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Regras pró-cíclicas, deficiência de controles e concessão de liminares levaram à deterioração das contas de estados e municípios, dizem FMI e Tesouro
Relatório conjunto aponta que o arcabouço fiscal dos entes trouxe transparência, mas não eliminou expectativas de resgates pela União
A existência de regras fiscais pró-cíclicas que estimulam a expansão das despesas públicas em momentos de crescimento econômico, a deficiência dos controles internos e externos em combater o uso da contabilidade criativa e a concessão de liminares pelo Poder Judiciário que impedem a aplicação das sanções previstas nas regras fiscais levaram à deterioração das contas públicas de estados e municípios.
Essas são as conclusões do relatório “Fortalecimento da Responsabilidade Fiscal na Esfera Subnacional”, publicado conjuntamente pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Tesouro Nacional nesta terça-feira (01/09/2020). Com versões em português e em inglês, o relatório resulta de uma missão técnica do Fundo ao Tesouro, ocorrida entre 10 e 21 de fevereiro deste ano, para discutir as regras fiscais que se aplicam aos entes subnacionais brasileiros.
O relatório aponta que, embora o arcabouço fiscal elaborado no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000 tenha sido exitoso, ao menos inicialmente, na promoção da transparência fiscal e do controle do endividamento dos entes subnacionais, ele não foi capaz de eliminar as expectativas de resgates financeiros pelo governo federal.
Recomendações
Como forma de aprimorar as regras fiscais, o trabalho recomenda a criação de um conselho de gestão fiscal independente que promova a harmonização da interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e verifique o cumprimento das regras fiscais em todos os níveis de governo, o que seria complementado com o fortalecimento da governança dos Tribunais de Contas.
Além disso, uma menor participação de bancos públicos federais como credores e maior flexibilidade para facilitar o acesso dos governos subnacionais ao mercado privado de crédito, sem garantias federais, contribuiriam para incluir disciplina de mercado aos entes subnacionais.
Por fim, o estudo propõe a melhoria da concepção das regras fiscais, com destaque para a necessidade de diminuir o montante de restos a pagar, a redução do limite de endividamento e a diminuição das vinculações de receitas que enrijecem os orçamentos. Não menos importante seria a adoção do teto de gastos para os entes subnacionais, uma vez que esta regra reduziria a pró-ciclicidade das despesas públicas e desestimularia o uso de diferentes entendimentos contábeis como forma de cumprir os atuais limites de despesa com pessoal estabelecidos pela LRF.
A missão
Realizada pelo Departamento de Finanças Públicas do FMI e capitaneada pela Coordenação-Geral das Relações e Análise Financeira dos Estados e Municípios (COREM/STN), a missão do Fundo consistiu na realização de reuniões com diversos atores para colher suas percepções sobre o funcionamento das regras fiscais que guiam a gestão fiscal de Estados e Municípios.
Foram feitas reuniões com as equipes do Ministério da Economia que atuam diretamente com o tema, como a Secretaria de Política Econômica, além da Subsecretaria da Dívida Pública, da Subsecretaria de Planejamento e Estatísticas Fiscais e demais Coordenações-Gerais da STN; com representantes dos Estados de Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e São Paulo; e com as demais instituições de interesse, como a Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Senado Federal, Instituto Fiscal Independente (IFI), Conselho Nacional de Controle Externo (CONACI) e Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (ATRICON).
O relatório é fruto desse trabalho. O documento identifica as fragilidades existentes nas regras fiscais que permitiram a evolução das finanças dos entes subnacionais para o quadro de deterioração que antecede a pandemia do novo coronavírus. Nesse sentido, é importante lembrar que as análises apresentadas neste relatório não discutem possíveis medidas excepcionais e direcionadas para amenizar os efeitos econômicos da crise desencadeada pela pandemia.
A saúde fiscal dos governos subnacionais representa um grande desafio para a sociedade brasileira, e o Tesouro reconhece a importância de iniciativas que fomentem discussões e identifiquem possíveis soluções para os desequilíbrios fiscais.