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20.05.2011 - Artigo: "Um país sem miséria" (Selvino Heck)
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República
“Um grupo que gemia e ninguém ouvia. Hoje, geme e há alguém que ouve”, foram as palavras do Samuel, do Movimento Nacional de População de Rua, diante do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, e da ministra Tereza Campello, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. E concluiu: “Parabéns ao governo. Esta discussão vai tomar conta do país. É preciso preservar as conquistas do governo Lula e avançar”.
A Secretaria-Geral da Presidência da República e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) organizaram uma sequência de debates – chamados diálogos sociais - sobre o Programa Brasil Sem Miséria, antes de seu lançamento em junho pela presidenta Dilma. Houve dois encontros esta semana: com os movimentos do campo – Via Campesina, Fetraf e Contag – e com os movimentos sociais urbanos, movimentos de luta pela moradia, catadores de material reciclável, moradores de rua. Até o final do mês de maio, haverá o diálogo com as Redes de ONGs e movimentos sociais, os conselhos de políticas sociais, direitos humanos e temas transversais, as igrejas – católica, evangélicas, adventistas e de matriz africana –, as Centrais Sindicais, as Confederações patronais - CNI, CNA, CNC, CNS -, GIFE e Instituto Ethos e a Rede de Educação Cidadã (Recid).
Como diz o folder distribuído nas reuniões, os avanços econômico-sociais ocorridos no Brasil nos últimos anos são fruto de crescimento econômico e de decisões políticas. Destacam-se o aumento do emprego e sua formalização, a valorização real do salário mínimo, a ampliação e consolidação de programas de transferência de renda (Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada) e a expansão do crédito. Contudo, apesar de todo este esforço, 16,2 milhões de brasileiros e brasileiras ainda permanecem em situação de extrema pobreza.
Cinqüenta e nova por cento dos extremamente pobres estão concentrados na região Nordeste, correspondendo a 9,21 milhões de pessoas. Do total de brasileiros e brasileiras residentes no campo, um em cada quatro se encontra em extrema pobreza; 50,9% têm até 19 anos de idade, sendo que 39,9% têm até 14 anos de idade; 53,3% dos domicílios não estão ligados à rede geral de esgoto pluvial ou fossa séptica e 48,8% não estão ligados à distribuição de água e não têm poço ou nascente na propriedade; 70,8% são negros (pretos ou pardos) e 25,8% são analfabetos, de 15 anos ou mais.
O desafio, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, é implementar uma abordagem multidimensional da extrema pobreza, envolvendo ações de transferência de renda associadas à melhoria geral do bem-estar social e ao acesso a oportunidades de ocupação e renda: retirar a população extremamente pobre de sua condição, rompendo o círculo vicioso da exclusão social.
João Pedro Stédile, da Coordenação Nacional do MST, falou em seminário sobre Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais na Faculdade de Direito da USP: “As medidas que Lula tomou nos oito anos, de compensação social com o ProUni, o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo tiveram o papel de tirar o povo da miséria, que agora virou pobre. Mas para sair da pobreza não bastam as medidas de compensação social. Só é possível com a distribuição de riqueza” (Valor Econômico, 29.04.11).
Neste sentido, as lideranças presentes aos dois primeiros debates públicos com a sociedade – movimentos sociais do campo e movimentos sociais urbanos –, explicitaram sua satisfação por terem sido chamados a discutir com o governo, bem como suas análises, preocupações e propostas.
Joceli Andreolli, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), falou que é preciso identificar as causas da extrema pobreza e da pobreza. Para isso, é preciso enfrentar a concentração da terra, bem como saber se e como os programas chegam na prática aos mais pobres. William, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) disse que é preciso apresentar as causas ou a origem da pobreza. “Pobreza tem idade, sexo e cor”. E apontou a necessidade da reforma agrária.
Raul, do MPA, reconheceu os passos afirmativos, positivos dados pelo Governo Federal nos últimos anos. “O Brasil passou de uma análise de coisa atrasada para coisa bonita, positiva. Mas enfrentar a pobreza traz a necessidade de enfrentar o modelo de sociedade.” Frei Sérgio, também do MPA, disse que é importante que o Estado brasileiro tenha pautado a superação da pobreza. “É um avanço extraordinário. Mas superação da pobreza só acontece com mudanças estruturais. O tema precisa tornar-se estratégico para o Estado brasileiro” Mas reconheceu: “Se queremos andar um quilômetro, é preciso dar o primeiro passo.” Miguel, do Fórum de Reforma Urbana, falou que é preciso fazer um debate de empoderamento da sociedade, não deixando as ações só com os prefeitos.”
Nenhum governo sozinho conseguirá superar a extrema pobreza e a pobreza. È fundamental o apoio da sociedade, com a criação de uma consciência coletiva, um sentimento ético de construção solidária. Assim como, para enfrentá-la, é preciso diminuir a injusta distribuição de renda e a desigualdade econômica e social. Apesar de ser a sétima economia mundial, o Brasil continua sendo um dos países de maior concentração de renda: os ricos do Brasil são dos mais ricos do mundo e os pobres estão entre os mais pobres.
Um programa de superação da extrema pobreza, inédito num mundo em crise, num momento em que a pobreza e até a miséria aumentam nos países mais desenvolvidos, abrirá também a oportunidade de pensar e propor um novo modelo de desenvolvimento, que não só enfrente as desigualdades, mas incorpore a agenda ambiental e os valores do bem-viver. E poderá dar luzes, inclusive, para um outro projeto de sociedade, ‘um outro mundo possível’.