Notícias
01.04.2011 - Artigo: "Histórias e história" (Selvino Heck)
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Idos dos anos 60 do século passado, na pequena Santa Emília, Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, eu quase guri, ouço um nome estranho: JAC – Juventude Agrária Católica. As reuniões dos agricultores aconteciam na cancha de bocha do meu tio Affonso Reckziegel. Participei de algumas reuniões, não entendia muito bem aquilo. Depois, não sei se por ter ido para o Seminário dos franciscanos em Taquari, mas nunca mais escutei falar da JAC naqueles tempos, só muito tempo depois, passado tudo, outra época. Tudo estava virando história.
Corta. 11 de março de 2011. Sou convidado nos 31 anos do PT de Lajeado, Rio Grande do Sul, para um debate na Câmara de Vereadores: “Da Fundação à Institucionalidade.” (Re)encontro amigos e companheiros de longa data e um bocado de novos. Encontro, especialmente dois, Zildo e Iolanda Giasson, que me presenteiam com um livro: “Em Busca de novos Caminhos – Experiências vividas nos Anos de Chumbo”.
O livro conta a história do ‘Movimento’, “que, no nosso linguajar, identificava a organização política surgida no ano de 1969, evolução da Juventude Agrária Católica (JAC), um agrupamento ligado à antiga Ação Católica Brasileira. A experiência, cujos largos traços procuraremos descrever, teve uma duração de 20 anos, uma vez que sua dissolução deu-se no final de 1989. Os autores da obra coletiva são pessoas que quiseram expressar-se, exteriorizar seus sentimentos, contar o que representaram para eles todos aqueles anos de sua juventude dedicados ao trabalho político, apresentando um balanço do que, a seu ver, significou a experiência em comum. Isto o fizeram à sua maneira, com as limitações impostas por sua forma espontânea, mas sincera de ver e analisar os fatos, que tiveram enorme influência em suas vidas.”
Da JAC surge o MER – Movimento de Evangelização Rural –, na intenção de manter o Movimento ligado à estrutura da Igreja, expressando sua nova composição social, não mais restrita a jovens. Resistiram à ditadura, organizaram os agricultores para lutar por seus direitos, e construir uma nova sociedade.
Corta de novo. 24 de março de 2011, Auditório Dom Hélder Câmara, sede da CNBB, Brasília: comemoração dos 50 anos do MEB – Movimento de Educação de Base, com a presença de D. Geraldo Lyrio, presidente da CNBB, D. Augusto Alves da Rocha, Presidente do MEB, do Secretário-Executivo do MEB, Pe. Virgílio Uchoa, autoridades, convidados, educadores e educandos.
Fundado em 21 de março de 1961, o MEB há 50 anos realiza ações diretas de educação popular em diversas áreas do país em que os indicadores socioeconômicos revelam situação de pobreza e índices sociais abaixo de desejados. A missão do MEB é “contribuir para a promoção humana integral e a superação da desigualdade social, por meio de Programas de Educação Popular Libertadora”. Seus valores são: “Articulação com os diversos setores da sociedade; valorização das pessoas; comprometimento; excelência operacional; impacto social”.
Pe. Virgílio, em sua fala e reflexão, lembra: “Há 50 anos os desafios impostos pela realidade nacional já apontavam para a superação da fome e da miséria e para a necessidade de democratização do acesso à educação, buscando instruir jovens e adultos sem escolarização para incluí-los nos processos da construção da democracia brasileira, tanto como beneficiários quanto como protagonista.”
Mais que isso, diz Pe. Virgílio: “O nosso método de educação de base popular é inédito. Visa à educação libertadora com a inclusão social. O MEB está bem próximo das Pastorais e Organismos Sociais. As pessoas excluídas e não alfabetizadas, através de uma ação pedagógica, aprendem não apenas a ler e escrever, mas a pensar a sua própria vida e a agir como atores sociais, capazes de sair de sua injusta situação na busca da autonomia pessoal e de suas comunidades. O método Ver – Julgar – Agir, da Juventude Operária Católica – JOC, aliado aos sábios ensinamentos do educador Paulo Freire, mestre na superação das desigualdades sociais através da instauração de dignidade dos cultural e socialmente oprimidos, é o maior patrimônio do MEB nestes 50 anos de existência.
Os processos educativos de alfabetização preconizados por Paulo Freire e continuados por inúmeros agentes e instituições, entre os quais se coloca o MEB, possuem como meta a redução das desigualdades sociais mediante a conscientização e envolvimento das pessoas que, historicamente, estiveram nas margens da sociedade. São processos de educação popular com o objetivo de libertar os excluídos, ampliando os seus horizontes de visão ao capacitá-los a serem agentes de transformação da realidade do mundo onde estão inseridos.”
Histórias e História. JAC, JEC, JOC, JUC, o MER, o MEB sofreram os rigores da ditadura e a falta de democracia nos anos de chumbo. Mas resistiram: ajudaram a organizar e conscientizar os trabalhadores e os excluídos, formaram muitas lideranças nas pastorais, no campo sindical, nos movimentos sociais e populares, na vida política e partidária. Sobreviveram, alguns com o mesmo nome, outros avançaram para pastorais como a Pastoral Operária, Pastoral Universitária, a CPT – Comissão Pastoral da Terra –, as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base –, engrossaram movimentos sociais como o MST, organizações sindicais como a CUT, ajudaram a formar partidos de esquerda como o Partido dos Trabalhadores.
E descobrimos, os presentes no ato comemorativo, que a proposta de educação popular como política pública, hoje defendida pela Rede TALHER de Educação Cidadã (RECID), parceira e de certa forma continuadora e/ou ampliadora do MEB, já aconteceu nos idos dos anos 60, quando “os recursos financeiros públicos estavam garantidos pelo Decreto Presidencial que institucionalizou o Movimento (MEB)”.
Foram duas noites gloriosas.Vale a pena ler “Em busca de novos caminhos – Experiências vividas nos Anos de Chumbo” e conhecer a história do ‘Movimento’ – Movimento de Evangelização Rural (MER) – Zildo, Iolanda e os autores contam “a intensa luta pelos nossos ideais, pela transformação da sociedade. É uma memória, um legado para nossos filhos e netos...”. E para todas e todos nós.
Vale a pena conhecer e saborear a história do MEB. As sementes lançadas há 50 anos, regadas e alimentadas por 50 anos, estão aí, vivas, presentes, com seus frutos. Como bem falou Pe. Virgílio Uchoa, “trata-se de não deixar morrer a chama de compaixão pelos homens e mulheres, ainda oprimidos, e de colocá-los no centro de projetos e serviços organizados.” Educadores para toda a vida.