por meio das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCM) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). As cooperativas de crédito de microempreendedores tiveram sua regulamentação alterada para atuar na atividade. Esse período também é marcado pela criação do Programa de Microcrédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o objetivo de divulgar o conceito de microcrédito e viabilizar a formação de uma ampla rede institucional para oferecer crédito aos pequenos empreendedores, formais e informais. Destacam-se também nessa fase a criação do Programa Crediamigo pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e a permissão para atuação dos Correspondentes Bancários.
A partir de 2003, a atividade de microcrédito ganhou outros contornos e essa quarta fase foi marcada por uma larga expansão dos serviços financeiros (conta corrente, poupança, seguros, créditos) para os empreendedores populares e para os brasileiros em geral. Embora nem todas as modalidades que cresceram sejam microcrédito propriamente dito, cumpre destacar que o crédito popular, o crédito direto ao consumidor e os empréstimos pessoais também aumentaram muito, inclusive com maior envolvimento de bancos privados.
Em 2005, o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO foi criado, no âmbito do Ministério do Trabalho, pela Lei nº 11.110, de 25 de abril de 2005 ( reestruturado pela Lei nº 13.636, de 20 de março de 2018), com o objetivo de incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares, disponibilizar recursos para o microcrédito produtivo orientado e oferecer apoio técnico às instituições de microcrédito produtivo orientado, com vistas ao fortalecimento institucional destas para a prestação de serviços aos empreendedores populares. Podem ser beneficiários do Programa as pessoas naturais e jurídicas com renda ou receita bruta anual de até R$ 200 mil.