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10.03.2011 - Artigo: "Conhecer para transformar" (Selvino Heck)
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Tive a oportunidade de participar de um Seminário promovido pela Rede de Educação Cidadã (RECID) do Distrito Federal e pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST) do governo local, num aqueles estranhos endereços, para um gaúcho forasteiro como eu, da capital federal, Brasília: Quadra, Superquadra, Setor de Clubes, Setor de Mansões, Hotéis, Farmácias, Bancos, etc., Lote tal, Conjunto tal, Bloco tal, etc. Nada de ruas e avenidas com nomes, número de casas e edifícios, como é para o comum dos mortais de qualquer lugar do Brasil. O Seminário aconteceu numa cidade-satélite, o Guará 1.
Mas o mais estranho e surpreendente foi outra coisa. O painel de debate estava marcado para as 9h30m de uma manhã de domingo, trânsito nada complicado e os painelistas, todos integrantes do primeiro ou segundo escalão do governo do Distrito Federal, não chegavam. Um a um, invariavelmente, ao justificar o atraso, confessaram que não achavam o local. Conheciam pouco ou nada o Guará 1, sendo que o evento era realizado em local público, Centro de Capacitação da SEDEST. O motorista da Presidência que me levou ao local também se perdeu. Foi necessário telefonar para buscar o local exato e saber como chegar.
O Seminário, o segundo, tinha como tema EDUCAÇÃO POPULAR ORIENTANDO A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, com presença membros do governo federal, do GDF de movimentos sociais. O objetivo, para os próximos quatro anos é atingir 100 mil famílias do Distrito Federal, cerca de 400 mil pessoas, que recebem o Bolsa Família ou recebem outros benefícios de transferência de renda do governo federal e do governo da capital federal, de acordo com a prioridade da presidenta Dilma de combate à extrema pobreza. Este é o número de pobres ou miseráveis de Brasília. E não estamos falando de uma capital ou cidade grande do Nordeste, mas sim da principal e mais rica cidade brasileira.
É preciso saber quem são essas 400 mil pessoas, onde moram, saber quais são suas necessidades mais imediatas, como vivem e sobrevivem. A educação popular, na metodologia de Paulo Freire, sempre parte da realidade, da vida, do que as pessoas pensam, dos seus problemas, dos seus valores, nunca da teoria. Abre-se um diálogo e uma reflexão com pessoas e comunidades: descobrir as causas da pobreza, porque ela acontece, quem são seus responsáveis, como ela aconteceu na história. A partir daí, acontece uma construção coletiva, através da organização das pessoas e comunidades, na consciência de sair de sua situação e pode estabelecer-se a parceria entre governo e sociedade. Discute-se um modelo de desenvolvimento que não produza mais pobreza e miséria e visualiza-se um projeto de sociedade solidário, com justiça social e igualdade.
O Governo do Distrito Federal, através de diferentes secretarias e órgãos, presentes no Seminário, como a Secretaria de Governo, a de Educação, o Orçamento Participativo e a própria Secretaria de Desenvolvimento Social, propõe a construção de uma proposta que respeita o saber do povo, com ele constrói as políticas públicas e programas, com o povo e as comunidades organizadas e conscientes abre o diálogo. Não se quer fazer nada de cima para baixo, muito menos de forma assistencialista ou clientelista.
Como falou o Janjão, do MST, representante dos movimentos sociais no painel, é preciso fortalecer o protagonismo popular, incentivando a cidadania ativa, a construção de sujeitos de direitos e a autonomia de pessoas e comunidades na busca de uma vida digna. Os governos devem ser parceiros desses processos, para a construção de uma sociedade democrática, solidária e com igualdade social e econômica.
Daniel Seidel, Secretário Adjunto da SEDEST-GDF, falou que a organização do povo quase foi destruída nos últimos anos em Brasília. Sobraram, felizmente, alguns focos de resistência, a serem resgatados e (re)fortalecidos. Por isso, a participação popular, com o Orçamento Participativo e demais políticas, não será um passeio. “Não se muda o andar de uma carroça como essa facilmente e em pouco tempo. Por isso, é preciso criar fóruns sociais nas cidades, estimular a participação social, fazer processos formativo-educativos nos valores da educação popular, para que a população veja resgatada sua auto-estima e sinta-se participante e construtora dos processos e estabeleça uma parceria governo-sociedade baseada na democracia, no respeito e na construção coletiva.”
A Rede de Educação Cidadã-DF, que nacionalmente está na Secretaria-Geral da Presidência da República, com seus educadores e educadoras, suas lideranças sociais e comunitárias, a maioria delas voluntárias, por isso participantes e colaboradores compromissados com as causas populares, especialmente do povo mais pobre e dos trabalhadores, coloca-se a serviço e busca contribuir com esta caminhada generosa, plena de sonhos de construir o novo e o diferente, de resgatar a dignidade do povo que tanto sofre, mas que sempre vive na esperança e na luta por um mundo e uma sociedade melhores.
Conhecer e transformar são exigências recíprocas, já dizia Paulo Freire. Mais que conhecer a geografia e chegar nos lugares certos na hora prevista, é preciso conhecer rostos, endereços, casas, a ausência de esgoto, a falta de alfabetização, o desemprego, as doenças das crianças, as perspectivas dos jovens, o cansaço dos idosos, como também desejos, valores, sonhos, para transformar. Transformar, sim, ruelas, becos, áreas de risco, mas sobretudo transformar vidas, sonhar a liberdade, reviver e criar utopias. Um pouco de tudo isso está (re)nascendo no Distrito Federal, na capital de todas as brasileiras e brasileiros.