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07.06.2013 - Entrevista: "Inclusão socioeconômica a partir da gestão de resíduos" (Diogo Sant´Ana )
Sancionada em 02 de agosto de 2010, a Lei nº 12.305/10 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regulamentada pelo Decreto nº 7.404/10. Com ela, o Brasil passou a ter um marco legal na área de resíduos sólidos. De acordo com Diogo Sant’Ana, Secretário-Executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, um dos grandes diferenciais e méritos da PNRS é trabalhar a lógica reversa com uma perspectiva de inclusão social.
Segundo Diogo, a PNRS agrega estratégias já usadas em saneamento básico e educação ambiental, trabalhando a questão dos resíduos de forma combinada. Acrescenta, no entanto, que não adiantam as políticas se não houver uma mudança cultural da própria sociedade em relação à gestão do lixo. Ou seja, as pessoas precisam entender que aquilo que acontece em suas casas ou a partir de suas ações vai ter impactos mais adiante.
Uma das metas da PNRS é o fechamento de todos os lixões do Brasil até 2014. De acordo com Diogo, a experiência de Jardim Gramacho é um bom exemplo de como tratar a questão dos catadores. Criado na década de 1970, na Baía de Guanabara, o lixão é considerado um crime ambiental de grandes proporções. No entanto, cerca de 1200 catadores tiram seu sustento dele. Com o anúncio de seu fechamento, uma grande incerteza pairou na cabeça destes trabalhadores. Para prover a inclusão social dos catadores de Gramacho, Diogo afirma que as três esferas de governo – governo federal, governo do estado do Rio e prefeitura de Duque de Caxias – estão trabalhando de forma articulada, em três frentes: inclusão destas pessoas no Cadastro Único do governo federal; organização de polos produtivos regionais; e fomento de cooperativas mais sofisticadas, para que avancem na cadeia produtiva.
Rede Mobilizadores - De que forma a Política Nacional de Resíduos Sólidos se articula com as diretrizes nacionais da Política Federal de Saneamento Básico e com a Política Nacional de Educação Ambiental?
R.: A primeira coisa que nós destacamos é que como a lei de resíduos sólidos demorou muito tempo para ser aprovada no Congresso – ela ficou em discussão por mais de 18 anos –, boa parte das ações que são conexas aos resíduos sólidos tinham, até a aprovação, um desenvolvimento maior. Um exemplo é a Lei de Saneamento Básico*1 e também uma série de outras políticas de educação ambiental feitas pelo governo federal, e algumas experiências bem sucedidas dos governos estaduais e prefeituras.
Quando se tem a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, há uma mudança de paradigma, porque, a partir de então, não só o Brasil passou a ter metas mais claras em relação ao tratamento dos resíduos, mas também uma estratégia bem diferente da anterior. A lei não só determina que os lixões sejam fechados até 2014, como ela também define uma estratégia para o tratamento de resíduos e a implantação da logística reversa*2, que é a responsabilização do gerador pelo lixo. Para o Brasil, em termos de tratamento de resíduos sólidos, isto é uma revolução. Agrega as estratégias que já tínhamos de saneamento básico e educação ambiental. Então, hoje, o governo discute o tratamento dos resíduos sólidos de maneira combinada.
Outro marco é a forma com que ela tem sido implementada pelos estados e municípios. O governo federal exerce um forte papel de indução e articulação, e os municípios – o tratamento do lixo é de competência municipal – têm trabalhado para dar um tratamento mais adequado ao serviço.
Rede Mobilizadores - A PNRS está em sintonia com os objetivos do Plano Brasil sem Miséria? De que maneira?
R.: Na verdade, um dos maiores esforços do governo do presidente Lula, e agora do governo da presidenta Dilma, é tornar o que chamamos de desenvolvimento sustentável ainda mais concreto, real, palpável e monitorável.
Uma das principais prioridades do presidente Lula foi combinar, principalmente na pauta ambiental urbana, o tratamento adequado dos resíduos com a inclusão social. O maior exemplo disso foi a extrema mudança que nós tivemos em relação aos catadores de materiais recicláveis, que deixaram de ser um agente invisível da sociedade para se tornarem protagonistas. Há, hoje, uma série de políticas articuladas para este fim.
Aqui na Secretaria Geral [da Presidência da República], nós acompanhamos bem a questão dos catadores e seu papel, monitoramos o que está acontecendo nas cidades. Essa conexão do social, do ambiental e do econômico só é possível por estarmos imbuídos de um caminho que tem uma agenda de desenvolvimento sustentável sofisticada e bem ousada. É o que o Brasil tem hoje.
Rede Mobilizadores - Como a Secretaria Geral da Presidência da República monitora – e auxilia – os catadores?
R.: Há uma série de programas. Um exemplo está no trabalho do Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis (CIISC), um comitê de coordenação do governo federal que junta órgãos executores de políticas públicas, como Ministério do Trabalho, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério das Cidades, com parceiros como a Fundação Banco do Brasil, Funasa, Petrobras, BNDES, entre outros, todos focados em monitorar o protagonismo que tem acontecido entre os catadores no Brasil.
Rede Mobilizadores - E a autogestão corresponde a um dos maiores desafios para este grupo de trabalhadores?
R.: Há algo muito bonito na trajetória do Movimento Nacional dos Catadores, uma riqueza que não podemos perder. Os catadores nunca deixaram de se assumir como tal. Muitas vezes alguns programas, ou prefeituras, até bem intencionados, tentaram criar nomes diferenciados para chamar o catador, como, por exemplo, “agente ambiental”. E eles sempre recusaram esse rótulo porque possuem uma identidade muito forte com a questão da catação. E isso não é à toa, ou um orgulho sem sentido. Os catadores consideram que não adianta simplesmente trabalhar com o lixo. Para eles, o trabalho também deve necessariamente cooperar com o meio ambiente, e de maneira solidária.
O Movimento Nacional dos Catadores trabalha a autogestão de uma maneira muito concreta. As cooperativas estão entre as iniciativas que o movimento mais estimula. E esta riqueza é algo difícil de reproduzir, porque ela depende essencialmente do engajamento e das condições para que os catadores possam se organizar. E é um alvo que se deve perseguir. Nossa ideia é sempre estimular para que eles estejam organizados em cooperativas e estejam capacitados para gerir seus próprios empreendimentos.
É surpreendente ver como isso tem acontecido na prática, como não é um discurso meramente fantasioso. Os catadores têm se organizado e tido iniciativas bem positivas e muito sofisticadas, do ponto de vista tecnológico, a partir da autogestão.
Rede Mobilizadores - Há estimativas de quanto o país perde hoje por deixar de reciclar resíduos que poderiam ter outro fim?
R.: Nós fizemos em parceria com o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], entre 2009 e 2010, um grande estudo que identificou que o Brasil perdia R$ 8 bilhões por ano por não reciclar os resíduos sólidos adequadamente. Essa é uma perda econômica absurda. Se formos pensar, R$ 8 bilhões correspondia, na época do estudo, à metade do Bolsa Família, que era o maior programa de inclusão do governo federal.
Nesse estudo, foi detectado que praticamente 99% das latinhas de alumínio eram recicladas. Mas o vidro, por exemplo, não chegava a 10%. É um desperdício, um dinheiro literalmente jogado no lixo, porque, com a reciclagem, não só se investe na inclusão social, como também há ganhos sociais, ambientais e econômicos com o que está se recuperando. Algo que poderia gerar não só uma renda para os catadores, mas para o Brasil.
Rede Mobilizadores - O Brasil está preparado para a gestão compartilhada de resíduos?
R.: Nossa experiência combina três coisas: a gestão compartilhada, a questão dos catadores e a política reversa. Seguramente, nós estamos diante de uma revolução que em poucos anos vai alterar completamente os costumes e a forma como se trata o lixo no Brasil.
Por que eu estou tão otimista? A partir da aprovação da lei, e da regulamentação, abriu-se uma agenda extensa de negociação dos setores econômicos com o Ministério do Meio Ambiente, que tem trabalhado a lógica reversa com uma perspectiva de inclusão socioeconômica. Isto é um grande diferencial no Brasil, bem diferente do que acontece em outros países como Portugal e Alemanha.
No Brasil, a questão não é só reciclar o lixo. A questão é reciclar o lixo incluindo. E eu acho que aqui o setor empresarial, com destaque ao setor de bebidas e alguns outros setores, já captaram esse movimento, já captaram a importância de se fazer a inclusão socioeconômica agregada à gestão de resíduos, e isso tem gerado resultados muito bons.
Duas semanas atrás foi inaugurada em Pinhais, perto de Curitiba, uma usina imensa de reciclagem coordenada e dirigida por catadores, iniciativa do Sindicato de Bebidas do Paraná.
Até mesmo em Gramacho [município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro], com todas as dificuldades, há uma grande cooperativa, a ACAMJG [Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho], que recebe o lixo e realiza um trabalho excelente com garrafas pet. E há várias outras iniciativas, porque novas oportunidades se abrem com o uso da lógica reversa e da gestão compartilhada de resíduos.
Agora, há também um grande desafio. Mesmo aqui em Brasília, onde vivo, existe o programa de coleta seletiva, mas estamos anos-luz do que seria uma alternativa eficiente, correta e ampla em relação ao que está acontecendo. Sou otimista porque o momento é bom, mas temos que ter a absoluta dimensão de que o Brasil é imenso e que falta muita coisa para acertar nos próximos 10, 15, 20 anos. Temos que começar agora.
Rede Mobilizadores - A sociedade brasileira está pronta para exercer sua co-responsabilidade na destinação correta dos resíduos? De que forma o cidadão pode exercer o controle social na implementação da PNRS?
R.: É interessante falar sobre isso. O ministro Gilberto Carvalho foi recentemente passar férias em uma praia no Nordeste e uma das primeiras coisas que falou quando voltou foi que estava muito impressionado em como esse problema do lixo é uma questão de natureza cultural muito forte, por mais que se tenham alternativas de governo, coleta, etc.
Por mais que se organizem os sistemas e melhore a gestão de resíduos, não tem como escapar de uma questão que é cultural mesmo, que é de mudança de comportamento das pessoas.
E esta mudança passa pela necessidade de as pessoas enxergarem que aquilo que acontece na sua casa ou a partir das suas ações tem consequência para o mundo – e com o aumento da importância que se tem dado à pauta ambiental, isto está acontecendo cada vez mais. Aliás, esse aumento de consciência coletiva tem sido significativo nos últimos tempos. As pessoas têm outra postura a partir da introdução de programas de educação ambiental, de coleta seletiva.
Uma segunda coisa, eu acho que as empresas que produzem lixo estão inseridas na questão ambiental e cientes de um desafio importante: a sustentabilidade tem sido cada vez mais cobrada pelo consumidor. Essas duas coisas criam um caldo cultural importante de mudança.
A nossa tarefa, como governo, é aproveitar o momento e criar as políticas certas, para que a mudança cultural seja estimulada numa direção correta e esteja de acordo com uma estratégia que leve o Brasil a um outro patamar em relação ao tratamento de resíduos.
Se o estudo do Ipea e uma recente pesquisa da Abrelpe [Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais] indicam que nós temos tido avanços, também estamos cientes que a proporção do nosso desafio – de trabalhar com quase 3 mil lixões – ainda é imensa.
Rede Mobilizadores - O que vai ser feito dessas pessoas que vivem do lixo?
R.: Há uma experiência que vale muito a pena contar, porque é prática. O que aconteceu em Gramacho? Gramacho era o maior lixão do Brasil, recebia todo o lixo do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Foi criado na década de 1970, na Baía de Guanabara, um crime ambiental de proporções enormes. E há dois ou três anos, cerca de 1200 catadores ainda tiravam seu sustento de dentro desse lixão. E não era um sustento economicamente insignificante. Na verdade, as pessoas tiravam uma renda bem elevada. Um homem, jovem, forte, conseguia R$ 100 por dia com o material que recolhia. Mulheres um pouco menos. E havia o trabalho de crianças, ou seja, uma desgraça social de proporções enormes. E hoje, o que está acontecendo lá? Com a diminuição do lixo, quase se criou uma convulsão social. Por mais que os catadores vivam numa situação de absoluta indignidade, bem ou mal dali eles tiravam o seu sustento. Com a perspectiva do fechamento do lixão, a pergunta é: O que vai acontecer com essas pessoas?
Nós estamos trabalhando em conjunto com o governo do estado do Rio de Janeiro e com a prefeitura de Duque de Caxias. Usamos uma estratégia que vamos adotar em outros lixões do Brasil, que é a de trabalhar em três frentes.
Uma primeira frente é oferecer a essas pessoas um mínimo de inclusão social. Só para se dar um exemplo, quando começamos a cadastrar os catadores, quase 15% deles não tinham sequer registro civil. Ou seja, muitas vezes é preciso começar do zero. Primeiro temos de dar a estas pessoas um nome, um documento de identidade. Depois que receberam um amparo inicial, são pessoas que precisam ser incluídas minimamente em programas como o Bolsa Família, o BPC [Benefício de Prestação Continuada]*3 – porque tem muita gente que trabalha no lixão há muito tempo e não tem mais capacidade laboral, como os idosos. Só a partir da inclusão no Cadastro Único*4, essas pessoas podem ser beneficiadas.
O segundo capítulo é a organização das pessoas que estavam no lixão, que têm a expertise da reciclagem e que vão continuar trabalhando com o lixo, com os resíduos sólidos. Neste caso, nossa ideia é ir ampliando os programas de coleta seletiva em conjunto com as prefeituras e criando pólos produtivos mais organizados em que eles trabalhem não só com maior volume de lixo organizado, mas também possam ser incluídos num sistema de coleta formal. Aliás, há cerca de 40 boas experiências no país, que mostram que a inclusão dos catadores na coleta formal é algo bem positivo.
E no terceiro bloco estão as cooperativas organizadas, que já seguem um padrão sofisticado e estão em outro patamar operacional. O objetivo é fazermos com que essas cooperativas avancem dentro da cadeia e possam ser não só fornecedoras de matérias primas para o setor industrial, mas também possam produzir e ter um ganho de renda que aumente significativamente o valor agregado daquele produto que está sendo reciclado. Há muitas maneiras de fazer isso. Por exemplo, uma cooperativa que trabalha catando papelão pode produzir embalagens, ainda que em pequena escala. É muito melhor vender a embalagem do que vender o papelão para a indústria ou para o atravessador.
Então, resumidamente, nosso papel é, em primeiro lugar, acolher essas pessoas que vão continuar trabalhando com o lixo. Em seguida, organizar polos produtivos regionais. E, finalmente, nos lugares onde há cooperativas mais sofisticadas, fazer com que elas avancem na cadeia produtiva. E tudo isso é totalmente possível de fazer.
Para finalizar, é importante dizer: existe sim uma estratégia do governo federal de tratar desses problemas, e a experiência em Gramacho tem mostrado que é possível, mesmo com os muitos desafios. Mas, fundamentalmente, não conseguiremos fazer o trabalho sozinhos, aqui de Brasília, se não houver um engajamento muito forte do município, dos governos estaduais. Sem isso, a chance de se ampliar a tragédia humana é muito grande.
- *1 Lei de Saneamento Básico - Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico no Brasil. Foi regulada pelo Decreto 7.217 de 21/6/2010.
- *2 Logística Reversa – A Política Nacional de Resíduos Sólidos definiu que na logística reversa, todos os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e cidadãos têm responsabilidade compartilhada na correta destinação do produto adquirido. A ideia central é que a vida útil do produto não termina após ser consumido, mas volta a seu ciclo de vida, para reaproveitamento, ou para uma destinação ambientalmente adequada. Todo resíduo sólido deve ser reutilizado, reciclado ou recolhido pela indústria responsável
- *3 Benefício de Prestação Continuada (BPC) - O Benefício de Prestação Continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, com idade de 65 anos ou mais, que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- *4 Cadastro Único - O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, entendidas como aquelas que têm:renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ourenda mensal total de até três salários mínimos.O Cadastro Único permite conhecer a realidade socioeconômica dessas famílias, trazendo informações de todo o núcleo familiar, das características do domicílio, das formas de acesso a serviços públicos essenciais e, também, dados de cada um dos componentes da família.
Fonte: www.coepbrasil.org.br