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20.04.2011 - Artigo: "Paixão, morte e vida" (Selvino Heck)
Selvino Heck
Assessor Extraordinário da Secretaria-Geral da Presidência da República
Brasília, 14 de abril, quinta-feira de manhã, o prefeito Airton Artus, de Venâncio Aires, minha terra natal, interior do Rio Grande do Sul, telefona preocupado de Salvador, onde estava: “Aconteceu quase um terremoto em Venâncio. Uma chuvarada sem precedentes caiu hoje de manhã e inundou a cidade. Preciso saber como proceder, com quem falar no governo federal, para agilizar os procedimentos de calamidade pública que vou decretar”.
Por coincidência, no mesmo dia viajo ao Rio Grande e a Venâncio, onde estaria a ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos. Depois do ato, onde a ministra falou sobre a visão do governo da presidenta Dilma sobre os Direitos Humanos e prestou contas das ações das ações em andamento, meia noite, fui dar uma ‘geral’ na cidade para verificar ‘in loco’ onde estava a água e saber dos estragos e dos sofrimentos das pessoas e famílias.
Boa parte da cidade estava inundada. A água chegou a bater na porta da casa do próprio prefeito, que mora a centenas de metros dos locais mais críticos. Segundo as medições, em uma ou duas horas, a precipitação de chuva chegou a quase 200 mm, uma enormidade. Relatos dos mais antigos dão conta que algo semelhante aconteceu em 1974, quase 40 anos atrás, quando a cidade era muito menor. Árvores caíram, a água entrou em lojas e residências, lavouras foram devastadas, pontes destruídas. O prejuízo foi grande, além do susto e do sofrimento das pessoas verem seus bens sendo levados pela correnteza, de não poderem entrar dentro de casa durante a noite, o medo de outras tragédias que possam acontecer no futuro, etc.
17 de abril, procissão e missa do domingo de Ramos, sou convidado pelo pároco Pe. João Flesch, da paróquia Nossa Senhora dos Navegantes e pelo Pe. Rafael Backes para falar no sermão sobre a Escola Cristã de Educação Política, que realizava a primeira etapa do curso de formação política, promovido pelas dioceses de Cachoeira do Sul, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santo Ângelo, Cruz Alta e Uruguaiana. É a 12ª edição do curso. São cerca de 60 participantes – lideranças sociais e comunitárias, jovens, vereadores, vice-prefeitos - no salão paroquial de Sobradinho, Rio Grande do Sul e o tema central é análise de conjuntura e globalização.
Digo que a palavra política vem de ‘pólis’, palavra grega que significa cidade. A ‘pólis’ precisa ser cuidada. Todos precisam participar do seu cuidado. Política, portanto, é cuidar da cidade e prover o bem comum. Significa cuidar das crianças, do povo, da comunidade, dos jovens, da natureza, das relações entre as pessoas, do bem-estar de todas e todos.
Política não inclui apenas a política partidária, a parlamentar ou a governamental. Política também é a política comunitária, a estudantil, a eclesial, a social, a cultural. Todos aqueles que se preocupam com o bem comum fazem política e são políticos. Em tempos de crise econômica, crise ambiental, crise de valores no mundo, é mais que hora da política voltar a ocupar seu espaço e afirmar-se como prática e valor, no seu sentido mais alto e nobre, no sentido de quem cuida da ‘pólis’, no sentido de quem cuida da esperança e do futuro.
As árvores que caíram em Venâncio Aires caíram em muitos outros lugares nos últimos tempos, seja pela chuva, pelas enchentes, pelos tsunamis e terremotos, seja pela devastação humana dos que derrubam florestas apenas por lucro e ganância, ou dos que não cuidam dos córregos, dos que poluem e enfumaçam o ar, dos que se atiram ao consumo desenfreado e sem limites. Os bens que foram perdidos pelas famílias de Venâncio também foram perdidos por milhares ou milhões como conseqüência da crise neoliberal que levou ao desemprego, ao empobrecimento da população, principalmente nas nações mais ricas do mundo. No caso de Venâncio, felizmente não se perderam vidas, como em tantos outros lugares e acontecimentos nos últimos tempos.
Estamos na semana da Paixão. No sermão, Pe. Rafael disse que Jesus foi perseguido e assassinado porque queria a vida, o que o sistema político e religioso da época negava à maioria do povo. Morreu na cruz porque pregou o amor, a verdade, o Reino. O sistema econômico, político – estão aí as guerras – e religioso do mundo de hoje também muitas vezes leva à morte quem prega a vida, quem luta pela igualdade, quem quer a democracia.
Jesus não morreu definitivamente. No domingo de Páscoa, houve a passagem e a Ressurreição. Sua mensagem permanece viva e atualíssima, cortante na sua verdade e proposta de justiça. As águas que se abateram sobre o Rio Grande na quinta-feira e sobre tantas comunidades, pessoas e lugares recentemente, são sinais de morte. São enxurradas que trazem destruição, dor, sofrimento. A água, para quem tem sede, para quem planta, sempre, é sinal de vida. Não está sendo, não tem sido. Se soubermos ler os avisos das águas que caem aos borbotões, despencam como cachoeiras, atravessam galpões, estradas, casas e lavouras e levam tudo junto, podem ser sinais de que é urgente buscar a vida e a ressurreição. E que os caminhos escolhidos, as opções econômicas feitas, os valores vividos ultimamente pela humanidade só trazem paixão e morte, e não levam à passagem, ao domingo de Páscoa.
Cuidar de homens e mulheres, cuidar dos seres vivos, cuidar do ar, cuidar do planeta, como bem diz a Campanha da Fraternidade/2011 – “Fraternidade e a vida no Planeta - A criação geme em dores de parto” – é urgente, necessário, imprescindível. É o caminho do amor, da paz, da justiça, do bem viver.
Feliz Páscoa a todos e todas.