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AS REGÊNCIAS (1831 a 1840)
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AS REGÊNCIAS, RETRATO DA ANARQUIA BRASILEIRA? (1831 a 1840) O transcurso do período das Regências no Brasil se dá em um contexto político de recrudescimento da luta em prol do liberalismo e marcado pelo sentimento autonomista em vários países. Assim, as agitações políticas que contestam o autoritarismo e levam à abdicação de D. Pedro I, e, posteriormente, desencadeiam várias revoltas internas, a despeito das motivações especificas, não é um fenômeno brasileiro isolado. Em alguns dos principais centros que contavam para o comércio exterior brasileiro, a situação também é de intranqüilidade interna. No contexto das relações internacionais, o exercício da hegemonia coletiva arquitetada no Congresso de Viena (1815) possibilita um equilíbrio de poder que favorece a paz entre as nações por certo tempo. Entrementes, a Ordem de Viena e a Santa Aliança não puderam conter por muito tempo o movimento liberal, o qual não só ressurge, como gradativamente, mas cada vez com mais intensidade, se mescla com idéias republicanas e democráticas. Na Europa, as ideologias do liberalismo e do nacionalismo desencadeiam uma nova onda revolucionária. Economicamente, a década é impregnada por uma crise que em alguns países assume proporções drásticas, a exemplo da Irlanda (em 1841, com 8 milhões de habitantes, o país europeu mais populoso na época), cuja população conhece a tragédia da fome (crises de 1837, 1839, e a pior de todas de 1845 a 1849) em decorrência do crescimento demográfico e de péssimas safras devido a uma praga que atacou suas plantações de batata e das péssimas colheitas de cereais face a problemas climáticos. O alto custo de vida, as péssimas safras agrícolas, a estagnação da produção industrial que acarreta o aumento do desemprego e uma política de baixos salários provocam a miséria e a revolta das populações urbanas e o descontentamento da burguesia liberal. Esses fatores deságuam em confrontos que convulsionam vários países e desafiam a Ordem de Viena. Ilustrativamente, cite-se a ruptura da Bélgica com os Países Baixos, em 1830, que pela primeira vez modifica o mapa europeu traçado no Congresso de Viena (1815); e a Insurreição da Polônia sufocada pela Rússia (1830). Nos Estados Italianos, onde as revoltas têm caráter liberal, nacional ou antipapal, em contraposição aos respectivos poderes locais. Nos Estados Alemães ocorrem várias revoltas, muitas das quais reprimidas pelas forças austríacas da Santa Aliança, outras pela Prússia, onde os revoltosos queriam impor uma Constituição. As revoluções do Vormärz foram politicamente derrotadas. Todavia, economicamente, a década vê concretizada a criação do Zollverein (união aduaneira, 1834), iniciativa prussiana que sela a união econômica dos Estados alemães, sem incluir a Áustria, no âmbito do projeto político da “pequena Alemanha”, que décadas depois se concretiza no II Reich. Entrementes, politicamente a França é o epicentro desses eventos. Os Bourbon, que foram reconduzidos ao trono pelos ditames do Congresso de Viena (1815) no pós Guerras Napoleônicas, estavam no segundo governo. Carlos X, ao contrário do seu antecessor Luís XVIII, reina sob a égide do absolutismo. Descontentes, os liberais, depois de três dias de barricadas (27, 28 e 29 de julho de 1830), destronam o monarca e assumem o poder. Não obstante, as forças revolucionárias predominantes, que se sobrepõem às forças populares revoltadas, são a burguesia que teme a turba revoltada e, ao invés da proclamação de uma república democrática, optam por uma monarquia constitucionalista. O liberalismo ainda não se associou na prática à democracia. Na Inglaterra, os sindicalistas e os cartistas conseguem o reconhecimento que nenhuma reforma seria possível se os trabalhadores não conseguissem o direito de votar. O liberalismo é, assim, questionado por uma premissa democrática. Os anos 1830 começam com um acentuado desaceleramento do crescimento econômico. O desenrolar dos fatores negativos levam ao que muitos admitem ser a primeira crise geral do capitalismo com sérios impactos sociais. Em conseqüência, os trabalhadores e a população pobre reagem com levantes populares espontâneos. O alto custo de vida, os baixos salários e o subconsumo de produtos industriais motivam muitos empresários, sobretudo industriais de Manchester (produtores de tecidos) a questionar a legislação protecionista da produção de cereais que restringia a importação desses produtos (Leis do Trigo, existentes desde a Idade Média). Em 1838, por iniciativa dos industriais, surge a Liga Contra as Leis do Trigo. Para uma linha de pensamento liberal da época, a lei de proteção à produção do trigo, ao obstacularizar a importação desse produto, mantinha-o sem concorrente no mercado interno e, por conseguinte, seus preços no patamar elevado para onde tinham sido empurrados pelo isolamento britânico em decorrência do Bloqueio Continental imposto por Napoleão. Com isso, tinha-se uma pressão constante sobre os salários, posto o alto custo do trigo gerar o alto custo de vida do trabalhador, que tinha no trigo a base de sua alimentação e com ele gastava a maior parte de seus proventos. Como as Leis do Trigo beneficiavam os proprietários de terras, estes desejavam a manutenção das mesmas, o que gerou uma acirrada polêmica. Assim, em uma cadeia causal, o preço do trigo tinha que baixar. Uma forma de se atingir essa meta seria liberalizar as importações acabando com a legislação protecionista. Uma vez conseguindo baixar o preço do trigo, atingir-se-ia outra meta, a baixa do custo de vida em decorrência da oferta mais barata de alimentos, a qual acarretaria o barateamento do preço da mão-de-obra, indispensável para tornar o preço final do produto industrializado atrativo para o consumidor. Esse fato possibilitaria incrementar a economia, posto além de baixar os preços dos produtos industrializados e, com isso, dinamizar o mercado interno, intensificaria o comércio exterior, uma vez que os países exportadores de trigo (França, Rússia e EUA) passariam a ter condições de, por seu turno, importar os produtos industrializados ingleses. (A Lei do Trigo só foi revogada em 1846, sem obstante produzir os efeitos teorizados pelo fato de que os meios de transportes da época ainda não permitiam a circulação de grandes volumes de mercadorias em curto tempo). Ocorre, porém, que nos anos 1830, a par a crença dogmática dos liberais no laissez-faire, o pensamento liberal sozinho não podia modificar certas premissas básicas; no caso, o fato do processo de industrialização ainda não dispor de máquinas que proporcionassem uma racionalização tal que possibilitasse o aumento em grande escala da produção e sua circulação em tempo o mais breve possível. A produção agrícola, também, não estava mecanizada suficientemente para possibilitar tal feito. Nessa década tem-se na Grã-Bretanha o entronamento da Rainha Vitória, que em 1837 dá início ao seu longo reinado, o qual se estende até 1901. Nos primeiros anos do seu reinado, o país enfrenta dois períodos de crises econômicas tidas, então, praticamente, como fenômenos regulares inerentes à economia industrial, nos anos de 1836-7 e 1839-42. Essas crises, que incrementam a pobreza e a insegurança social, a soberana enfrentou com uma política de compromisso. Todavia, particularmente a partir da segunda metade do século, a Grã-Bretanha vivencia, sob a Era Vitoriana, seu apogeu como potência. Esse tempo é marcado pela hegemonia mundial inglesa, progresso econômico-tecnológico, expansão colonialista e primeiras lutas e conquistas dos trabalhadores. Nas Américas, os Estados Unidos, sob o postulado da Doutrina Monroe, “A América para os americanos”, reafirmam a não admissão de novas colônias européias no continente. Mas, os colonos norte-americanos assentados no Texas lutam contra os mexicanos, vencem o embate e declaram a sua independência e transformam, em 1839, o seu território em uma república. Mais tarde, em 1845, o Texas é anexado pelos Estados Unidos. Paradoxos do liberalismo. Outra questão de destaque da história norte-americana dessa década relaciona-se também com a terra, dessa feita envolvendo os indígenas. Em 1830, o Congresso aprova o Ato de Remoção Indígena, pelo qual o presidente norte-americano fica autorizado a negociar a permuta de terras na região leste do país, mais valorizadas economicamente, por terras a oeste do Rio Mississipi, mais para o interior do continente. Em 1834, é criado o Território Indígena (atual Oklahoma), destinado a receber diferentes povos indígenas. Com essa política, os Estados Unidos praticamente forçavam os indígenas a assinarem tratados, nos quais os nativos cediam suas terras de grande valor presumível, pelo direito de ocuparem algum espaço no Território Indígena. Ao todo, foram quase uma centena de acordos firmados. Nem sempre foi possível fazer os acordos sob a égide das negociações diplomáticas. Quando os indígenas ofereciam resistências, geralmente eram simplesmente expulsos à força. O liberalismo e a democracia são negócios do cara-pálida. Mas os anos 1830 são também conhecidos por outro feito, a chamada Democracia Jacksoniana, do presidente democrata Andrew Jackson, que governou os Estados Unidos de 1829 a 1837. Oriundo da classe trabalhadora, Jackson inaugura a prática do partido vencedor de uma eleição fazer indicações politicamente motivadas para os postos de trabalho da máquina administrativa, contrariando com isso um velho costume vigente. Até então os escolhidos eram sempre pessoas das camadas abastadas e as indicações permaneciam por toda a vida. Na Ibero-América, como em outras partes, insurge-se o incipiente sentimento nacionalista. No Brasil ocorrem várias revoltas sociais, que geralmente são interpretadas pela historiografia como manifestações da insatisfação do povo com o governo regencial. Essa tese dá uma dimensão simplificada do que está ocorrendo no país. O regresso de D. João VI a Portugal inaugura um período de agitações políticas de contestação ao poder central, representado pela figura de D. Pedro e, depois, pelas dos regentes que o sucedem. Um do mais evidentes e reconhecidos dentre os significados do período do governo de D. Pedro I vem a ser a dimensão de permanência da estrutura socioeconômica da ex-colônia portuguesa a despeito da independência. Na esfera política, verifica-se, também, a continuidade dos métodos e práticas na reestruturação administrativa. Nessa seara, a disputa do poder pelas forças políticas locais marca não somente o período do governo de D. Pedro I, como os subseqüentes que se prolongam por toda a década de 1830, quando, por força das circunstâncias, o país, em conformidade com os dispositivos constitucionais, é governado por regentes. Com a permanência do Príncipe herdeiro no Brasil, a luta pelo poder gira inicialmente em torno de sua figura e nas artimanhas para influenciá-lo. Com quase todas as forças políticas lutando por uma causa comum, a emancipação, tem-se um breve período liberal (1820-22). Após a independência, uma vez que o monarca passou a ter as rédeas do poder em mãos e a exercê-lo sob o viés absolutista, as outras forças políticas oferecem resistência conspirando ou se rebelando, a exemplo da Confederação do Equador. Sem a figura central de D. Pedro I, após a abdicação (7/4/1831), ocorre a vacância do poder central, face à minoridade do Príncipe herdeiro, D. Pedro de Alcântara (então com cinco anos incompletos). Com isso, pela primeira vez o Brasil fica sob o comando de suas próprias forças políticas, coincidentemente a caixa de pandora dos interesses regionais se abre e leva às várias revoltas provinciais. Em certo sentido, a figura do primeiro Imperador e seu governo representam, na prática, um período de transição, de transferência do comando do país das mãos dos portugueses para o mando dos brasileiros, que inicialmente ocorre sob os regentes, período dos mais conturbados da História brasileira e que se prolonga da Abdicação de D. Pedro I (1831) até o golpe da maioridade de D. Pedro II (1840); ou seja, ao longo do período regencial. O país que D. Pedro I deixa de herança para seu filho, Pedro de Alcântara, está quebrado. O seu banco, Banco do Brasil, falido, teve que encerrar as portas em 1829 e decretada insolvência em 1833. Uma década depois da Partida de D. João VI, o país vivencia outro regresso de seu estafe principal a Portugal. Dessa feita, da corte de D. Pedro I, o qual, por ter abdicado ao trono português em favor da sua filha Maria da Glória, volta à terra lusitana como duque de Bragança com toda a sua corte, deixando em solo brasileiro somente um filho seu, então uma criança de cinco anos incompletos, o Príncipe herdeiro. Esse acontecimento significa, em primeira linha, uma desarrumação da máquina administrativa à medida que os ocupantes dos principais postos bateram em retirada. O poder vai ser ocupado por políticos que representam muito mais os interesses das províncias geograficamente situadas em torno da Corte, fato que aumenta ainda mais as dissidências provinciais em relação ao poder central. Essa situação de instabilidade se agrava em decorrência das acirradas disputas entre as duas principais correntes pelo comando político, nominalmente os liberais moderados e os liberais conservadores. Somam-se às duas correntes os restauradores, que apregoam a volta de D. Pedro I, tendência essa que perde seu argumento com a morte do duque de Bragança, em 24 de setembro de 1834. De 1831 a 1840 o Brasil é governado por quatro regências. A Regência Trina Provisória (abril-julho de 1831) composta por Nicolau de Campos Vergueiro, José Joaquim de Campos e pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva (Chico Regência). Eleita em cima da hora pelos poucos membros da assembléia Geral presentes no Rio de Janeiro durante o recesso. Tinha a incumbência de tocar os negócios do Estado e realizar uma nova eleição, com número mais representativo de votantes. A Regência Trina Permanente (1831-1834) tem como membros Chico Regência, José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz. Eleita, porém, para governar apenas por um mandato. Durante seu governo foi criada a Guarda Nacional (18/08/1831), força paramilitar diretamente vinculada ao Ministério da Justiça, então ocupado pela figura mais proeminente desse período, o padre Feijó. Seus membros eram escolhidos por votação direta, observadas as normas censitárias. Nas grandes cidades, o membro tinha que ter renda de 200 mil réis e 100 mil réis nas demais localidades. Ainda no ano de 1831, tem lugar um debate sobre uma reforma constitucional. Para tanto, foi criada uma comissão que elaborou um projeto que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 13 de outubro de 1831. Face às manobras políticas para que o mesmo não fosse rejeitado pelo Senado, o projeto só foi aprovado em definitivo, em 12 de agosto de 1834, pelos deputados eleitos em 1833 com poderes constituintes. O Ato Adicional, medida máxima do processo reformista para adequar a Constituição de 1824 à nova realidade de um governo regencial tão longo em meio a uma crise constante, teria merecido de uma das principais figuras do período, Bernardo Pereira de Vasconcelos, a alcunha de “Código da Anarquia”. O casuísmo tentava açambarcar as diversas tendências dos políticos que, de fato, detinham o poder. A Regência, que deveria ter três membros, passa a ser única. Daí, a Regência Única do Padre Feijó (1835-1837). Feijó é eleito em eleições diretas e passa a ser o primeiro político brasileiro a ser eleito para um cargo do poder executivo. Com a demissão do padre Feijó, seu mandato é concluído por Araújo Lima. E finalmente, tem-se a Regência Única do mesmo Araújo Lima (1837-1840), quando se antecipou a maioridade de D. Pedro, que aos 15 anos incompletos assume o trono como D. Pedro II, que dá inicio ao Segundo Reinado (1840 – 1889). Assim, tem-se uma nova situação: o maior cargo do poder executivo passa a ser eletivo (e a partir da eleição para a Regência Una do padre Feijó por meio de eleição direta). O regente é eleito para exercer um mandato com tempo determinado. O Conselho de Estado (que representava o máximo de centralização) é extinto por meio do Ato Adicional de 1834; o qual, também, institui as Assembléias Legislativas provinciais, cujos membros, por seu turno, devem ser eleitos para uma legislatura de tempo determinado. Em ambos os casos as eleições são diretas e secretas. Essas mudanças introduzidas no período regencial suscitam a interpretação, da parte de alguns historiadores, de que essas são as primeiras experiências republicanas no Brasil, posto, com isso, está-se observando algumas das características fundamentais do regime republicano (temporalidade e elegibilidade do chefe do poder executivo e dos deputados tanto da Assembléia Geral, como das provinciais; submissão das decisões do magistrado à assembléia, descentralização). No período regencial, um tema polariza as posições políticas, tanto no âmbito da Assembléia geral, como principalmente em algumas províncias – a questão da unidade nacional. Em que medida as províncias deveriam gozar de autonomia? Que o poder de decisão deveria ficar na Corte, no Rio de Janeiro, era ponto pacífico para as correntes políticas soteropolitanas. Esse não é o posicionamento de muitos atores dos movimentos políticos provinciais. Nas províncias, predomina a reivindicação em torno do desejo de maior autonomia política do federalismo, em contra posição ao centralismo da Corte. O que, em última instância, significa também ter os problemas locais e suas possíveis soluções colocados em primeiro plano. Dessa forma, as sociedades provinciais alijadas das decisões políticas explodem em revoltas, levantes, sublevações contra o centro governamental. Elas, apesar de serem oriundas de um pano de fundo relacionado com as agruras do cotidiano, das tensões da situação política entre os interesses das províncias e o governo central, dos diferentes pontos de vistas sobre a questão da unidade nacional, são produtos da realidade da vida da província, ou mesmo de uma localidade; ou seja, são, em primeira linha, formas de resistência a suas situações políticas e realidades sociais próximas. Assim, o afro-brasileiro, para se ver livre do cativeiro, promove incontáveis revoltas em todos os rincões do país, cria quilombos onde se refugiam e de onde saem em grupo para atacar feiras livres. Dentre os movimentos dos escravos africanos dos anos 1830, a Revolta dos Malês é, provavelmente, a de maior expressão. Em Salvador, entre os dias 25 a 27 de janeiro de 1835, ocorre uma sublevação de escravos islâmicos das etnias hauçá e nagô. Integrantes do movimento possuíam experiência de combate desde a África e planejaram promover a libertação dos escravos dos engenhos do Recôncavo baiano a partir de uma marcha que sairia vitoriosa de Salvador em direção ao interior. Prontamente reprimidos, quatro de seus líderes foram condenados à morte. Em conseqüência, segue-se uma proibição da prática das cerimônias religiosas dos escravos e de circularem à noite pelas ruas de Salvador. O regime é abalado por perturbações internas de várias ordens que no fundo significam uma contestação às amarras do governo central e, em alguns casos, à condição de vida que se leva. Algumas pretendem ampliar as franquias políticas e sociais, outras reividicam maior autonomia para as províncias, algumas assumem um caráter separatista, emancipatório. A estrutura do regime não comportava os anseios por mais participação da sociedade nas decisões governamentais. Dentre as revoltas dessa década destacam-se, em ordem cronológica, a liberal Cabanagem, no Pará (1833-1836), que teve como estopim a insatisfação com o presidente provincial nomeado pelo governo regencial. A federalista Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul (1835-1845), que em um primeiro momento reclamava dos altos impostos sobre seu charque em contraposição à baixa taxação que incide sobre as carnes importadas da Argentina e do Uruguai; assume um caráter separatista ao proclamar as repúblicas Piratini e Juliana, esta em Santa Catarina. A republicana Sabinada, na Bahia (1837-1838), motivada pelo descontentamento em relação às autoridades impostas pelo governo central. A popular Balaiada, no Maranhão (1838-18410), tem como fatores catalisadores a insatisfação com o governante imposto e a precária condição de vida de seus membros, escravos fugidos, vaqueiros, fazedores de balaio. Praticamente todos os movimentos revoltosos do período regencial tiveram um destino comum – foram cruelmente esmagados. Em muitos casos, como era corrente à época, uma apenação comum eram os castigos corporais impingidos especialmente ao escravo fujão. Os chefes de muitas revoltas, após condenação, foram executados na forca. Único caso de rendição negociada vem a ser o da Revolta Farroupilha. A repressão, muitas vezes brutal, dos movimentos rebeldes, da “anarquia reinante” foi parte do custo arcado pela sociedade pela unidade do país. Nessa altura dos acontecimentos, tomam curso as medidas regressistas para montar um arranjo institucional que dê conta de governar o país contornando o risco de secessão territorial, de colocar ordem na sociedade. Para tanto, foram feitas algumas correções de rumo. Algumas medidas do Ato Adicional de 1834 mostraram-se ineficientes para dar conta da flexibilidade do sistema e manter a ordem e a paz social (muitos dispositivos de concepção liberal na prática terminavam sendo aplicados visando não o interesse coletivo, mas os particulares). Assim é que a tendência conservadora toma fôlego com a Regência de Araújo Lima. Ainda em 1837, formula-se um projeto de lei restringindo muitas das medidas liberalizantes do Ato Adicional de 1834. Esse projeto dos regressistas, porém, face à oposição dos liberais, somente em 12 de maio de 1840 é aprovado e passa a ser conhecido como Lei Interpretativa do Ato Adicional, que introduz restrições à autonomia das províncias e dos municípios. O Partido Regressista, como bem típico da época, engendra um plano que vem a ser coroado de êxito: antecipar a maioridade do Príncipe herdeiro. O golpe da maioridade, símbolo maior do curso conservador que o país toma doravante. Com o movimento pela antecipação da maioridade do jovem Príncipe, então com 15 anos incompletos, a transformar-se em um Imperador com grandes poderes, achavam não somente algumas importantes figuras do Partido Regressista, como também do liberal, terem encontrado a solução para a “anarquia reinante”. Em 1835 foi apresentado à Câmara o primeiro projeto propondo a antecipação da maioridade de D. Pedro. Na Regência conservadora de Araújo Lima surgem novos projetos que foram rejeitados. Porém, em 1840, a questão toma alento. Em abril é criado o Clube da Maioridade com o objetivo de mover uma campanha em prol da antecipação da maioridade do jovem Príncipe. A questão foi debatida não somente no parlamento, como também pela imprensa, e ganhou as ruas. Outro projeto apresentado ao Senado por um membro do Clube da Maioridade, padre José Martinino de Alencar, foi também rejeitado. Um projeto do deputado conservador Honório Hermeto Carneiro Leão (futuro Marquês de Paraná) propunha que os deputados da próxima legislatura tivessem poderes para reformular a Constituição quanto ao dispositivo da maioridade. Sob pressão contrária, o projeto foi retirado de pauta em julho. Enfim, alguns projetos de lei foram apresentados, mas a maioridade foi instituída mediante um acerto casuístico. Uma comissão formada por políticos maioristas, em conformidade com o presidente do Senado, se dá à incumbência de solicitar a D. Pedro que “desde já’ assuma o exercício das prerrogativas do cargo de Imperador. O jovem Príncipe acata o sugerido. Ato seguinte da trama, D. Pedro II assume o governo em 23 de julho de 1840. Está encerrado o período regencial. O Imperador adolescente passa a simbolizar a nova articulação entre as oligarquias regionais e o núcleo da oligarquia que está enriquecendo com a produção de café em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo, tornando possível o projeto centralizador em detrimento do ideal autonomista das províncias. Relativo à política externa, um tema merece atenção especial e suscita debates no parlamento. Trata-se do sistema de tratados internacionais de comércio. A Política Exterior brasileira tenta mudar de rumo e denuncia os tratados de Comércio e Navegação firmados entre o Brasil e países amigos sob o argumento que os tratados levavam o Brasil à dependência e traziam prejuízos ao comércio exterior brasileiro. O primeiro tratado denunciado foi com a Áustria, quando a Câmara dos Deputados aproveita que o tratado havia expirado e decide não renová-lo. Ainda em 1836, o governo mantém a política de independência e nega-se a renovar os tratados com Portugal. O período foi marcado pela não-renovação e interrupção de novos tratados. O tratado firmado com a Inglaterra permanece vigente. Em 1838, o Brasil denuncia os Tratados de Comércio e Navegação estabelecidos com a Prússia e cidades Hanseáticas e com a Dinamarca, assinados, respectivamente, em 1827 e 1828. No cenário internacional, em 1839, é editado o Bill de Palmerston, medida unilateral que permite à marinha britânica apresar os navios destinados ao tráfico de escravos que tivessem a bandeira portuguesa, devendo ser julgados por tribunais ingleses. Essa medida tem significado direto sobre o fornecimento de mão-de-obra escrava para as lavoras brasileiras. Economicamente, dentre outros acontecimentos, registra-se o alargamento da fronteira agrícola no sudeste do país, com a expansão do plantio do café. No início dos anos 30, há deslocamento das fronteiras agrícolas em busca de novas áreas para a expansão do café – o que ocorre principalmente na região de fronteira entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. A partir do ano de 1832, o café destaca-se na pauta de exportação do Brasil. A introdução do consumo do café no Ocidente remonta ao início dos tempos modernos. O habito de tomar café em público, em estabelecimentos destinados a servir essa bebida, remonta ao ano de 1591, quando a primeira dessas casas foi aberta em Veneza. O processo de difusão desse hábito, de início, é lento. Somente em 1652 é aberta uma casa de servir café em Londres. Próximo capítulo dessa história é registrado na França, precisamente em Marselha, no ano de 1671. Nos Estados Unidos, lá chega no ano de 1670. Depois das Guerras Napoleônicas há um aumento populacional na Europa considerável. Em alguns países, como na Irlanda, fala-se mesmo de uma explosão demográfica. Antigos costumes, antes raros e escassos na sociedade, ressurgem. Dentre esses, o hábito de beber café, que se intensifica. O mercado deste produto era abastecido pelo Haiti, porém, após a revolução dos escravos, em 1789, o mercado haitiano encontra-se desorganizado e sem produção suficiente para abastecer os antigos importadores. Diante disso, o mercado internacional busca novos fornecedores para suprir a demanda pelo café. Contribui, também, para o alargamento do consumo desse produto o crescimento urbano e o processo de industrialização, com seus operários necessitando trocar o uso de bebidas alcoólicas por uma bebida forte que os mantivessem despertados para o trabalho. O Brasil produzia café desde 1727, ano em que seu plantio foi introduzido no País. Já no fim do século XVIII e início do século XIX, o café era cultivado e exportado em pequenas quantidades. O aumento da produção é verificado com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, devido à grande demanda por este produto no mercado interno. Com o café, o pólo econômico gradativamente se desloca das províncias do norte para as do centro-sul. O invento da hélice marítima, em 1832, e a utilização do ferro em larga escala, a partir de 1837, para a construção de navios são avanços que vão possibilitar um grande desenvolvimento no transporte marítimo intercontinental, o que gera condições favoráveis ao aumento das trocas comerciais e diminuição dos custos operacionais. Acontecimentos que vão dinamizar, de certa forma, o comercio internacional de modo geral. Evidentemente que o impacto de algumas dessas invenções e descobertas só vai se fazer sentir nas décadas vindouras, mesmo por uma questão de implementação prática das mesmas. Outro invento dessa década vai ter um significado muito grande e influenciar diretamente a economia de uma região brasileira. Em 1839, Charles Goodyear desenvolve o processo de vulcanização da borracha. A região Amazônica é extremamente favorecida por esse avanço tecnológico, que gera aumento na demanda da matéria-prima, a borracha, por parte dos países industrializados, ávidos por aquele produto. Evidentemente que o impacto de algumas dessas invenções e descobertas só vai se fazer sentir nas décadas vindouras, mesmo por uma questão de implementação prática das mesmas. |