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28.01.2013 - Entrevista: "Dez anos de PT" (Carta Capital)
26/01/2013 - Carta Capital
POR ANDRÉ BARROCAL
Às vésperas do Natal, o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, gravou e divulgou pela internet um vídeo em que prenunciava um 2013 "brabo" para o governo e o PT. Os inimigos do petismo, dizia o ministro, estariam dispostos a tudo para "destruir" o projeto político, econômico e social que completou uma década, torná-lo insustentável no tempo e recuperar o poder.
No centro desse poder, o Palácio do Planalto, desde o início da era petista - chefiou o gabinete de Lula nos dois mandatos e assumiu a Secretaria Geral com Dilma Rousseff -, Carvalho mistura ânimo e preocupação ao analisar os últimos dez anos e projetar o futuro. Pobreza, desemprego e desigualdade caíram, PIB e salários cresceram. Apesar da crise externa, o rumo segue. Ponto para o PT. Condenações por corrupção no "mensalão", um acúmulo de escândalos éticos e demissões, tudo em proporções também inéditas. Ponto para os adversários. Na balança eleitoral, até quando o prato da mudança socioeconômica descerá mais do que o da ética e da política, pergunta-se o ministro.
Em conversa com Carta Capital sobre uma década de PT, Carvalho defende o governo como uma experiência que busca tornar o Estado mais permeável e sensível aos anseios sociais e que concretamente melhorou a vida de milhões de pessoas, embora de forma mais lenta do que um dia se sonhou. E também expõe angústia com o futuro. Para ele, a passividade das forças sociais e intelectuais pró-governo, a ideologização dos meios de comunicação com valores distintos e um certo silêncio no PT e no governo colocam o petismo em risco.
CartaCapital: Em dez anos, o PT entregou o que prometeu e o que esperavam os eleitores que o elegeram?
Gilberto Carvalho: Acredito que sim. Se você pega o programa de 2002, há uma coerência muito forte, mesmo para a nossa geração que sonhava com uma mudança mais radical do ponto de vista do cuidado com os pobres, da participação social. Não foi, evidentemente, na plenitude sonhada, mas foi massivamente atingido porque houve uma mudança de lógica. O País tinha uma visão absolutamente elitista, onde só cabiam 35 milhões, 40 milhões de consumidores. Hoje temos uma economia de massa, um mercado interno fortalecido. As pessoas passaram a contar como preocupação do governo e, mais que isso, tendo direito de opinar e participar. Essa é a grande lógica, que não é perceptível por má vontade ou por desinformação da chamada grande imprensa.
No Brasil, para "35 milhões, 40 milhões de consumidores", diz o ministro, recursos de fundos e bancos públicos financiavam apenas grandes projetos. E não só pela captura do poder pelas elites, mas também pela atitude da burocracia intermediária, que acha mais difícil lidar com pobre do que com rico. Criar ou reforçar programas para agricultura familiar, economia solidária e microempresa é uma vitória de certa permeabilidade do Estado com o PT, mas a sociedade não sabe, pois não está informada, teoriza carvalho.
Como também estaria mal informada em geral sobre o tamanho da transformação pós-2003. O desemprego caiu pela metade e está perto de 5%, quase pleno emprego. O salário mínimo triplicou. A desigualdade social é a menor já vista, embora ainda monstruosa. Vinte e três milhões deixaram a pobreza, 40 milhões entraram na classe média, conforme medições estritamente econômicas e largamente generosas, é bom esclarecer.
GC: O fato de o cidadão ter dado um salto no patamar econômico, de o filho poder ascender para a universidade, essa mobilidade social que não existia... Por isso, no meu juízo, o governo conta com elevados índices de aprovação, direto, diuturno, de grande parte da imprensa.
CC: Um ano atrás, muna versão reduzida do Fórum Social Mundial, o senhor disse que era necessária uma "busca ativa democrática" dessas pessoas que melhoraram de vida "para elas não ficarem à mercê da ideologia dos meios de comunicação. Como se faz essa "busca ativa" e a quem cabe a tarefa?
GC: Um ano depois, não mudou nada, isso é perigoso e me preocupa. A expressão na comunicação é das minorias, não há expressão do pensamento da maioria. E dramático. Nós não conseguimos produzir um movimento no País que gerasse mobilização, novos valores, nova cultura. E aí, quando digo nós, faço uma distinção. É menos o governo, mais os movimentos sociais. Eu considero um milagre a gente ter ganho o governo, ter conseguido governar, fazer uma reeleição e depois uma eleição da Dilma. É um milagre ante o bombardeio diário que a gente sofre. Esse milagre só ocorreu pela transformação do País. Agora, há um limite. A persistência desses movimentos ideológicos pode fragilizar nossa relação com o povo, a compreensão do nosso projeto e o apoio ao nosso projeto. Por isso reclamo a necessidade de um movimento mais amplo.
CC: Há nos movimentos sociais, no entanto, uma visão de que a mobilização é tarefa do governo. Por que o governo não a cumpre?
GC: O governo cumpre parcialmente. Trabalha, dialoga, as conferências continuam. O estilo pessoal de Dilma é diferente do estilo de Lula, em termos de comunicação, mas a filosofia geral, de chamar à participação, de um modo ou de outro, prosseguiu. Agora, a gente não cumpre em sintonia porque é governo múltiplo com visões bastante diferentes internamente. Nem todo mundo no governo tem essa preocupação. Então, isso dificulta a nossa ação.
Para as forças sociais vistas como passivas, o governo é que se omite. Ele poderia propor ao Congresso uma lei que mudasse o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, para garantir pluralidade na mídia. Ainda que só na reta final do mandato tenha encampado o tema, a gestão Lula deixou uma proposta à sucessora. Mas nem Dilma nem o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) parecem interessados.
CC: Então, sem essa "busca ativa", que no seu entender cabe primordialmente aos movimentos sociais, o projeto petista está ameaçado?
GC: A palavra "ameaçado" é um pouco forte para o momento. Eu diria que pode estar ameaçado a médio prazo. O cidadão comum é bombardeado. Nós acabamos de ver agora: criou-se um apagão que nunca existiu e isso se transformou numa crise. Se você lê os jornais, o Brasil está na bancarrota, a inflação está disparando. O martelar dessa visão, acompanhada de uma visão ideológica do individualismo, da violência, do consumismo, eu receio que comece, num determinado momento, a minar as bases de um projeto como o nosso. Não acho que se trata de algo iminente, relativa a 2014, conquanto valha a ressalva de que não podemos garantir uma eleição tranquila em 2014. É coisa de médio prazo.
O aniversário de uma década de petismo coincide não somente com indicadores socioeconômicos favoráveis. A corrupção também vai para o currículo. No fim de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou 25 réus do chamado "mensalão" com penas que, somadas, superam 250 anos. Jamais houve algo parecido no Brasil.
CC: O que pesa mais para o eleitor quando ele olha o governo: a transformação social ou a tese de que a essência do governo é a corrupção, sustentada no "mensalão"?
GC: O resultado das eleições de 2012 e a continuidade do apoio ao governo detectado nas pesquisas mostram que o eleitor não é tão permeável quanto certos setores da opinião pública sonhariam, à narrativa de que o PT é o inventor da corrupção e o mais corrompido. Mas cabe ter preocupação. Não pegou agora, mas não sei daqui a pouco, com tanta insistência. Me incomoda a gente apanhar tanto e reagir tão pouco. Me incomoda a gente ter a maioria dos meios de comunicação dando essa leitura da realidade e a gente não enfrentar um debate público. Nos falta iniciativa. E quando falo nós, não é só o governo. O governo fala pouco, mas na sociedade me impressiona também a falta de debates, de enfrentamento, por parte de intelectuais, de partidos mais à esquerda, movimentos sociais. Mesmo no Parlamento há um déficit. Não estamos na melhor fase de expressão e debates.
Ao lado do incômodo, autocrítica e contracrítica. Após tanto tempo no poder aliado a políticos tradicionais, sem os quais acha que não governaria, o PT adquiriu maus hábitos. Por outro lado, teria dado mais transparência ao Estado de uma forma que se voltaria contra si, ao indicar para o cargo de procurador-geral da República sempre o preferido da categoria e nomear ministros para o STF sem esperar retribuição.
GC: Se inoculamos no velho o novo, nós fomos inoculados também pelo velho, para usar uma linguagem de João Cabral de Melo Neto. Você passou a ter práticas bastante semelhantes às práticas anteriores.
Só que feitas antes, no caso deles, por profissionais, por uma elite que fez privataria e não teve nenhum processo para valer contra, que comprou uma reeleição e não teve um processo contra, porque não funcionava o Estado, não funcionavam esses aparelhos que nós criamos e que se voltam contra nós quando erramos. Lula, toda vez que tinha uma crise aqui, dizia: "A única hipótese de alguém não ser investigado no meu governo é não cometer erro". Esse é um mantra que contraria toda a tese de que ele era complacente com a corrupção.
As condenações, segundo o ministro, deixam lições importantes para o PT, embora esse ainda seja um tema indigesto no partido. Assimilar o golpe é um desafio a quem quer sobreviver como alternativa de poder. Uma pesquisa do Ibope sobre a preferência partidária do brasileiro feita durante o julgamento do "mensalão" ainda mostra o PT na liderança folgada, mas com um índice (24%) só inferior ao de fevereiro de 2006 (21%), quando a crise estava no auge.
GC: A dor pelo julgamento dos nossos companheiros tem de provocar uma dupla reação. De um lado, indignação ante a exceção que foi esse julgamento, ante as novas teses mal importadas e entendidas, o famoso "domínio do fato", que eu prefiro chamar de "delírio do fato". E também a insurgência contra o julgamento ter sido realizado a reboque de uma eleição municipal, e a imprensa o ter transformado no grande evento democrático, sem levar em conta o que já ocorreu antes. Por outro lado, temos de aprender que nós erramos, é verdade. Caixa 2 é crime. Precisamos usar esse aprendizado e lutar pela reforma política, particularmente pelo financiamento público. As campanhas tornaram-se caríssimas, é inviável não depender do poder econômico. Não podemos cair na hipocrisia em que outros caíram.
CC: Depois do "mensalão", em 2005, a CUT entra no ministério, com Luiz Marinho, Antonio Palocci é substituído na Fazenda por Guido Mantega e Dilma Rousseff vai para a Casa Civil. O caso promoveu certa inflexão progressista no governo?
GC: Lula teve sabedoria, procurou aprender com a crise e, de fato, aproveitou para promover mudanças importantes, que selavam de maneira mais adequada a ligação dele com os movimentos sociais e nos permitiriam avançar mais. A presença de Marinho, a vinda de Paulo Vanucchi para os Direitos Humanos, a indicação de Guido para a Fazenda, a vinda de Dilma. Durante aquela crise, Lula dizia o tempo todo : "Não vamos parar, o que eles querem é paralisar o governo". O governo trabalhou muito e, quando a poeira baixou, produziu mudanças reais no País, cuja repercussão foi muito maior na cabeça das pessoas, porque mexeu com a vida delas para melhor, do que as acusações de corrupção e a crise política, que são distantes da vida cotidiana do povo.
CC: O "mensalão"foi um caso extremo de polarização que acelerou as transformações desejadas pelo governo do PT. A ausência de oposição partidária forte atrapalha? Quem faz oposição firme, como já disse a associação dos jornais, hoje são os meios de comunicação, que são o mediador e têm legitimidade institucional.
GC: Não queria falar isso formalmente, porque pode parecer que estou subestimando a oposição. Agora, o fato de que a oposição está assentada nos meios de comunicação é, sim, uma coisa grave. Porque ali se vende a ideia da objetividade. O jornal não se pretende um partido, se pretende portador da objetividade, da verdade, de uma visão de mundo objetiva. E não é. É uma visão subjetiva. Quando você tem um partido, você vai para o debate parlamentar, o debate de ideias, ele vê de um jeito, você de outro. O problema é que a imprensa tem a arrogância de se achar a dona da verdade, a dona "da visão", aí fica um combate muito mais difícil.