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03.08.2012 - Artigo: "Saúde e saber popular" (Selvino Heck)
Fico sempre impressionado com este imenso país chamado Brasil e seu povo. Desta vez foi no Rio, não com as belezas do Rio de Janeiro, mas com o V ENEPS – Encontro Nacional de Educação Popular e Saúde -, realizado na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), de 31 de julho a 3 de agosto. Pergunto o número de participantes para a Helena Leal David, coordenadora geral do Encontro: mais de 900 pessoas de todo Brasil. Encontro educadores/as, enfermeiros/as, médicos/as, professores/as, estudantes, parteiras, gestores públicos, lideranças sociais e populares da Rede de Educação Popular e Saúde (Redepop), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da Associação Nacional de Extensão Popular (Anepop), do Movimento Popular de Saúde (Mops), do Ministério da Saúde, das Universidades, do Movimento de Integração das Pessoas atingidas pela Hanseníase (Morhan), da Rede de Educação Cidadã (Recid), da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação e Saúde (Aneps).
Participo de uma Roda de Conversa com o tema ‘A Conjuntura Histórica de Participação e das Lutas populares – Análise coletiva”. Mas há também Rodas de Conversa sobre “O diálogo entre práticas populares e formação e práticas profissionais de cuidado à Saúde”; “Agentes Comunitários de Saúde na mediação de saberes”; “Produção de conhecimentos na perspectiva popular”; “Interface de Educação Popular e Saúde nos serviços de Saúde”; “Educação Popular e democracia na formação profissional a partir da extensão universitária – um encontro possível”; “Valores democráticos: sentidos, significados e práticas no campo da Saúde”; “Modos de participação em Saúde em questão: o que precisa mudar?”; “Educação popular também é coisa de ‘doutor’?”.
Centenas de trabalhos e experiências são apresentados, para todos os gostos, visões, lugares e comunidades: a prática educativa do farmacêutico; diálogo entre profissionais de saúde e práticas populares de saúde; farmácia viva na escola; cuidar do outro e cuidar de mim; educação em saúde e juventude: a percepção do ‘bullying’ por adolescentes de uma escola municipal de Niterói; Liga de Educação em saúde: educação popular através de experiências no Asilo dos Pobres; gerontologia em movimento: um olhar para educação popular e saúde; ações educativas com crianças: transformando sujeitos; projeto de educação popular e atenção à saúde do trabalhador: apresentando uma experiência e inserindo novos atores da formação; visita domiciliar como espaço de práticas em educação popular em saúde: reflexões a partir da experiência de extensionistas de João Pessoa, PB; projeto fisioterapia na comunidade: a importância da extensão no fortalecimento acadêmico estudantil; semeando o diálogo com as práticas populares de saúde na formação profissional;, saber viver é viver com qualidade.
Os folders são reveladores. Diz Dona Palmira, militante do Mops da Paraíba: “Quando um intelectual fala, o leigo não entende. Mas quando o leigo fala, o intelectual compreende. O Mops é o movimento do leigo , meu pessoá. O doutor também tá nele somente para ajudar. Por isso tu vais me ouvir, do jeito que sei falar.” O Mops é um movimento popular que busca articular e fortalecer grupos de base que lutam na defesa da saúde pública e do fortalecimento do SUS, ao mesmo tempo em que articula práticas integrativas e tradicionais do cuidado em saúde, por intermédio da Educação popular.
A Anepop (Articulação Nacional de Extensão Popular), criada em 2005, busca implementar canais de troca de experiência e reflexões, constituindo-se como um espaço permanente de comunicação entre os diversos sujeitos dos projetos e programas de extensão popular de todo o país.
A Aneps (Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação popular e Saúde) busca fortalecer a capacidade dos movimentos, serviços e redes locais em sistematizar e refletir suas próprias experiências, de forma a extrair e socializar seus ensinamentos, bem como fortalecer as formas de democracia popular e participativa na sociedade.
A luta de todos os movimentos, articulações e redes da área da saúde levou à criação do Comitê Nacional de Educação Popular e Saúde – CNEPS -, vinculado à Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) do Ministério da Saúde. E desencadeou a formulação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde – PNEPS, aprovada recentemente por unanimidade pelo Conselho Nacional de Saúde, “um projeto coletivo e popular de saúde em fase de implementação no SUS”.
O saber científico sai do isolamento e se aproxima do saber popular, e vice-versa. Como disse o grande intelectual orgânico Victor Valla, um dos principais inspiradores de todas estas vivências, práticas e experiências: “Parte da minha militância política tem sido uma discordância com a posição de que as classes populares são ignorantes, tentando apontar a forma como as classes populares demonstram seus conhecimentos e como eles são importantes para que tenhamos mais clareza da realidade. Temos apontado para a possibilidade de uma construção compartilhada do conhecimento, fazendo convergir o saber acumulado a partir da ciência com o saber acumulado pelas classes populares a partir de sua vivência. Esses dois saberes poderiam se fundir para poder criar um terceiro conhecimento.”
A saúde saiu ou está saindo do consultório, das mesas de hospitais, das escolas de medicina e enfermagem, das salas de aula e da academia, até então territórios (quase) exclusivos, e indo pra rua, enfrentando com coragem a comunidade, abrindo-se ao diálogo, experimentando o novo, talvez o não tão novo assim, ou seja, a sabedoria do povo, do indígena, da parteira, do quilombola, das pessoas que aprenderam na vida e com a vida. Como diz em versos Junio Santos: “Vai ter papo de caboco,/ conversa de doutorada,/ riso, canto e balada,/ repente feito de rima,/ receitas de medicina e remédio popular.”
Há vida, muita vida. Não tenho razão em ficar impressionado com este imenso país chamado Brasil e seu povo?
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República