Aprendendo a Exportar
Os Conturbados Anos 1930
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As Trocas Comerciais nos Cenários Internacional e da Modernização Varguista na Década da Grande Depressão (Os Conturbados Anos 1930) 1931 – 1940 O comércio internacional nos anos 1930, sempre é bom lembrar, é duramente marcado por um acontecimento súbito e aparentemente imprevisível. Em 24 de outubro de 1929, a chamada quinta-feira negra, ocorre uma abrupta e inesperada queda dos preços na Bolsa de Valores de Nova York, decorrente da oferta alarmante de cerca de 70 milhões de títulos, que não encontram compradores. As cotações das ações despencam. A evaporação de US$ 18 milhões perfaz o cálculo das perdas. Na segunda-feira, os preços voltam a cair drasticamente. No dia 29, a terça-feira seguinte, a crise de confiança se generaliza e a bolsa quebra. Milhares de acionistas vêem-se da noite para o dia na bancarrota. Inicialmente, tida pelos especialistas de então como acidental, uma crise de créditos, que estoura nos Estados Unidos face a um superaquecimento especulativo – supercotação dos valores dos títulos – gera expectativa geral que pode vir a ser debelada em curto prazo, bastando enxugar os valores da excessiva especulação para sanear o mercado. Afinal, ao longo do século XIX, a quase regularidade das crises econômicas sugeria a tese que essas fazem parte do próprio sistema capitalista. Historicamente, entretanto, essa é uma crise que vai se mostrar diferente das ocorridas no século anterior, face as dimensões da sua duração, extensão e repercussão. A crise, na realidade, constitui-se de dois choques: o craque da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, e a Grande Depressão, que se instala no período de 1929 a 1932 e, ainda, segundo muitos especialistas, ocorre devido a políticas equivocadas para combatê-la. A onda depressiva que se propaga até 1932 atinge diversos setores da economia norte-americana. Face à interdependência econômica estabelecida desde a Primeira Guerra Mundial entre os Estados Unidos e países europeus, contrariamente a crises anteriores, ocorridas em um tradicional contexto de isolamento daquela economia, a chamada crise de 1929 expande-se, de forma sem antecedentes, para o Velho Continente e pelo mundo afora. Depois da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos têm a economia mais robusta do mundo, fortalecida, inclusive, por ter podido lucrar com os negócios no período bélico. Após o conflito, registra-se uma fase de prosperidade e euforia em sua sociedade. O estilo de vida norte-americano, fomentado pelo fordismo, taylorismo e produção diuturna, é estimulado, nos anos 1920, por créditos de consumo para expandir o mercado interno e aplicar parte do capital excedente gerado no âmbito do conflito mundial. Mas, isso se dá em um contexto especialmente paradoxal. Um exemplo representativo do boom do consumo e desequilíbrio do mercado expressa-se no fato da fabricação de automóveis ter dobrado no período de dois anos (1927-1929), tornando a produção muito maior do que a capacidade de absorção do mercado. À população é proporcionado o consumo, em larga escala, de novos bens como rádio, geladeira, automóvel, câmara fotográfica e o sonho da casa própria. O crédito fácil leva as pessoas a se endividarem. Nesse cenário, especulações nas bolsas são frequentes, na busca de ganhos fáceis e rápidos, inclusive na crença de poder saldar os débitos com os lucros da bolsa. O mecanismo para a espiral da crise vai sendo montado. No meio rural observa-se, também, o fenômeno da superprodução. Os agricultores se endividam, hipotecam suas propriedades, para custear o armazenamento das safras; forma de conter a oferta na esperança de manter os preços internacionais. Mais fatores que vão se concatenar em série se anunciam. Por outro lado, Os Estados Unidos colaboram na reconstrução da Europa com consideráveis empréstimos; meio pelo qual mantinham, também, sua economia aquecida ao assegurar suas exportações para aqueles mercados. A Alemanha, que fora socorrida por aportes de capital norte-americano para concretizar seu plano de recuperação, em 1924 (Plano Dawe), é um dos países que mais recebe investimentos norte-americanos, tanto de curto, como de longo prazo. Com os empréstimos norte-americanos, de longo e curto prazo, os países europeus financiam, principalmente, instalações modernas de produção industrial, que deveriam proporcionar lucros para que os débitos fossem quitados e que terminam por lançar no mercado produtos que concorrem com os norte-americanos. Os entrelaçamentos entre a economia norte-americana e de muitos outros países são densos como nunca dantes. Observa-se, então, que não somente a economia norte-americana encontra-se superaquecida. A própria economia mundial registra uma conjuntura de superprodução industrial e agrícola decorrente, substancialmente, da recuperação das economias das potências europeias e da produção proveniente dos novos países surgidos no Pós Primeira Guerra. Ao mesmo tempo, a tendência dos custos, em alta desde 1895, aponta sua seta para baixo. Os preços dos produtos primários e agrícolas (produtos, também, com produção em alta) despencam e atingem em cheio as economias dos países agrários exportadores como o Brasil. Assim, outros fatores que reforçarão a crise vão sendo gestados. Com a conjuntura política desfavorável em alguns países europeus, mormente na Alemanha, os Estados Unidos repatriam parte considerável de seu capital, o que agrava a instabilidade naqueles países e diminui as importações de produtos norte-americanos. Diminuem, assim, os créditos externos norte-americanos e as importações de suas mercadorias. Os investidores dos Estados Unidos procuram, então, vender suas ações, fato que acentua a queda das cotações. Mais investidores tentam vender seus títulos com medo de não poderem honrar seus créditos. As cotações caem mais ainda. O pânico se instala. As cotações desmoronam. Os créditos no exterior são repatriados. A Europa é atraída para a crise. A situação entra em espiral. Diversos fatores, muitos dos quais surgidos de forma independente, se conjugam, acentuando ainda mais a crise, que atinge os mais distintos setores da economia de vários países. Instala-se uma onda de estagnação da produção com demissões, aumento do desemprego, que contém ainda mais o mercado consumidor. Falências de indústrias, bancos, casas comerciais, pessoas físicas compõem o cenário. A situação de calamidade se mundializa, sua intensidade atinge de forma diferenciada os diversos países – mais a uns do que a outros. Seus efeitos sociais são catastróficos. O período de prosperidade da economia norte-americana sofre uma descontinuidade e deslancha a já aludida Grande Depressão econômica dos anos 1930. A crise mundial ganha contornos trágicos e é considerada a pior e mais longa recessão econômica do século XX. O republicano Herbert Clark Hoover exercia há poucos meses a presidência dos Estados Unidos (1929-1933) quando a Bolsa de Nova York estourou. Todo seu mandato se passa sem que ele consiga debelar a crise. Não obstante, toma uma medida polêmica que é associada por alguns economistas ao agravamento da crise, ao contrário de atenuá-la; tese que é contestada por outros tantos especialistas. Em junho de 1930, firma a célebre Lei de Tarifas Smoot-Hawley, que aumenta unilateralmente os impostos de mais de 10 mil produtos. Essa lei eleva o nível médio dos direitos aduaneiros de 38% para 55%. Uma das intenções é aumentar a demanda interna por bens domésticos. O protecionismo comercial exacerbado fora introduzido sob diversos argumentos, inclusive o de proteger a indústria nacional. A forte taxação das importações deveria, também, ampliar a base tributária e com isso contribuir com fundos para os gastos públicos, tão imprescindíveis para o país sair da crise. A natureza altamente protecionista da Lei de Tarifas Smoot-Hawley passa a percepção para os parceiros comerciais dos norte-americanos de uma política extremamente discriminatória. A retaliação à mesma não tarda. O Reino Unido, a França, Suécia, Holanda, Áustria, Bélgica, dentre outros países, resolvem discriminar, também, os produtos norte-americanos e introduzem medidas de contrapartida como cotas compensatórias. Essa reação passa a ser chamada de Little Real Retaliation Policy. Um efeito direto advindo desse embate vem a ser a retração das trocas comerciais, a exacerbação do nacionalismo econômico com apelos para o consumo do que fosse nacional. Na Alemanha, o que fosse made in Germany, na França o que fosse made in France, nos Estados Unidos o que fosse made in USA, etc. Outro efeito dessa conjuntura protecionista é o fato da retração das exportações ter dificultado a formação de reservas monetárias e, por conseguinte, contribuído para a contração monetária dos principais parceiros comerciais norte-americanos. Sem reservas monetárias, muitos países chegam a estabelecer trocas comerciais diretas, a exemplo da Alemanha. Barreiras alfandegárias e contingenciamentos se proliferam. Saídas bilaterais se multiplicam. O comércio internacional entra em profunda depressão. Em 20 de junho de 1932, o presidente Hoover declara suspensas as obrigações de pagamentos internacionais por um ano, medida esta conhecida como Moratória Hoover, que vigora a partir de 6 de julho, contra a opinião da França. Sem entrar no mérito das intenções presidenciais, fato é que, na prática, fica suspenso o pagamento das reparações da Alemanha às potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial (essas reparações estavam previstas no Plano Young, de 1930, para serem pagas, em grande parte, mediante divisas, retroativamente a partir de setembro de 1929 até 1988, em anuidades de cerca de dois bilhões de Marcos). Também, fica suspenso o pagamento das dívidas da Guerra entre os próprios aliados. A Inglaterra e a França, por exemplo, tinham contraído empréstimos com os Estados Unidos durante a Primeira Guerra e saldavam suas obrigações com os recursos advindos dos pagamentos das Reparações. Essa situação se oficializa no fim do verão de 1932, no Hemisfério Norte. Uma comissão de especialistas se reúne em Lausanne para debater sobre as questões da crise econômica e chega a conclusão que a Alemanha não tinha nenhuma condição de arcar com o pagamento das Reparações e resolve pôr termo às mesmas, mediante um pagamento simbólico. Os Estados Unidos não acatam medida semelhante em relação às chamadas Dívidas da Guerra entre os aliados. Escudadas na decisão referente à Alemanha, de onde provinham os recursos para esses pagamentos, até hoje a França e a Inglaterra se negam a saldar aqueles compromissos. As percepções sobre as principais causas da crise, no geral, e especialmente as consoantes à Grande Depressão do início dos anos 1930, estão longe de um consenso. Contrariamente, constituem verdadeira celeuma. Sem embargo, todas elas citam as consequências econômicas da Primeira Guerra Mundial, particularmente às relativas às reparações e às dívidas da guerra, e as políticas monetárias, fiscais e comerciais adotadas pelos países para tentar estancar o alastramento da crise, mas que teriam retroalimentado a espiral depressiva. Observa-se, de um modo geral, que essas interpretações muitas vezes não podem ser desassociadas das posições políticas ou ideológicas de seus formuladores. A historiografia registra, também, que outros fatores, além dos de natureza econômica, estavam em marcha, alguns bem antes da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, e vão compor o cenário da conjuntura dos anos 1930, a exemplo da crise das instituições representativas, haja vista a assunção ao poder de Benito Mussolini na Itália, em 1922. As forças sociais conquistam gradativamente mais espaço. De uma forma generalizada, os trabalhadores adquirem o direito de se organizarem em sindicatos e associações. A chamada causa operária ganha alento com a vitória da Revolução Russa de 1917. Surgem novas ideologias de direita, como o fascismo e o nazismo. Por tudo isso, pode-se dizer que o ano de 1929 representa um marco histórico. De 1925 até o eclodir da crise em 1929, praticamente, as principais economias do mundo encontravam-se em uma fase de aparente prosperidade; e, não mais do que de repente esse mundo desaba. Os anos de 1929 a 1933 são de aguda crise mundo afora com aumento dos juros reais, contração da renda, aumento do nível de desemprego, deflação (especialmente no setor agrário), desvalorização das moedas, desequilíbrios nos balanços de pagamento. Como consequência, tem-se o desmoronamento do sistema financeiro internacional, do sistema monetário internacional (que vê fracassar todas as tentativas de restabelecimento do padrão-ouro-libra, ao longo da década de 1920), do sistema de trocas comerciais, inclusive com a paralisação da frota mercante. Sem embargo, um dos setores mais atingidos pela Grande Depressão foi o do comércio internacional, que simplesmente entra em colapso. Alguns indicadores ilustram esse quadro: em relação aos dados de 1929, as trocas mundiais de mercadorias atingem seu ponto mais baixo no ano de 1932, com uma redução de 25% do volume e de 56% do valor em preços-ouro. Em plena fase de recomposição, no ano de 1936, os indicadores ainda não se igualam aos de 1929 (isso só vai ocorrer no início dos anos 1950): o volume apresenta uma recuperação que perfaz um percentual de 85% e o valor 37% do nível de 1929 de antes do craque da bolsa. Essa conjuntura começa a mudar tanto nos Estados Unidos como na Europa, particularmente na Alemanha, a partir de 1933. Em 30 de janeiro, Adolf Hitler assume legalmente o poder na Alemanha, sem que seu partido (NSDAP/National-Sozialistischer Deutscher Arbeiter Partei – Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores, mais conhecido como partido nazista) tivesse maioria. Aqui são pertinentes algumas observações. Hitler e seu partido não são frutos da crise econômica, muito embora dela tenham se usufruído para amplificar suas parolas contra o liberalismo, a democracia, o comunismo e o judeu e cooptar adeptos no contingente de desempregados. Uma vez no poder, Adolf Hitler transforma, em um ritmo acelerado, o regime na Alemanha. O nazismo passa a imperar; vale dizer, o regime racista e totalitário de direita. Para debelar a depressão e promover o crescimento econômico introduz o Neuer Plan (Plano Novo; setembro de 1934). Uma das estratégias do Neuer Plan é a reativação do comércio exterior. À seus parceiros comerciais a Alemanha impõe, praticamente como norma, o bilateralismo com trocas de mercadorias efetuadas pelo sistema de compensações (forma de contornar a falta de divisas, dentre outros objetivos). Nos Estados Unidos, o candidato democrata eleito presidente em 1932, Franklin Delano Roosevelt, toma posse no ano seguinte, em 4 de março, portanto, apenas pouco mais de um mês depois da assunção de Hitler ao poder. Alguns dias depois de assumir a presidência, em 16 de março, Roosevelt declara feriado bancário. Medida heterodoxa das mais importantes para impor o embargo nas exportações de ouro e a flutuação do dólar. Na grande democracia liberal da América registra-se, sob a presidência Roosevelt, um crescente controle do governo sobre a economia, com a política de recuperação conhecida como New Deal. Aplicando métodos do arcabouço teórico do pensamento de John Maynard Keynes, como grandes injeções de fundos públicos na economia privada, a política anti-recessão de Roosevelt afasta-se do laissez-faire e introduz a tutela parcial do Estado para estimular a economia e gerar emprego. Para reativar as condições internas, promulga a Lei de Reparações da Indústria Nacional. Entende ser necessário reativar, também, o comércio internacional sob os moldes do livre-comércio como um dos caminhos para sair da crise econômica. Assim sendo, a cláusula de nação-mais-favorecida (NMF) e o estabelecimento de tratados bilaterais de comércio sob o ângulo do multilateralismo são mecanismos constitutivos das suas relações comerciais. Sinalização prática que a administração Roosevelt quer se afastar do ferrenho protecionismo da tarifa Smoot-Hawley (acusada maior de ter paralisado o comércio internacional) e reativar seu comércio exterior é a aprovação, em 1934, do Reciprocal Trade Agreement Act (RTAA, o Congresso americano dá autonomia ao Presidente da nação para celebrar acordos comerciais bilaterais com redução de tarifas). Desse modo, dois personagens dos mais importantes da década, figuras símbolos de emblemáticos acontecimentos do século XX, membros de partidos políticos de perfis diametralmente opostos, estão, a partir de 1933, entronizados no poder. Ambos governam seus países até, praticamente, o fim da Segunda Guerra Mundial (1945). Roosevelt e Hitler assumem o governo com a incumbência de sanear a economia, tarefa que vão efetuar com a intervenção estatal. Sob seus governos a burocracia cresce nos respectivos países de forma sem precedentes. Protecionismo e intervencionismo são duas palavras-chave comuns na esfera de suas políticas econômicas e comerciais. Contrariamente, multilateralismo e bilateralismo são conceitos que vão polarizar a concorrência comercial e acirrar a rivalidade política entre seus países, particularmente, ao longo da segunda metade dos anos 1930, ao que se segue o enfrentamento bélico, diretamente, com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial a partir de dezembro de 1941. Os Estados Unidos sob o governo de Franklin Delano Roosevelt e a Alemanha sob a ditadura de Adolf Hitler vão implementar medidas nacionalistas para tirar seus países da crise. Esse é um posicionamento generalizado, como ficou patente na malograda Conferência Econômica Internacional realizada em Londres, entre junho e julho de 1933. Como a crise econômica mundial persistia, a França, os Estados Unidos e a Inglaterra organizaram uma conferência geral para debater e buscar uma possível solução para a desordem econômica em substituição às políticas nacionalistas que vinham sendo aplicadas. O conclave contou com a participação de 66 delegações e terminou sem qualquer resultado prático. Os países, mais do que nunca, voltavam-se para seus próprios problemas e buscavam, de forma autônoma, colocar ordem em suas economias. Aliás, uma das características dentre as que distinguem a Grande Depressão das crises anteriores é o fato da sua superação ser resultante, em primeira linha, das políticas nacionais de desenvolvimento dos respectivos mercados domésticos. O malogro de uma outra grande conferência sinaliza para o aprofundamento das tensões internacionais e o fracasso da política efetivada por meios diplomáticos. Instalada em Genebra, na Suíça, em 1932, a Conferência do Desarmamento fracassa face as demandas francesas, relativas a garantias de segurança, e alemãs, relacionadas a igualdade de direitos. A Alemanha retira-se do conclave em 14 de outubro de 1933 e, pouco depois, abandona a Liga das Nações. Evidentemente, a conjuntura internacional é muito mais complexa e envolve muitos outros fatores e personagens de proa do que a simplificação até aqui esboçada. Mas, para os limites desse texto interessam as questões que mais diretamente se relacionam com a realidade brasileira, como é o caso daqueles países que vêm a ser seus principais parceiros comerciais nos anos 1930. No plano das relações internacionais, os anos 1930 são marcados, ainda, pelo expansionismo territorial de alguns países, a exemplo da invasão do Japão na Manchúria, que culmina com a retirada desse país da Liga das Nações (1931). A Terra do Sol Nascente implementa uma política expansionista pelo controle do Pacífico, no que se defronta com os interesses das potências europeias e dos Estados Unidos. As invasões italianas a Etiópia (1935), Albânia e aos Bálcãs (abril de 1939). Início da expansão militar alemã com a ocupação da Renânia (1936) após denunciar o Tratado de Locarno (estabelece o status quo da Alemanha do Pós Primeira guerra Mundial, 1925). Anexações alemãs da Áustria (1938) e dos Sudetos (região da Tchecoslováquia, de minoria germânica); essa última consentida pela França e Inglaterra na Conferência de Munique (1938). A peça teatral que culmina com a Segunda Guerra Mundial vai sendo gradativamente montada. O pulsar dos acontecimentos torna-se gradativamente dinâmico. A corrida armamentista, a partir de 1935, toma fôlego em decorrência, substancialmente, da abjunção de Hitler das cláusulas de desarmamento do Tratado de Versailles. As crises internacionais se amiúdam no tempo. Nesse sentido, dois eventos são dignos de menção: o Pacto Antikomintern e a Guerra Civil espanhola. O Antikomintern (Komintern, Internacional Comunista) assinado originalmente entre a Alemanha e o Japão, em 25 de novembro de 1935, canaliza os sentimentos anticomunistas contra a União Soviética. Por ele ficam acordadas consultas mútuas em caso de agressão soviética e o compromisso de não firmarem tratados políticos com a URSS. A Alemanha reconhece, ainda, o Estado japonês na Manchúria. A Itália adere ao pacto em 1937. Com isso, está esboçado o bloco que entra para a História como o Eixo. O outro acontecimento é a Guerra da Espanha (1936-1939). Não obstante ser uma guerra civil, trata-se, subsidiariamente, do primeiro ato da peça teatral que envolve em lados opostos a participação das potências que gladiarão na grande tragédia mundial. Emblemática é a destruição do vilarejo basco de Guernica pelo bombardeio da Luftwaffe (1937). Como já aludido, ao que concerne às trocas comerciais, o cenário internacional, a partir especialmente do ano de 1934, vai ser marcado pela rivalidade entre os Estados Unidos do governo Roosevelt e a Alemanha do regime nazista de Hitler. A América Latina, especialmente a América do Sul e, particularmente, o Brasil, representam um importante mercado para aqueles países, substancialmente devido ao alto grau de complementaridade de seus comércios exteriores (exportadores de matérias primas e importadores de manufaturados). O sub-continente vem a ser palco de acirrados embates da ferrenha rivalidade comercial entre aqueles países. A conjunção de uma série de fatores motiva o novo governo norte-americano, empossado em 1933, a mudar sua política do Big Stick (porrete e dólar) para a América Latina para a chamada Good Neighbor Policy. Ilustrativamente, cite-se: em primeira linha, a intenção do presidente Roosevelt de transformar seu país no bom vizinho; a fragilidade econômica norte-americana decorrente da Grande Depressão; a oposição norte-americana a expansão da ideologia belicosa do novo regime de Berlim; a intensificação das trocas comerciais entre a Alemanha e a América Latina, especialmente com a Argentina e o Brasil; a posição firmada pelos países latino-americanos nas conferências interamericanas em prol do respeito ao direito de autodeterminação dos povos e ao princípio da não intervenção. Além disso, com o cenário de guerra se desenhando na Europa, a América Latina adquire uma importância relativa cada vez maior, tanto em termos comerciais, como estratégicos. Aqui, destaque-se a posição do Brasil com sua extensa costa marítima no Atlântico Sul, especialmente a proximidade da saliência do seu Nordeste com a África. Ademais, matérias-primas brasileiras estratégicas, como areias monazíticas, manganês, cristais de quartzo, borracha, dentre outras, interessam à logística de qualquer esforço de guerra. A eclosão da Segunda Guerra Mundial (agosto de1939) e, especialmente, o avanço das tropas de Hitler pelo continente europeu na primavera de 1940, no Hemisfério Norte, acendem o sinal de alarme nos Estados Unidos. A defesa e segurança continental precisavam ser asseguradas de imediato. Nas eleições presidenciais daquele ano o democrata Roosevelt quebra uma tradição política, se candidata e vence pela terceira vez as eleições para presidente. Com isso, o patrono da Política da Boa Vizinhança continua no poder e, face às circunstâncias internacionais, reformula a política norte-americana para a América Latina. A ênfase na defesa hemisférica e cooperação interamericana é reforçada. À tese da necessidade de ‘americanização’ da América Latina é agregada a percepção de que a competitividade das economias nacionais da região deveria ser incentivada, posto o atraso econômico ser entendido como fator de ameaça para a segurança continental, uma vez que a miséria daí advinda poderia constituir uma seara propícia para movimentos de cunho fascistas ou mesmo revoluções comunistas; ou seja, a propagação de ideologias contrárias aos interesses norte-americanos. A debilidade das forças militares da região, também, constituiria fator de risco para a segurança hemisférica. Portanto, promover a modernização de sua doutrina e instrução militar se fazia necessária. No processo de reformulação da política norte-americana para a América Latina a cultura passa a fazer parte de sua estratégia a partir de 1940. De forma planejada, a Política da Boa Vizinhança lança mão de recursos culturais para erradicar todas as atividades e influências das potências do Eixo na região. Para controlar, na medida do possível, o antiamericanismo e coordenar as iniciativas no plano das relações econômicas e culturais com a América Latina, foi criado, no dia 16 de agosto de 1940, um escritório sob a chefia de Nelson Rockefeller, o Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between the American Republics, o qual passa a ser nomeado, no ano seguinte, Office of the Coordination of Inter-American Affairs (OCIAA). O escritório subordinava-se ao Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos e, face as mudanças que se operavam na conjuntura internacional (por exemplo, a retirada das tropas alemãs do front leste depois da derrota de Stalingrado), a partir de 1943, a política norte-americana para a América Latina começa a ser novamente reformulada. Nesse contexto, a agência muda mais uma vez de nome e passa a chamar-se Office of Inter-american Affairs, sendo-lhe com isso subtraída a conotação política. O Office existiu até o final da Segunda Guerra, sendo extinto em 1946. No Brasil, a agência atuou de forma conjunta com o governo em três grandes áreas: saúde, alimentação e informação; esta última subdividia-se nas seções imprensa, cinema, rádio, ciência e educação. Promoveu o intercâmbio de intelectuais e artistas, no âmbito do qual Orson Welles visitou o Brasil e Carmen Miranda passou uma temporada nos Estados Unidos. De um modo geral, o Birô Interamericano contribuiu para divulgar o american way of live na América Latina. Desenvolveu vários programas de cooperação nas áreas de suas divisões. Mas, sobretudo, particularmente no Brasil, varreu os produtos alemães e assegurou o domínio comercial no mercado brasileiro no Pós Segunda Guerra Mundial. A Primeira República brasileira é derrubada por um movimento armado que eclode em 3 de outubro de 1930. Em 24 de outubro, uma junta de militares dos mais graduados depõe o então presidente da República na Capital Federal, a 24 dias do término do seu mandato, para impedir que este desse posse ao candidato oficialmente eleito nas eleições de março daquele ano. Em 3 de novembro, o líder civil do movimento e candidato derrotado na eleição presidencial, Getúlio Vargas, assumiu, aos 47 anos, a chefia do governo provisório e só vem a ser apeado do poder em 29 de outubro de 1945. No interstício de tempo do longo Governo Vargas sucederam-se, na realidade, três mandatos. O primeiro, do Governo Provisório, vai de 3 de novembro de 1930 a 20 de julho de 1934. Após a proclamação da Constituição liberal de 1934, Vargas é eleito indiretamente pela Assembleia Constituinte. Em 20 de julho, pela primeira e única vez, é formalmente empossado e dá início ao chamado Governo Democrático (1934-1937). Em 10 de novembro de 1937, anuncia que “o Brasil deixa de lado a democracia dos partidos”. Com apoio dos militares dissolve o Congresso Nacional e outorga uma constituição autoritária (Constituição de 1937). É o golpe que implementa a Ditadura do Estado Novo. Em 29 de outubro de 1945, é destituído, por seu turno, por outro Golpe de Estado, encabeçado por algumas das mais altas patentes militares que sempre estiveram ao seu lado. Acaba, então, a chamada Ditadura de Vargas (1937-1945). Nesses 15 anos de governo, também denominados Era Vargas (1930-1945), o país passa por um processo de modernização sob o paradigma do nacional-desenvolvimentismo. O Brasil, no início dos anos 1930, tem um quadro demográfico de perfil rural (dos cerca de 37 milhões de habitantes, 70% vivem na área rural). Todavia, o país passa por um acentuado crescimento urbano. A economia agrário-exportadora tem no café seu principal sustentáculo. A chamada crise econômica de 1929 atingira em cheio sua economia e estagnara seu comércio exterior. Getúlio Vargas, em especial no Estado Novo, promove a modernização, visando desenvolver o país, de forma autoritária, com o apoio das forças militares, a sombra de parcela considerável das velhas oligarquias e com o concurso de membros das novas gerações das camadas médias. Introduz uma política populista de cooptação dos trabalhadores urbanos. Esse processo dá-se, em parte, devido à força das circunstâncias, como também à aplicação de uma política deliberada. O governo chama a si o papel de árbitro na repartição da renda nacional, através da efetivação de sua política salarial e trabalhista e da suas ações como indutor do crescimento econômico e da industrialização. A introdução na sociedade de alguns avanços tecnológicos, modificações no setor administrativo, social e educacional ocorrem concomitante à prática de procedimentos personalistas, politiqueiras e patrimonialistas do antigo regime. Em um país de base rural a questão agrária não faz parte do núcleo central da reforma que implementa o processo de industrialização. Esse fenômeno é caracterizado por parte da literatura especializada como “modernização conservadora”. Durante o longo período de seu governo, Vargas enfrenta muitos e sérios percalços nos diversos setores da vida brasileira (social, político, econômico). Se vê defrontado com forças internas emergentes, a exemplo da direita integralista e da esquerda comunista. Entretanto, seu primeiro grande embate vai ser com a elite paulista. Em 9 de julho de 1932, São Paulo se levanta contra o governo varguista. A exceção da classe operária organizada, a população paulista se mobiliza em torno da bandeira da constitucionalização. Os combates duram mais de dois meses. Os paulistas são militarmente derrotados e sua Força Pública se rende. Não obstante, a principal bandeira da Revolução de 1932 termina vitoriosa. Em maio de 1933, são realizadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, sendo a Constituição promulgada a 14 de julho de 1934. Visando apaziguar os paulistas, o governo autoriza o Banco do Brasil a dar cobertura aos bônus de guerra emitidos pelos revoltosos. Outro ganho dos paulistas traduz-se no apoio à agricultura consignado pelo Decreto do Reajustamento Econômico (Dec. 23.533), de 1º de dezembro de 1933, que perdoa até 50% das dívidas dos cafeicultores contraídas antes de junho do mesmo ano. Em novembro de 1935, militares comunistas tentam dar um golpe, o qual foi prontamente sufocado. A insurreição, também chamada Intentona Comunista, enseja o aumento das medidas de exceção. Ainda naquele mês, foi aprovado estado de Sítio. A Lei de Segurança Nacional (abril de 1935) foi ampliada por três emendas constitucionais, instrumentos que permitem ao presidente demitir sumariamente funcionário público e remover militares. Gradativamente, o regime cria um arcabouço institucional que vai alargando e aprofundando seu caráter autoritário. Os integralistas comandam, em maio de 1938, um assalto ao palácio do governo. O próprio Vargas e sua filha Alzira tiveram que ajudar a desorganizada guarda palaciana a reprimir os agressores. Após essa tentativa de golpe, o governo “limpa a área” de seus opositores de esquerda e de direita. No plano do aparelho do Estado, o governo empreende desde seus primeiros momentos uma profunda modernização. Ainda em 1930, cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que vem a ser instalado em janeiro de 1931. A conformação do aparelho administrativo do Estado caracteriza-se por uma centralização dos comandos e descentralização administrativa. Nesse sentido, foi criado em 1936 o Conselho Federal do Serviço Público Civil, que se transforma, em 1938, no Departamento do Serviço Público (DASP). Introduz-se o sistema de mérito com a instituição de concursos públicos para ingresso no serviço público. Promove-se a estruturação da carreira do funcionalismo e a racionalização administrativa, que, muito embora tenha caráter limitado, significa grande avanço ao estabelecer a padronização do material e centralização das compras administrativas federais, o que representa, em última estância, economia de recursos. Com o DASP, que tem seus similares nos Estados e municípios, os chamados “DASPinhos”, são adotados critérios mais técnicos ao estabelecer funções normativas, executivas e legislativas. A elaboração das políticas públicas passa a ter suporte técnico e a contar com estruturas materiais, como órgãos, códigos e um arcabouço legislativo. A modernização das instâncias burocráticas implica na criação de alguns ministérios e na reformulação de outros. O painel geral das modificações resulta em uma nova forma do aparelho do Estado, que toma a feição de autarquia. No que concerne à questões econômicas, as instituições e códigos abaixo arrolados dão uma ideia da magnitude do que estava sendo implementado.
Minerais
Se o governo Vargas, desde o início, implementa uma política de modernização da máquina burocrática do Estado, inclusive no que concerne a esfera econômica, quanto à sua política para o comércio exterior não se pode dizer o mesmo. Ao longo do Governo Provisório, a política comercial pode ser caracterizada como conservadora, voltada principalmente para a expansão das exportações do agronegócio. O principal canal para alcançar essa meta preserva, também, uma linha de continuidade. O governo negocia e termina por firmar cerca de trinta tratados comerciais sob a cláusula de nação-mais-favorecida (NMF), em plena fase aguda da depressão econômica mundial (1932). Esses tratados vão ser denunciados em 1935. Nos planos da modernização, como é de largo conhecimento, a meta principal era industrializar o país. Para tanto, o desenvolvimento da indústria de base se faz imprescindível; assim sendo, uma indústria siderúrgica de alto forno vem a ser a menina dos olhos de todo o plano. Capital e tecnologia o Brasil não tinha, portanto, se quisesse implementar um processo de industrialização no mais curto horizonte de tempo possível, teria que se voltar para o exterior. Uma outra questão central e sensível dos planos da modernização responde pelo verbete forças armadas. Para um regime que se implementa e se mantém com o apoio militar, atender ao desejo e as necessidades reais de modernização das forças armadas constituem um objetivo central, ainda mais quando as questões relacionadas à segurança e defesa da nação mais e mais ganham relevo face ao clima de corrida armamentista que vai se instalando no cenário internacional e que termina na Segunda Grande Guerra. Esse item, portanto, é um dos mais importantes da agenda política do governo. Modernizar as forças armadas significa, antes de tudo, compras públicas, importação de material bélico. Assim, a modernização das forças armadas vai se imbricar com o comércio exterior duplamente, pela importação e pela resposta à pergunta de onde tirar os recursos para efetivar essas compras. Dessa forma, o comércio exterior, além de vital para a recuperação da economia, desempenha papel central no plano varguista de modernização do país e, por conseguinte, na política econômica. A diplomacia brasileira e as várias esferas do governo correlacionadas com o comércio exterior vão atuar, de alguma forma, no sentido de promover as trocas comerciais, tanto no que se refere ao aumento das exportações, como às “compras seletivas”, a exemplo de armamento para as forças armadas. Economicamente, o governo, desde o primeiro momento, tem que enfrentar os problemas decorrentes dos efeitos da crise mundial de 1929. Aliás, a historiografia aponta a própria depressão econômica como um dos mais importantes fatores que levam à chamada Revolução de 1930. De pronto, medidas administrativas foram tomadas para fazer frente aos mais urgentes problemas. Assim, para manter o pagamento da dívida externa em dia, o governo utiliza a reserva-ouro da Caixa de Estabilização e do Banco do Brasil e contrai um empréstimo de 20 milhões de libras. Quanto à dívida dos cafeicultores, o governo faz um reajustamento com perdão de 50% da mesma, conforme já mencionado anteriormente. Para fazer frente ao problema da super produção do café promove uma política de destruição de estoques. Queima-se café para produzir coque que é utilizado como fonte de energia para a iluminação pública, o que teve como efeito o cheiro de café espalhado por algumas cidades. Simplesmente queima-se café para destruir os estoques e diminuir o custo do armazenamento. Toneladas de café foram jogadas ao mar (diga-se de passagem, que medidas similares foram implementadas, também, com outros produtos, a exemplo do cacau). A destruição de parte da produção provoca o chamado efeito do “trabalho inútil”, ou seja, produzir para destruir. Mas, na prática, resulta na manutenção de parte do nível do trabalho e certa estabilidade dos preços, o que, em última instância, significa a continuidade da engrenagem da economia. Outros países também tomaram medidas semelhantes e, assim como o Brasil, saem mais cedo da depressão. Dessa forma, a partir de 1933, a economia brasileira dá mostras de recuperação. Ao longo dos anos, o governo adota, também, medidas vitalizadoras, como o incentivo à outras culturas, forma de alargar a estrita pauta de exportação. A partir da obtenção de fibras mais longas, o algodão plantado em terras brasileiras ganha qualidade e desponta como o segundo principal produto de exportação, atrás apenas do café; colabora para isso o interesse das potências do Eixo, especialmente da Alemanha, pelo algodão brasileiro e a relativa estabilidade do seu preço internacional, mantida pela política protecionista do maior produtor mundial, os Estados Unidos. A substituição de importações de produtos industrializados é impulsionada com maior dinamismo e favorece o desenvolvimento da indústria nacional. Quanto ao comércio exterior, a partir de 1934, a situação começa a mudar gradativamente de forma substancial, devido a circunstâncias fruto, em primeira linha, da concorrência entre as grandes economias por mercados externos. No caso específico, principalmente entre os Estados Unidos e a Alemanha. Naquele ano, como já aludido, o governo dos Estados Unidos inclina-se por uma flexibilização das restrições aduaneiras que foram implementadas no âmbito das medidas de recuperação da crise de 1929. Entende, também, que a saída da crise passa pela recuperação do sistema do comércio mundial. Para tanto, esboça uma política comercial de acordos bilaterais sob a cláusula NMF. Para efetivar suas intenções, tem passe livre dado pelo Congresso por meio do RTAA. Por seu turno, a Alemanha, em setembro do mesmo ano, introduz novas diretrizes para sua política comercial previstas no seu plano de recuperação econômica, Neuer Plan. As diretrizes do Neuer Plan prevêem a assinatura de Tratados de Compensação e Pagamentos (Verrechnungs- und Zahlungsabkommen/Clearing Verträge). A isso associa-se a obrigatoriedade de seus parceiros aceitarem marcos bloqueados, também conhecidos como ASKI, ASKI-Mark (Ausländer Sonderkonto für Inlandszahlungen/Conta Especial do Estrangeiro para Pagamentos Internos), como forma de pagamento das compras alemãs. Essa moeda especial só poderia ser utilizada para pagamento das importações de mercadorias alemãs feitas no mercado alemão (o comércio triangular, a reexportação, era estreitamente vedado). Correndo o risco de simplificar uma questão complexa, pode-se dizer que, sob essa modalidade de trocas comerciais, o parceiro da Alemanha ficava atrelado, submisso, ao mercado alemão na proporção direta do volume de suas exportações para aquele país. O montante do numerário advindo de suas vendas para a Alemanha só poderia ser empregado como forma de pagamento no mercado interno alemão, com o agravante que a Alemanha não vendia muitos de seus produtos por esse sistema, mas mediante divisa. O lema dessa política comercial era “se nos quiserem vender, têm que comprar nossas mercadorias”. Métodos divergentes e interesses geográficos convergentes, as premissas básicas da concorrência comercial entre os dois países pelos mercados latino-americanos estão dadas. Sob esses ditames processa-se a rivalidade entre os Estados Unidos e a Alemanha no mercado brasileiro. Para efetivar a política comercial do Neuer Plan, o governo alemão desenvolve um intenso processo de cooptação de seus parceiros comerciais para que aceitem os seus métodos. Representantes diplomáticos são convocados a entabular negociações nesse sentido. Delegações são enviadas para distintas regiões. Assim, é formada a Delegação Alemã de Tratados de Comércio para a América do Sul sob a direção do Cônsul Geral Kiep. Em outubro de 1934, a delegação aporta no Rio de Janeiro e, desde então, a Alemanha passa a ocupar um lugar no comércio exterior do Brasil, como nunca dantes. Um dos mais fortes argumentos dos alemães para que os brasileiros aderissem aos seus métodos, além dos já mencionados, era a recíproca diminuta capacidade de compra decorrente da escassez de divisas. E como contra-argumentar à possibilidade de escoar parte da produção em um momento de armazéns abarrotados de mercadorias sem comprador? O Brasil, particularmente, e a América Latina, em geral, vêm a ser a região onde essa proposta alemã mais tem sucesso. Apesar de estar em vigor o primeiro tratado comercial assinado depois da Primeira Guerra Mundial entre o Brasil e a Alemanha (22/10/1031 – entrada em vigor a partir de 4/1/1932, com prazo de vigência até junho/1936) sob a cláusula da NMF, de pronto, alguns negócios são fechados sob essa modalidade por meio de acordos informais. Em agosto de 1936, entra em vigor um Modus Vivendi com validade de 12 meses, o qual, em sucessivas prorrogações, se estende até 1939. Resultado prático dessa circunstância: a Alemanha torna-se ao lado dos Estados Unidos o principal parceiro comercial do Brasil, e o Brasil o 10º da Alemanha. Essas trocas de mercadorias não têm somente o lado do sucesso. Internamente, enfrentava a crítica de muitos adversários, inclusive entre membros da cúpula do governo simpatizantes do modelo norte-americano. Diplomaticamente, são resultantes de duras negociações. Tecnicamente, o processo de compensação apresentava problemas, como o fato do Brasil ficar abarrotado de marcos bloqueados, a ponto do governo suspender temporariamente os fluxos comerciais sob essa modalidade, em 1938, vindo, porém, pouco depois a retomá-los. O conceito do comércio de compensação teuto-brasileiro (a aplicação do modelo apresentava algumas especificidades para o caso brasileiro), porém, autoafirmou-se de tal forma que, os Estados Unidos, que manifestavam forte oposição contra o mesmo, chegaram a cogitar de uma modalidade similar, com ‘dólar especial’ para a América Latina. Não obstante, o início da Segunda Guerra Mundial sombreou essa intenção. Relativo às relações com seu mais importante parceiro econômico, Os Estados Unidos da América, que requeria do governo brasileiro uma posição contrária ao comércio bloqueado com a Alemanha, Vargas reagia em cima do muro e deixava, com isso, espaço de manobra para os dois rivais. Coerente com as diretrizes de sua política econômica, os Estados Unidos firmam com o Brasil um tratado comercial sob cláusula de nação-mais-favorecida (NMF), em 1935 (segundos alguns críticos, esse tratado anulou, na prática, algumas medidas protecionistas implementadas por Vargas para incentivar a substituição das importações). Para combater o avanço alemão no mercado brasileiro acena com promessas financeiras e comerciais, como disponibilização de créditos e aumento das suas importações. A sua ofensiva econômica inclui, também, uma luta ideológica no âmbito da política da Boa Vizinhança. Quando, em 1936, os dados estatísticos registram mais um avanço do progressivo aumento das exportações alemãs para o Brasil (em 1930 a Alemanha cobria 11,4% das importações brasileiras; em 1936, 23,5%) e o governo brasileiro prorroga o acordo do comércio de compensação de 1934 (Modus Vivendi de 1936), os Estados Unidos movem uma verdadeira ofensiva contra o mesmo. O Embaixador brasileiro em Washington é acionado. Em 1937, Oswaldo Aranha solicita que o governo brasileiro envie o Ministro da Fazenda para os Estados Unidos a fim de planejar, com a ajuda norte-americana, as bases do saneamento econômico do Brasil. Em junho, a Missão Souza Costa viaja para Washington. Com relação ao comércio exterior, recomendou-se que: o Brasil deveria esforçar-se no sentido de não permitir que o governo nazista subvencionasse suas exportações para seu mercado. Sugeriu-se a criação de duas comissões mistas para fiscalizar o comércio exterior brasileiro, com acentos em Nova York e no Rio de Janeiro. E, por último, que fosse introduzida restrições das exportações brasileiras para a Alemanha. Afinal, o método do comércio compensado feria os postulados do livre-comércio e, por suposto, do Tratado Comercial de 1935 entre os dois países. Por outro lado, os Estados Unidos aumentaram suas compras do café e do cacau. Apesar de tudo, o comércio de compensação continua sua curva de ascensão. No ano seguinte, 1938, pela terceira vez consecutiva a Alemanha ocupa o posto de primeiro fornecedor das importações brasileiras, cobrindo agora 25% do total geral. E isso no ano em que se registra a maior tensão nas relações políticas teuto-brasileiras, decorrente dos atritos entre o Embaixador alemão, Karl Ritter, e o Chanceler brasileiro, Oswaldo Aranha (Aranha deixara a Embaixada em Washington e assumira a Chancelaria naquele ano de 1938). O episódio toma tal monta, que Ritter foi declarado persona non grata (21/09/1938), tendo que se retirar do Brasil, ao que segue-se a retirada do Embaixador brasileiro de Berlim (os postos ficam vagos até julho de 1939, quando são indicados novos embaixadores). A rivalidade alemã-norte-americana pelo mercado brasileiro é astutamente utilizada por Vargas para aumentar as exportações brasileiras e conseguir efetivar alguns dos principais pontos de sua agenda modernizadora, haja vista as compras de armamento para as forças armadas. Outras metas das mais cruciais para o desenvolvimento do país, como a sonhada Usina Siderúrgica Nacional, vão ser também atingidas. Esse ganho se dá no cenário de plena guerra. Vargas barganha o consentimento para que os Estados Unidos ocupassem bases em território brasileiro, pelo financiamento da siderúrgica. Mas, essa é a História da década seguinte, a do realinhamento do Brasil aos Estados Unidos. Retrospectivamente, os anos 1930 deixam demonstrado, que o comércio exterior nessa década foi muito mais do que trocas de mercadorias, vindo a constituir um dos mais importantes mecanismos impulsionadores do desenvolvimento brasileiro. |