O sistema público de emprego e a demanda por informações sobre o mercado de trabalho
Próximo ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1944, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), preocupada com a transição de uma economia de guerra para uma economia de paz, ou seja, com reorganização da produção, não mais para o esforço bélico, mas para a produção de bens de consumo e de produção, e considerando que isso implicaria requalificação e realocação da mão de obra desmobilizada e deslocada, publica duas normas: a Recomendação nº 71, sobre a organização do emprego (transição da guerra à paz) e a Recomendação nº 72, sobre o serviço público de emprego. Segundo Sergio Ricca (1983), essas normas já indicam uma mudança conceitual em relação à função que vinham desempenhando os serviços públicos emprego nos países industrializados no período entre guerras, pois passam a dar ênfase à promoção do emprego e à organização do mercado de trabalho, em substituição à ênfase à assistência aos desempregados individualmente. Essa nova orientação teórica que toma corpo nas normas de 1944 influenciará aquelas normas que foram adotadas no pós-guerra, em 1948, e que dariam as bases definitivas para a organização dos serviços de emprego nos países desenvolvidos.
Assim, com as normas de 1948, respectivamente a Convenção nº 88 e a Recomendação nº 83, o serviço público de emprego ganha seu desenho mais acabado e, conforme o Art. 1º da referida Convenção, passa a ter como tarefa essencial “a melhor organização possível do mercado de trabalho como parte integrante do programa nacional destinado a assegurar e manter o pleno emprego, assim como desenvolver e utilizar os recursos produtivos”. Essas normas vão muito além da simples especificação de como organizar o serviço de emprego, como está expresso no título da Convenção nº 88. O desemprego passa a ser considerado como resultado do mau funcionamento da econômica e não mais como uma adversidade no nível do indivíduo. O pleno emprego passa a ser um objetivo concreto. A ação racional, realizada pelo serviço de emprego, de organização mercado de trabalho, retirando-lhes obstáculos e reduzindo-lhes os desequilíbrios, contribuiria para se atingir o pleno emprego. Dessa forma, o serviço de emprego passa a justificar-se como um órgão organizador e regulador do mercado de trabalho.
O sistema público de emprego definido na Convenção 88, portanto, apesar de conservar a função social original desse tipo de serviço, a de apoiar trabalhadores em situação de desemprego, passa a ter um novo objetivo, de caráter mais econômico, a de organizador do mercado de trabalho. Para isso, são detalhados os instrumentos básicos de que devem dispor os serviços públicos de emprego pra atingir tal objetivo, dentre os quais, o que interessa destacar aqui é aquele expresso na alínea “c” do seu Art.6º: “recolher e analisar, em colaboração, se for necessário, com outras autoridades, assim como com os empregadores e os sindicatos, todas as informações de que se dispõe sobre a situação do mercado de emprego e sua evolução provável no país e nas diferentes indústrias, profissões ou regiões”. Uma instancia capaz de recolher e analisar informações sobre o mercado de trabalho é, por conseguinte, de acordo com a Convenção nº 88 da OIT, uma peça básica dos serviços de emprego, que devem dispor da mesma e colocá-la em interação com as suas demais políticas e ações, como, por exemplo, a intermediação de mão de obra e a qualificação profissional.
Como é de conhecimento geral, o Brasil ratificou a Convenção 88 no dia 25 de abril de 1957, e a instituição do Sistema Nacional de Emprego (SINE), por meio do Decreto nº 76.403, de 8 de outubro de 1975, fundamenta-se na referida convenção. A principal finalidade do SINE, na época de sua criação, era promover a intermediação de mão-de-obra, implantando serviços e agências de colocação em todo o país (postos de atendimento). Além disso, previa o desenvolvimento de uma série de objetivos específicos relacionados a essa finalidade principal, dos quais, o primeiro a ser citado pelo Art. 3º do referido Decreto, é o de “organizar um sistema de informações e pesquisas sobre o mercado de trabalho, capaz de subsidiar a operacionalização da política de emprego, em nível local, regional e nacional”. A organização de um sistema informações e pesquisas sobre o mercado de trabalho é, portanto, em linha com aquilo que está posto na Convenção 88, um dos objetivos do serviço público de emprego brasileiro, sendo, ademais, colocado como o instrumento que deve subsidiar a operacionalização da política pública de emprego e renda nos níveis local, regional e nacional.
A existência de um Observatório do Mercado de Trabalho é importante para se articular esse conjunto de informações e produzir conhecimento. Ele pode ser o elo articulador entre os produtores de dados e os usuários, tanto públicos quanto privados. Ademais, pode mobilizar toda a competência existente no país para se criar uma rede de pesquisa que incentive a produção de análises nacionais, regionais e locais que contribua para subsidiar a formulação de políticas públicas de emprego e renda. Nesse sentido, cabe destacar a necessidade de o Observatório capacitar-se – tanto em termos de estrutura física como de pessoal – para poder antecipar-se à mudanças no mercado de trabalho e nas condições de contratação de mão de obra (MORETTO, 2007, p. 137).
Hoje, o SINE, através da Lei 8016, de 11 de abril de 1990, é parte integrante do Programa Seguro-Desemprego, tal como coloca o Artigo 13 da referida Lei: “A operacionalização do Programa Seguro Desemprego, no que diz respeito às atividades de pré-triagem e habilitação de requerentes, auxílio aos requerentes e segurados na busca de novo emprego, bem assim às ações voltadas para reciclagem profissional, será executada prioritariamente em articulação com os Estados e Municípios, através do Sistema Nacional de Emprego (SINE), nos termos da lei”. E, como visto acima, os termos da Lei, no caso do SINE (e da Convenção 88 da OIT que o fundamenta), determinam que o sistema público de emprego deva dispor de um sistema de informações e pesquisas sobre o mercado de trabalho capaz de subsidiar a operacionalização das suas ações.
No caso brasileiro, temos um grande conteúdo de informações sobre mercado de trabalho. Somente no Ministério do Trabalho (MTb), dispõe-se do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Sistema de Registro de Empresas de Trabalho Temporário (SIRETT) e das informações do sistema Portal Mais Emprego, que contém informações sobre os beneficiários das políticas do SINE, além, é claro, de outras bases de dados, também oriundas de registros administrativos ou de pesquisas amostrais.
No Brasil não há, portanto, uma carência de dados. Como dito acima, existe uma grande variedade de fontes com informações sobre o mercado de trabalho, as quais, até hoje, foram muito pouco exploradas no que se refere a um tipo de uso focado em subsidiar as tomadas de decisão dos atores envolvidos nos ciclos de vida das políticas públicas de emprego.
O Observatório do Mercado de Trabalho precisa ser capaz, portanto, contanto que devidamente estruturado, de prover um sistema de informações sobre mercado de trabalho ao serviço público de emprego brasileiro, capaz de contribuir com a governança das políticas públicas de emprego, sistema este que, desde que o Brasil ratificou a Convenção de 88 da OIT e instituiu o SINE, é uma tarefa pendente no que se refere à plena implementação das políticas públicas de emprego no Brasil.
É importante que se destaque também a afinidade funcional entre a competência do Observatório Nacional do Mercado de Trabalho, visto como provedor de informações e conhecimento sobre mercado de trabalho, e a natureza descentralizada da execução das políticas públicas de emprego, trabalho e renda no país. Como é de ciência geral, as políticas públicas de emprego, em linha com o princípio da descentralização do Estado brasileiro, presente na Constituição Federal de 1988, executam-se de maneira descentralizada, isto é, em parceria com os governos estaduais e municipais. O Programa do Seguro Desemprego, regulado pelas Leis 7.998 e 8.019, de 11 de janeiro e 7 de abril de 1990, o qual, como dito acima, rege a execução das políticas públicas de emprego, trabalho e renda no país desde 1990, apenas segue a Constituição ao determinar também uma execução descentralizada. Neste contexto, torna-se essencial um conhecimento adequado, tanto por parte dos gestores locais, quanto por parte dos atores da sociedade civil que devem exercer o controle social, em que se destaca aqui a institucionalidade das Comissões Estaduais e Municipais de Emprego[1], da morfologia e da dinâmica do mercado de trabalho de local. Garantir aos gestores estaduais e municipais e aos atores sociais envolvidos com o controle social da política pública um conhecimento adequado sobre a situação do mercado de trabalho nacional e local significa garantir uma melhor governança para as políticas públicas de emprego e, em última instância, é isso o que visa, o Observatório Nacional do Mercado de Trabalho.
[1] No contexto dos anos 1990, dentro da lógica descentralizada de execução das políticas de emprego, trabalho e renda, foram criadas as Comissões Estaduais e Municipais de Emprego, em decorrência da criação do FAT e do CODEFAT e a determinação de que deveria haver uma estrutura correspondente em estados e municípios, de caráter tripartite (empresários, trabalhadores e governos) e que deveriam ser as responsáveis pela elaboração de diagnósticos e propostas para a gestão das políticas de geração de trabalho e renda no nível local. Os critérios para reconhecimento das Comissões estaduais, distritais e municipais de emprego foram estabelecidos pelas Resoluções nº 63 (1994) e nº 80 (1995) do CODEFAT, as quais tiveram pequenas alterações por meio das Resoluções 114/96, 138/97, 227/99 e 270/01 (In: http://portal.mte.gov.br/codefat/comissoes-estaduais-e-municipais-de-emprego.htm).
Referências Bibliográficas
MORETTO, Amilton. O sistema púbico de emprego no Brasil: uma construção inacabada. 2007. 295 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2007.