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04.03.2011 - Artigo: "Salvar o mundo" (Selvino Heck)
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria-Geral da Presidência da República
da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
Dia 15 de fevereiro Fidel Castro reuniu-se com meia centena de intelectuais cubanos e estrangeiros por mais de cinco horas e lhes pediu que ‘salvem’ o mundo e a espécie humana. Fez um apelo para que o grupo assuma um papel ativo diante de problemas ameaçadores como uma eventual guerra nuclear, as crises de alimentos provocadas pelas mudanças climáticas e a fome. Dirigiu o pedido aos intelectuais em nome da humanidade.
Fidel insistiu na necessidade de salvar a humanidade, ameaçada pelas ‘colossais energias que os cientistas foram capazes de pôr nas mãos do homem’ e pela própria capacidade autodestrutiva do ser humano. Não se trata de salvar a humanidade em termos de séculos ou de milênios: é preciso começar já. “Se alcançarmos que os intelectuais compreendam o risco que estamos vivendo neste momento, em que a resposta não pode ser adiada, talvez consigam persuadir as criaturas mais auto-suficientes e incapazes que já existiram: nós, os políticos.”
Fidel também abordou as revoltas populares ocorridas no Egito e na Tunísia, definindo o ex-presidente Hosni Mubarak como ‘um grande estrategista’ para esconder dinheiro, enquanto 80% dos egípcios vivem na pobreza.
Segundo o jornal Valor Econômico (Eu&Livros;, 22.02.11, p. D10), Fidel não defendeu o socialismo.
Contudo, apesar de todos os apelos, Fidel declarou-se otimista e disse acreditar na preservação da vida humana.
Todos os que somos lutadores da paz e da justiça e assumimos as causas do povo, especialmente dos mais pobres e trabalhadores, concordamos, em maior ou menor grau, com Fidel, sua análise e preocupações. O mundo do terceiro milênio e do século XXI, recém começados, está revelando algumas surpresas, já na sua primeira década.
Por um lado, o capitalismo neoliberal, que parecia triunfante e invencível, está mordendo os próprios calcanhares à busca da sobrevivência. Não consegue sair da crise que ele mesmo criou. Países mais pobres, como os da América do Sul, são os que vêm buscando e construindo projetos e modelos econômico-sociais alternativos, com valores anticapitalistas, ou modelos não necessária e exclusivamente de mercado. E estão se saindo melhor, apontando caminhos novos, diferentes, com apoio e participação popular, com distribuição de renda, com democracia cada vez mais ampla, o que antes nunca acontecera na sua história. Pelo contrário, estes países e seu povo sempre serviram de bucha de canhão das elites locais e internacionais, ou eram meros depositários de riquezas que não usufruíam.
Por outro lado, as mobilizações nos países árabes, contra ditaduras e monarquias sustentadas por décadas pelos países hegemônicos na cena mundial e a favor da democracia, revelam tanto a insensatez de um mundo onde poucos mandam em tudo, quanto as fraquezas de uma ordem econômica onde o petróleo é mercadoria que pode mexer com dominações seculares, com controles econômicos, com instabilidade monetária em escala mundial e muitas coisas mais. Este mesmo petróleo que é o principal responsável pelas mudanças climáticas e fonte de mando de poucos, governos, empresas e países, sobre muitos.
Há um perigo concreto que, à crise econômica em curso, some-se a crise do petróleo e da energia. Abrem-se, assim, pelos menos duas possibilidades. Uma alertada por Fidel: a guerra, talvez nuclear, em meio à busca desesperada pela manutenção do poder e da riqueza, misturada à insensatez de um mundo dependente de uma fonte energética que poucos possuem no fundo da terra ou do mar.
A outra possibilidade é que a consciência, não só de intelectuais, mas das pessoas que querem justiça e liberdade, do povo organizado, leve a uma nova conformação política e socioeconômica internacional, guiada por novos atores e outros valores que não os do capitalismo usurpador da liberdade, que se move à base do egoísmo, da depredação ambiental e do acúmulo desmedido de bens de poucos, enquanto milhões e milhões vivem na miséria, sofrem a fome.
O tempo e a ação humana decidirão que caminhos serão efetivamente trilhados, se os da paz, se os da valorização do homem e da natureza, da harmonia do ser humano com o planeta, se o bem-viver indígena que, agora, mais que nunca, adquire sentido e pode mobilizar mentes e corações, ou não.
Estamos mesmo numa encruzilhada. Fidel tem razão. É preciso agir. O Movimento Fé e Política está preparando seu 8º Encontro Nacional em Embu das Artes, São Paulo, em 29 e 30 de outubro, com o tema POR UMA SOCIEDADE DO BEM VIVER: sabedoria, protagonismo e política. A convocação é geral: não só para debater e criar consciência, mas colocar a mão na massa, lutar junto, num sentido comum. Em cada comunidade, em cada país, em escala planetária.