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27.05.2011 - Artigo: "Águas e povo" (Selvino Heck)
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República
Duas coisas nada e ninguém segura: a água e o povo. Para o bem e para o mal. Os últimos tempos foram/estão sendo pródigos em demonstrá-lo mais uma vez.
O Movimento 15-M - 15 de maio -, também conhecido como Revolução Espanhola, ou a Revolução dos Indignados, que reúne milhares de pessoas, especialmente jovens, na Puerta del Sol em Madri e outras dezenas de cidades espanholas, é um exemplo da maré que é o povo quando rompe muros, derrota a polícia e confronta o poder.
A multidão não está reunida para festejar mais uma vitória do campeoníssimo Barcelona e seu belo futebol ou a marca histórica de gols marcados por Cristiano Ronaldo no Real Madrid. A crise que abala a Europa - Grécia, Irlanda, Portugal e outros - chega agora à Espanha, todos países que ficam ao lado da Líbia ou geograficamente próximos dos países árabes, onde o furacão popular arrasta ditaduras e põe em xeque alianças geopolíticas seculares comandadas pelos Estados Unidos.
As águas da chuva também não deixam de rolar aos borbotões e em todos os lugares. Países ricos, países pobres, vilas populares e mansões, os terremotos, tsunamis, chuvaradas, tempestades varrem tudo que vem pela frente. Não respeitam casa, não respeitam estradas, invadem condomínios de luxo, derrubam igrejas, fazem escorrer morros, matam gente aos milhares.
Sinais dos tempos? Fim de uma civilização? Ao final, cabe a pergunta: vai sobrar o que? Algum mundo novo por vir? Quem e o que sobreviverá?
Os jovens acampados na praça dizem: “Não nos tirarão daqui. Vamos ganhar esta revolução.” Quais são as bandeiras? Quais os sonhos?
Eles colocam nos seus cartazes:
No somos antisistema, el sistema esta contra nosotros - Não somos anti-sistema; o sistema está contra nós.
Fin a la espiral del silencio - Fim à espiral do silêncio.
Techo y trabajo sin ser esclavo - Teto e trabalho, sem ser escravo.
Inmigrantes, vosotros sois el mar de Madrid - Imigrantes, sois o mar de Madrid.
No es crisis, es estafa - Não é crise, é cansaço.
Plaza SOLución - Praça SOLução.
Liberte, egalité, fraternité - Liberdade, igualdade, fraternidade.
Banqueros ladrones, culpables de la crisis - Banqueiros ladrões, culpados pela crise.
Stop New World Order- Pare com a Nova Ordem Mundial.
The people have the power - O povo tem o poder.
Familias trabajadoras exigimos: solucionen hipotecas -Famílias trabalhadoras exigimos: solucionem as hipotecas.
Belo ideário, sem dúvida, capaz de arrastar massas e fazer acampar multidões!
Cada dia fica mais claro que uma das instituições seculares presentes no mundo do poder, os partidos políticos, está perdendo espaço e referência. Senão a própria política. Dizem os acampados de Madri e cidades espanholas: “Nós, cidadãos, perdemos o respeito pelos partidos políticos majoritários, mas isso não equivale a perder nosso sentido crítico”.
“Se vocês não nos deixarem sonhar, não os deixaremos dormir”, proclamam os jovens. A convocação é pela Internet e no boca a boca antigo.
As águas que avançam sobre as casas e as cidades também não deixam dormir. A destruição do meio ambiente, a violentação da natureza, a desconsideração com o ar e o verde, o lucro desmedido que não respeita plantas e florestas cobram seu alto preço. E cobrarão cada vez mais, se não houver mudança de rumo.
Já dizia o cantor: “É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte”. Ou como dizem os jovens espanhóis: “A revolução estava em nossos corações e agora voa livre pelas calçadas.”
As águas da morte precisam ser paradas. Os gritos do povo são vida.