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25.10.2013 - Integração entre cultura e educação precisa virar política de Estado
Com os versos de Beradêro, música de Chico César, hoje secretário de Cultura da Paraíba, a atriz e poetisa Elisa Lucinda deu o tom do seminário Construção de um Plano Articulado entre Cultura e Educação, realizado nesta terça-feira (1) pelas comissões de Cultura e de Educação na Câmara dos Deputados. A proposta do evento era iniciar os debates para a construção de uma política de Estado que integre, de fato, esses saberes considerados essenciais para a verdadeira formação de cidadãos plenos, conscientes de seus direitos.
Criada num ambiente onde música, dança e poesia se misturavam com a educação escolar, Elisa reforçou a necessidade de se (re)integrar esses campos do saber na formação das crianças e dos jovens brasileiros. “Não sei quando houve essa ruptura, mas a escola formal está muito longe da vida, presa a uma grade curricular, envolta em muros altos com arames farpados e o professor é um cara sisudo, que não tem seus recursos humanos desenvolvidos, que não está preparado para fazer essa integração”, afirmou.
Na opinião dela, não haverá avanços no desenvolvimento de projetos culturais sem o envolvimento e a formação do professor, pois ele é “o equipamento humano mais importante para construção dessa nova realidade”. "Precisamos pegar esse cara e transformá-lo. Um professor sonhador muda a história de uma cidade."
Um dos trabalhos de Elisa, hoje, é ensinar professores a recitar poesias – um dos gêneros literários hoje menos trabalhados nas escolas por ser considerado “difícil” por mestres e alunos. “Não se sabe ler poesia mais e isso já afasta o professor e o aluno dela. Muito professor já me falou que pula o texto de introdução de uma matéria quando é poesia porque não sabe ler”, destacou.
A ideia de reaproximar cultura, educação e a formação informal é uma das apostas dos ministérios da Cultura (MinC) e da Educação (MEC) para a construção de uma política de Estado que transforme a escola num equipamento cultural capaz de transformar as pessoas e garantir o pleno direito cultural no País.
Atualmente, o programa Mais Cultura nas Escolas, desenvolvido pelo MinC e MEC no âmbito do programa Mais Educação, é um exemplo de que é possível realizar essa integração. O programa tem um investimento de R$ 100 milhões em sua primeira etapa e beneficiará projetos de cinco mil escolas em todo o País. “O espaço cultural mais importante é o da escola e nosso objetivo é ampliar o programa para todas as 50 mil escolas que fazem parte do programa Mais Educação", pontuou o assessor do MEC, Márcio Meira.
Juana Nunes, diretora de Educação e Comunicação para a Cultura da Secretaria de Políticas Culturais do MinC, reforçou que a transformação desse debate em lei é a garantia da perenidade dessa proposta. “Nós queremos deixar de realizar programas para construir políticas que sejam permanentes e que sejam para todas as escolas”, disse.
“É necessário que a gente dê passos mais concretos para que as coisas se deem na prática. O Mais Cultura nas Escolas é resultado disso. Nós temos que pensar de que modo o Congresso Nacional, as comissões de Educação e de Cultura podem nos ajudar a pensar em marcos legais que deem legalidade, amplitude, e escala a essas políticas. Pois quando a gente fala em abrir a escola no final de semana é preciso ter embasamento para isso. Pois quem é esse professor que fará isso sem receber nada? No campo da pesquisa temos bolsas, porque no ensino básico o professor não pode receber uma bolsa para essa extensão? E discutir esses marcos legais é papel dessa Casa”, completou Juana.
Para a presidente da Comissão de Cultura, deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), esse debate é o início para a construção desses marcos legais e reforçou que a integração entre os dois saberes é um objetivo a se conquistar. “Quando vamos conseguir de fato que cultura e educação sejam políticas articuladas para construção da cidadania brasileira e que o professor seja o protagonista desse processo? Estamos aqui dando um primeiro passo nesse caminho”, afirmou.
Com os pés no chão
Selvino Heck, coordenador do Plano Nacional de Educação Popular da Secretaria Nacional de Articulação Social da Presidência da República, resgatou os ensinamentos do educador pernambucano Paulo Freire no debate. “Com os pés no chão também se aprende era o lema de Paulo em Angicos em 1953. Essa é a origem da educação popular, que alfabetiza, conscientizando, construindo um sujeito de direitos.” No mesmo dia, Paulo Freire também foi homenageado na Câmara pelos 50 anos da experiência de educação de jovens e adultos em Angicos (RN).
No mesmo sentido, a doutora em educação pela PUC/SP, Ana Maria Araújo Freire, mais conhecida como Nita Freire, citou o marido como exemplo de quem pensou a cultura como algo intrínseco ao ser e diretamente relacionado à educação. “Paulo pensou a cultura como algo que todo o cidadão e cidadã faz, mesmo sem saber que está fazendo. Foi a partir desse trabalho, que depois ele incorporou na codificação e decodificação da alfabetização o conceito antropológico de cultura. Para que cada homem e mulher se sentisse colaborando como sujeito da história. A cultura para Paulo é isso, está intrinsicamente ligada à educação. Você sendo educado no sentido de conscientizar-se de sua condição de cidadão você incorpora também e percebe-se como um fazedor de cultura”, disse a viúva de Freire.
Nas periferias essa integração tem sido intermediada utilizando o hip hop. O rapper brasiliense Gog enfatizou a importância da valorização da cultura nas suas diversas formas de manifestação, lembrando que é essencial envolver a comunidade no processo.
O governo federal tem trabalhado a ideia de ampliar o conceito da escola integral, incorporando as manifestações culturais no ambiente escolar, conforme informou Pedro Pontual, diretor do Departamento de Participação Social da Secretaria de Articulação Social da Presidência da República. Mas segundo ele, é preciso “formar agentes e professores que trabalhem nas escolas para que eles compreendam a dimensão da realização dessas atividades".
Também participaram do debate: Chico Simões, membro do Conselho Nacional de Política Cultural; Maria das Vitórias Negreiros do Amaral, presidente da Federação de Arte/Educadores do Brasil (Faeb); e Malvina Tuttman, do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação.
Fonte: Câmara dos Deputados