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13.05.2011 - Artigo: "Companheira Maria Izabel da Silva" (Selvino Heck)
Em homenagem à Izabel e ao Derli, do MPA, mortos em acidente dia 30 de abril na Bahia
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República
Teus dentes separados não escondiam o sorriso e a alegria, presentes todo tempo. Como escreveu o Daniel Resende, educador popular da Rede de Educação Cidadã de Sergipe: “Eras sorridente em teu desencontro das arcadas dentárias, sendo o mais sincero e singelo sorriso que nos apaziguava.” Nem eles escondiam tua disposição de luta, tua coragem e determinação. Estavas sempre disposta e disponível, mesmo para voltar de madrugada de uma reunião na Coordenação Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) em Brasília para tua gente, teu chão, tua Monte Alegre.
Não te escondias em tua juventude. Gostavas de mostrar tuas mãos calejadas cheias de terra e suor de quem luta e labuta pela vida de sua família, dos vizinhos, da comunidade, dos outros e outras espalhadas pelo mundo. Diz o Daniel: “Orgulhavas-te de tua mão calejada da lida respeitosa com a mãe terra e impressionavas pela seriedade em tratar dos menores problemas e a ousadia de aceitar modestamente as maiores tarefas.”
Bem que a Iracema, da equipe Nacional do TALHER, comentou comigo estes dias: “Estava de férias e li teus artigos recentes cheios de dor.” Respondi: “Assim estão sendo a vida e o mundo.” Mas jamais poderia imaginar que poucos dias depois eu escreveria este lamento apaixonado de quem não quer acreditar e jamais esperaria chorar tua ausência.
Em verdade, não nos deixas definitivamente, não vais nos deixar, como não nos deixaram a Néia, a Bruna e o Valdir e outros dez, do acidente de ônibus em 2008 em Rondônia, nem nos deixaram a Bete e o Osmar, acidente em 2009 no Rio Grande do Sul, a Flávia, acidente em Goiás em 2011, todos companheiros de Movimentos e da Rede de Educação Cidadã. Ou o Agenor do Pará, que partiu cedo.
Semeamos palavras, semeamos idéias, semeamos sonhos. E estamos vivos contigo, Izabel e Derli Cassali, outro lutador, e tantos e tantas que nos deixaram muito antes da hora, e estupidamente, nos últimos tempos.
Choramos todos e todas, sim, e muito tua partida. Soube do acidente no sábado de manhã, véspera do Primeiro de Maio, quase chegando na Feira do Produtor em Venâncio Aires, interior do Rio Grande do Sul, onde meus irmãos, pequenos agricultores como tu, vendem os alimentos plantados e cuidados por suas mãos, assim como fazias. Contei para eles, que também são próximos do MPA. Não desesperamos. Não iremos esmorecer. Estamos vivos na tua presença e lembrança permanentes.
Saiba, Izabel, que faremos de tua memória nossa memória, do teu cansaço o nosso cansaço, de tua simplicidade a nossa simplicidade, da tua coragem a nossa coragem, do teu olhar o nosso olhar, das tuas certezas a nossa certeza, da tua doação a nossa doação. E na IV Ciranda da Rede de Educação Cidadã, agora no final de maio na Chácara do CIMI em Luziânia, Goiás, onde deverias estar carinhosamente presente, como nas Cirandas anteriores, discutindo, estudando, refletindo sobre a comunicação popular e a construção de Redes e vasos comunicantes entre pessoas, comunidades, movimentos, lutadoras e lutadores, vais estar, sim, presente, vais estar viva em nossos corações, almas, corpos e espírito.
Porque, como proclamou o Daniel ao mundo e a todas e todos nós, “como boa revolucionária aprendeste a te enrijecer (quando preciso), sem perder a ternura. Com isso, nunca hesitaste em sonhar e foste, e serás sempre, uma formidável semeadora de sonhos. Foste tu que de um tempo para cá me permitiste e me animaste a confiar e lutar por aquilo em que acredito, seguindo teu exemplo de doação plena e imprescindível. Combateste o bom combate e conservaste a fé em um mundo melhor, mais justo e igual. Não temeste os poderosos. Foste índia, cabocla, militante, camponesa, proletária, sonhadora, mulher, e definitivamente a maior revolucionária que conheci.”
Valeu, Izabel. As palavras do Daniel são as nossas palavras. Estarás sempre conosco, com o povo trabalhador de Monte Alegre, de Sergipe, do Nordeste, do Brasil e da América Latina.