Notícias
18.03.2011 - Artigo: Dores de parto (Selvino Heck)
Assessor Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República
Os últimos 20 anos de loucura no mundo e no planeta terra estão cobrando seu preço. Basta citar a tragédia no início do ano no Rio de Janeiro, os alagamentos crescentes em São Paulo capital, a tragédia em São Lourenço, Rio Grande do Sul, o tsunami e terremoto no Japão com a desestabilização das usinas nucleares, as chuvaradas e tempestades cada vez mais presentes no Brasil inteiro. Milhares de desabrigados, muitas mortes, muitos prejuízos materiais, muita dor, tristeza e sofrimento. E dúvidas e perguntas sobre o futuro do planeta e da humanidade.
De repente, parece que os terremotos, a água e suas consequências começaram a entrar nas nossas casas e mentes. Todo dia e o dia todo, na televisão, nos jornais, na Internet, nas casas, nas escolas, no ambiente de trabalho, a preocupação cresce. É preciso, porém, olhar mais longe e fundo, ir às causas e à raiz dos problemas e acontecimentos, para poder ver futuro e esperança.
É o que fazem a Assembléia Popular, que acaba de trazer à luz a publicação “Projeto Popular para o Brasil – Na Construção do Brasil que queremos” e a Campanha da Fraternidade/2011, com o tema Fraternidade e a Vida no Planeta e o lema A Criação geme em Dores de Parto (Rm 8, 22).
Diz o texto da Assembléia Popular: “O sistema capitalista tem seu foco no lucro e na ideologia do progresso sem fim, sem limites. A propriedade privada, tanto do trabalho humano quanto da natureza, está na raiz dos impactos destrutivos do capitalismo. A terra está em processo de aquecimento e isto se deve ao modelo de desenvolvimento dominante, baseado na produção de mercadorias e na promoção de seu consumo. Em outras palavras, o capitalismo, na sua busca insaciável por lucro, por meio da apropriação de conhecimentos e da exploração do trabalho humano e dos bens naturais, tem provocado um desequilíbrio ecológico cada vez maior.”
O texto-base da Campanha da Fraternidade alerta para “a vida e suas dores no contexto do aquecimento global: a biodiversidade ameaçada, o escândalo da miséria e do aquecimento global, o êxodo rural como êxodo da natureza, a problemática da falta de água, a comunidade mundial e as mudanças climáticas, a sustentabilidade como paradigma de um novo paradigma civilizacional”. Sob o título ‘da ética e do egotismo à ética do cuidado’, reflete: “A publicação do 4º relatório do IPCC (fev/2007) contribuiu para a tomada de consciência de que o atual aquecimento global e as mudanças climáticas em curso, não são apenas ‘um desastre natural, foram causados por homens’, ao desenvolverem um sistema econômico que agride a vida no e do planeta, e ‘já sacrificou muitas vidas, espécies e ecossistemas. O caminho tende à catástrofe planetária e podemos ir ao encontro do destino dos dinossauros’. Dessa maneira, a atual crise ecológica coloca os propositores e mantenedores deste sistema em xeque. Trata-se de um sistema que exilou a ética da responsabilidade e do cuidado do âmbito de várias dimensões da vida, e fez que a estruturação e justificação de tudo que constitui o arcabouço de civilização atual tenha como âncora o imperativo do lucro e coloque as ciências e a própria vida a seu serviço.”
Os acontecimentos das últimas semanas alertaram todos e todas nós e o mundo inteiro. Há urgência de ações , em nível micro e macro, ações individuais e coletivas, ações de governo e da sociedade. O objetivo geral da Campanha da Fraternidade é de “contribuir para a conscientização das comunidades cristãs e pessoas de boa vontade sobre a gravidade do aquecimento global e das mudanças climáticas, e motivá-las a participar dos debates e ações que visam enfrentar o problema e preservar as condições de vida no planeta”. E lembra São Francisco: “Resgatar São Francisco neste contexto de nossas relações com as criaturas da natureza significa valorizar suas atitudes. Primeiramente, a pobreza, que neste santo significou a não-posse, reverteu-se em redenção para as criaturas, e lhe possibilitou pelo olhar contemplativo alcançar o que eram realmente, a ponto de lhes chamar de irmãs e irmãos. A razão é simples. Em última análise este olhar purificado de poder e lucro revela que as criaturas são dom de Deus e também portam sinais do Criador”.
Para a Assembléia Popular, é preciso construir um outro projeto de desenvolvimento e de sociedade: “O Projeto Popular é um processo vivo. Sua efetivação como projeto de poder só será possível por meio das batalhas, travadas desde agora, por lutadores e lutadoras do povo, das diversas regiões e biomas deste país, do campo e da cidade, negros, brancos, indígenas e quilombolas, ribeirinhos, jovens, entre tantas outras mãos trabalhadoras”. Para a Assembléia, “o Brasil (e o mundo) que queremos deve ser construído tendo presente que a vida depende dos ambientes favoráveis à vida, criados pela Terra em sua longa história. Cabe aos seres humanos reconhecer, por isso, os direitos da Terra e assumir seus deveres em relação a eles. Ao dar este passo, o povo brasileiro quer dar sua colaboração com as mudanças profundas que devem ser feitas com urgência, para que as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global não agravem as condições de vida no Brasil e na Terra como um todo”.
O tempo chegou, e é urgente. É como a criança que, depois de nove meses, não pode mais esperar para ver a luz do sol e partilhar a alegria de viver. As dores da mãe são muitas e fortes. Mas a esperança no ventre é maior que qualquer sofrimento. É preciso nascer, é preciso dar à luz. Assim como ele ou ela enfeitam a manhã e a vida do pai e da mãe, dão-lhe novo sentido, fazem crescer a partilha e o amor, um novo projeto de desenvolvimento e um novo modelo de sociedade, baseados numa economia solidária e em valores diferentes dos valores do capitalismo neoliberal, são urgentes, necessários, imprescindíveis. Não há mais como esperar, dizem a Assembléia Popular e a Campanha da Fraternidade. É preciso engajamento, vontade política, mobilização social, conscientização para construir o amanhã baseado no bem viver e na solidariedade. Senão as tragédias continuarão caindo sobre nossas cabeças, tirando vidas, ameaçando a humanidade e destruindo o futuro.
As dores de parto não permitem mais esperar e adiar uma nova vida que teima em nascer.