Aprendendo a Exportar
O Brasil na primeira década do século americano (1901-1910)
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O BRASIL NA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO AMERICANO 1901 – 1910 O alvorecer do século XX registra uma conjunção de fatores que aprofundam a dinamização do processo da produção industrial. Uma inovadora racionalização do trabalho na linha de montagem de cada fábrica vai ser marcante para a economia do centauro. Taylorismo e Fordismo são as palavras-chave. A administração empresarial ganha contornos científicos. Organização e métodos inovadores na coordenação do trabalho levam a aumentos expressivos na produtividade. A tríade do progresso industrial – produção em escala, redução dos custos e inovação tecnológica constante – tem sua aplicação intensificada. No item inovação tecnológica, a utilização em escala do motor propulsor movido a gasolina ou a diesel contribui para essa revolução, que dinamiza as economias nacionais dos países industrializados, mormente a dos Estados Unidos, pioneiros na utilização desses novos métodos. A principal fonte de energia que move toda essa engrenagem tem origem fóssil. A era do petróleo está deslanchada. O cenário de fábricas com suas esteiras de produção rolando em ritmo frenético, divisão do trabalho altamente especializada, tempo de produção controlado e ritmo de trabalho acelerado foi imortalizado no clássico filme “Tempos Modernos” (1936) de Charlie Chaplin. A decolagem da década. Ano de 1901, o fim da Era Vitoriana na Inglaterra, simboliza não somente o termino de um longo reinado, como também o fechamento de um grande ciclo de proeminência internacional. Ano da posse de Theodore Roosevelt como presidente dos Estados Unidos (1901-1909). Como vice-presidente ascende ao primeiro posto face ao assassinato do presidente William Mackinley. Roosevelt dá continuidade à agressiva política de relações internacionais de “Porta Aberta” do seu antecessor e introduz uma reinterpretação da Doutrina Monroe para o continente americano. Em 6 de dezembro de 1904, em sua mensagem anual ao Congresso, o presidente Roosevelt faz um adendo à Doutrina, que passa para a história como ‘Colorário Roosevelt’. Os Estados Unidos outorgam-se, então, o papel de polícia para a América Latina. Sintomaticamente, essa iniciativa dá-se depois do episódio envolvendo os Estados Unidos na invasão à Venezuela (1902). Aplicando a chamada “diplomacia do dólar” e promovendo intervenções, principalmente na América Central e Caribe, sob seu governo, os Estados Unidos ampliam e aprofundam seu domínio sobre a região. Em dezembro de 1902, em uma operação conjunta de tropas dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Itália, portos da Venezuela são bloqueados, intervenção justificada pelo argumento de execução de cobrança do pagamento dos serviços da dívida venezuelana, então suspenso. Na operação, os canhões alemães destruíram uma cidade inteira. Esse acontecimento detona uma onda de reações. Indignados, os latino-americanos apoiam a proposta argentina de retomar os princípios da Doutrina Calvo que não admite o uso da força para obrigar o pagamento de dívidas internacionais. Essa iniciativa, lançada pelo então ministro das Relações Exteriores da Argentina, Luís Maria Drago, na Reunião Pan-Americana de 1906, passa a ser conhecida como Doutrina Drago. Em 1903, os Estados Unidos realizam três invasões no espaço que adquire um verdadeiro status de seu hinterland. Suas tropas intervêm em Honduras, em Santo Domingo e Panamá. Nesse último, o objetivo é assegurar a ocupação da faixa de terra do canal interoceânico que terá sua construção concluída em 1914. Dessa forma, o ‘Colosso do Norte’ constrói e mantém sua hegemonia na região. Em termos de política interna, a administração Roosevelt empenha-se no combate aos grandes trustes. Implementa a política do “Square Deal” para supervisionar o cumprimento da legislação antitruste. O primeiro grande processo antitruste da história acontece em 1910, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos obriga a Standard Oil a se fracionar em 30 companhias. A intensificação da produção industrial, possível em grande medida graças ao Fordismo e ao Taylorismo, gradativamente alarga o consumo, que paulatinamente torna-se de massa. Os meios de transportes se revolucionam com a aviação e o uso do automóvel. As comunicações também são dinamizadas pelo uso do moderno telégrafo e a progressiva disseminação do uso do telefone. Essa intensa movimentação dos vetores que impulsionam a faceta material da chamada modernidade também se reflete na cultura e nas artes, que passam por uma mudança crucial – seu próprio conceito modifica-se. Na pintura, por exemplo, a originalidade ganha outra conotação e a reprodução em série possibilita ao cidadão comum ter acesso às imagens de obras de grandes mestres, na lata de seus biscoitos, por exemplo. Quanto aos quadros originais, esses continuam a ser colecionados por particulares abastados, mas a seção de pinacoteca dos museus ganha destaque. Em visitação pública, a admiração da arte se democratiza. A indústria fonográfica vai também, gradualmente, se tornando produtora de bens de consumo de massa, bem como a projeção de películas cinematográficas. A indústria de entretenimento vai paulatinamente se firmando em vários setores. No Brasil, tem lugar o movimento conhecido como a Belle Époque brasileira. Em um cenário de mudanças em vários campos da vida social, provocadas pelo processo de urbanização, a cultura também se transforma. Nesse contexto, o Rio de Janeiro passa por uma remodelação conhecida como a “Modernização Pereira Passos”. Rodrigues Alves assume a presidência do Brasil em 1902, e toma a si a meta de sanear a Capital Federal, que sofria com graves problemas urbanos de saúde pública (rede insuficiente de água e esgoto, coleta de lixo precária e falta de habitação popular, com uma significativa parte da população vivendo em cortiços). A proliferação de doenças como tuberculose, sarampo, tifo e hanseníase fazia parte do quadro geral. Epidemias de febre amarela, varíola e peste bubônica não eram raras. O presidente nomeia o engenheiro Pereira Passos para a prefeitura da Capital Federal e o médico sanitarista Oswaldo Cruz para diretor-geral da Saúde Pública, com a incubência de modernizar e sanear a cidade. Tem, então, lugar, o projeto “Bota Abaixo”, denominação irônica do humor carioca à ampla reforma urbana posta em prática pelo prefeito. Demolições de prédios velhos e cortiços são feitas para dar lugar a grandes avenidas, edifícios modernos, jardins e praças. Registre-se que a modernização tem, também, um lado socialmente cruel. Milhares de pessoas, evidentemente pobres, são desalojadas a força e se vêem obrigadas a morar nos morros e na periferia. Oswaldo Cruz cria as Brigadas Mata-Mosquito, compostas por grupos de funcionários do Serviço Sanitário para combater os mosquitos, mas os modos empregados por esses agentes são inadequados. Eles simplesmente invadem as casas (dos menos favorecidos socialmente) para dar combate aos mosquitos transmissores da febre amarela. Uma campanha de extermínio de ratos transmissores da peste bubônica também é encetada. Os agentes da Saúde Pública atuam espalhando raticidas pela cidade e mandando o povo recolher o lixo. A Belle Époque brasileira tem uma faceta de pedagogia da violência no processo de modernização do Rio de Janeiro. Para erradicar a varíola, Oswaldo Cruz convence o Congresso a aprovar a Lei da Vacina Obrigatória (31.10.1904). A catastrófica maneira como foram implementadas as ações de saúde pública vai revoltar a população. A cidade em escombros, sendo demolida, terraplanada, um canteiro de obras. Em meio a esse quadro, a população se sente desprotegida, sob a ameaça e concretização de despejos. O sentimento de descontentamento e confusão torna-se difuso. Os ânimos são atiçados por jornais da oposição que criticavam o governo e difamavam a vacina por supostos perigos. Boatos são espalhados dizendo que a vacina seria aplicada “nas partes íntimas”. O sentimento de descontentamento transforma-se em revolta, a Revolta da Vacina. Reação do governo: suspende a obrigatoriedade da vacina e declara estado de sítio (16.12.1904), prende inúmeras pessoas, deportam outras tantas para o Acre. Controlada a situação, a campanha de vacinação é retomada e, em relativo curto tempo, a varíola é erradicada da capital. As obras de remodelação impulsionam o crescimento e a modernização da Capital Federal. Nesse âmbito, é instalada uma companhia de iluminação elétrica, em 1904, a The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd. Em 1907 é inaugurada a distribuição de energia elétrica. Rio de Janeiro, 1907. A cidade se apresenta moderna, prédios de arquitetura sofisticada ladeiam largas avenidas asfaltadas, por onde deslizam os primeiros automóveis, ruas arborizadas, ventiladas, salubres. A noite chega cheia de luz da Light. Bondes elétricos fazem o transporte urbano. A vida social se complementa em cafés “chics” e confeitarias refinadas. Uma beleza. Essa nova plasticidade da cidade inspira Coelho Neto, em 1908, a denominá-la Cidade Maravilhosa! Quanto aos desalojados, as políticas públicas não deram conta de solucionar seus problemas de moradia e de atendimento de saneamento básico. A proliferação das favelas foi sua resposta “espontânea”. Registre-se, ainda, que o presidente que patrocinou a modernização do Rio de Janeiro, que se preocupou com a higienização da cidade, ironicamente foi vitimado pela peste pneumônica, quando estava prestes a assumir pela segunda vez a Presidência da República. Francisco de Paula Rodrigues Alves foi a mais ilustre vitima brasileira da gripe espanhola (1918). Economicamente, observa-se, na virada do século, o mercado cafeeiro brasileiro, já em grandes dificuldades, entrar definitivamente em uma crise de superprodução, afetando toda a economia do país. Para entender esse fenômeno de superprodução, basta observar que o número de cafeeiros aumenta nessa época à razão de 90% ao ano enquanto o consumo mundial de café no mesmo período cresce apenas 1,5%. Nesse contexto de crise, o governo decide diminuir drasticamente a subvenção à imigração, ocorrendo inclusive um refluxo dos imigrantes, a partir das lavouras de café para seus países origem. No final do século XIX, o setor cafeeiro favoreceu o desenvolvimento de alguns setores industriais. A disponibilidade de capital e a necessidade de infra-estruturas para escoamento da produção do café alavancaram o desenvolvimento industrial brasileiro. Desenvolveram-se, assim, as primeiras indústrias moageiras, de tecido, de cerveja e de fósforos. Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda de Campos Sales (1898-1902), conseguiu obter um empréstimo de consolidação da dívida externa, introduziu a cláusula-ouro na arrecadação do imposto de importação e instaurou uma série de medidas de caráter deflacionário. Além disso, ele implementou a Tarifa de 1900 (ou Tarifa Joaquim Murtinho), peça fundamental da política financeira de Campos Sales. Essa tarifa aduaneira sobre as importações tem, então, como principal objetivo, uma arrecadação maior e mais eficiente. De início, esse aumento do protecionismo agrada a nova classe industrial brasileira, mas a crise ainda perdura, pois, esta última, não é de ordem financeira mas, sim, econômica. Em 1901, realiza-se o Congresso de Engenharia onde se inicia a promoção em prol da industrialização do país. Os industrialistas reivindicam medidas que protejam o mercado nacional contra a invasão dos produtos estrangeiros. Apesar da intensa crise econômica, a gestão de Campos Sales (1898-1902) saneou as finanças do país. Além do mais, em 1903, tem início uma longa fase de expansão do comércio exterior, com um volume comercial quase triplicando até 1913. Esse aumento do comércio internacional é obtido pelo viés das importações de bens de capital destinado a investimentos públicos. Mas o fato essencial do período é o aumento expressivo das exportações da borracha brasileira, pois o período coincide como o auge do ciclo da borracha, período no qual o Brasil responde por 97% da produção mundial deste produto. Por todas essas razões, o governo seguinte de Rodrigues Alves (1902-1906) realizou-se com sucesso, beneficiado por essas finanças em ordem e pelo crédito externo revigorado. O ano de 1902 representa um ponto de inflexão na história das relações internacionais do país, com o início da gestão do Barão de Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores. Ele permanece no cargo até sua morte em fevereiro de 1912 e, durante esses dez anos, tem autonomia suficiente para implementar sua própria política. Adotando um “americanismo” pragmático, ele eleva, em 1905, a legação brasileira em Washington à categoria de embaixada, criando assim a primeira embaixada brasileira. A intenção é obter um apoio político externo como recurso defensivo contra o imperialismo europeu. Mas, ao mesmo tempo, em 1906, durante o discurso de abertura da III Conferência Internacional Americana, Rio Branco ressalta a importância da Europa para o Brasil. Portanto, nas palavras de Oliveira Lima, crítico da política exterior de sua época, Rio Branco “serenamente obstou a enfeudação do Brasil, país com aspirações e tradições próprias, ao sistema norte-americano”. Vemos, portanto, que a política de Rio Branco marca-se pelo pragmatismo e por um anseio de independência política do país. Já a partir de 1895, Rio Branco foi fundamental para resolver a Questão de Palmas, um conflito de fronteira entre Argentina e Brasil relativo à região oeste dos estados do Paraná e de Santa Catarina. Em 1900, Rio Branco ajudou a por fim nas disputas territoriais com a Guiana Francesa ao norte do país. Rio Branco resolve, também, em 1903, a Questão do Acre com o Tratado de Petrópolis. Neste tratado, o Acre é incorporado ao Brasil, que se compromete a pagar uma indenização 2 milhões de libras à Bolívia e construir a ferrovia Madeira-Mármore, a fim de facilitar o comércio boliviano pelo Rio Amazonas. Rio Branco resolve, em 1909, outras questões relativas à fixação dos limites do país nos tratados de limites com a Colômbia, Peru e Uruguai. Em 1906, o novo governo de Afonso Pena lança a Convenção de Taubaté, um plano de valorização do café. Esta convenção define uma intervenção estatal no mercado cafeeiro com o financiamento da produção em excesso. Este financiamento é realizado, no início, através de créditos estrangeiros. Mas, em 1907, estoura uma grave crise financeira internacional desencadeada pela crise na bolsa nova-iorquina e pela superprodução industrial alemã. Desde então, o próprio governo assume os créditos, permitindo a desova do excedente de café e garantindo, assim, a estabilidade do preço do produto. A convenção determina, por conseguinte, uma profunda distorção na economia de mercado, pois o preço do café não resulta mais do encontro entre a oferta e a demanda, mas sim da intervenção do governo na compra do excedente de café. No mesmo ano, o governo institui a Caixa de Conversão, fixando o câmbio em uma taxa inferior à do mercado e atendendo, assim, mais uma vez, as reivindicações dos interesses cafeeiros e da indústria. Estas medidas acabam amplificando a crise a longo prazo, pois a garantia da compra do café excedente pelo governo e a moeda desvalorizada incentivam os produtores de café a aumentar ainda mais sua produção. No plano macroeconômico, a valorização forçada do preço do café é extremamente negativa, pois, ao enriquecer o setor, inibe o crescimento de outros setores produtivos internos. A Convenção de Taubaté é, também, o pontapé inicial da política do “café-com-leite”, política de revezamento do poder nacional pelos estados de Minas Gerais (forte economia do leite) e São Paulo (principal produtor cafeeiro), que dominaria a República Velha. No plano de fundo, no ano de 1906, Santos Dumont realiza, em Paris, o primeiro vôo com o 14 bis, tecnicamente um “aparelho mais pesado que o ar, impulsionado por seus próprios meios”. No ano seguinte, promulga-se a lei do serviço militar obrigatório, repudiada pelo movimento operário e pelos positivistas, e chega ao Brasil a primeira leva de imigrantes japoneses. Em 1909, falece Afonso Pena, ainda em seu mandato. Assume, então, seu vice, Nilo Peçanha. No ano seguinte, Hermes da Fonseca toma posse e, já no mesmo ano, tem que lidar com a revolta da Chibata. Comandada pelo marinheiro João Candido, dois mil marinheiros da Marinha do Brasil se rebelam contra a aplicação dos castigos físicos a eles impostos como punição, ameaçando bombardear a cidade de Rio de Janeiro. No governo de Nilo Peçanha (1909-1910) é criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais. Na presidência do marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (1910-1914), a “guerra dos coronéis” vai agitar o interior do Brasil. Além da Revolta do Contestado, outros movimentos têm lugar na Bahia, Pará, Alagoas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e, o mais famoso, em Juazeiro, Ceará. Para dar combate às perturbações, o governo implementa a “Política das Salvações”. |