Aprendendo a Exportar
A primeira Constituição Republicana (1891 – 1900)
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CRISES E ARRANJO FEDERATIVO SOB A PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA 1891 – 1900 Os anos iniciais da década registram uma crise econômica no contexto mundial, a bolsa de nova York chega a entrar em crise em 1893. A partir de 1896, a economia mundial registra um boom econômico que emoldura um frenesi comportamental conhecido como belle époque. No comércio internacional, registra-se uma alta de preço. Esses fatores perduram até a primeira Grande Guerra A última década do século XIX, segundo o Calendário Gregoriano, assinala dois debutes na política internacional. Precisamente na segunda metade dos anos 1890, duas potências sinalizam a medida de suas ambições. Em 1896, o Kaiser, Guilherme II, em uma fala do trono, declara como divisa da política exterior alemã o deutschen Platz an der Sonne (“lugar alemão ao sol”). Com isso, anuncia a intenção alemã de tornar-se potência mundial. A Alemanha é então a economia européia mais dinâmica e a mudança de seu caráter de Estado Nacional para potência mundial transforma o equilíbrio europeu – situação iniciada quando a França furou o cerco do bloqueio isolacionista que lhe fora imposto pelo sistema de alianças arquitetado por Bismarck, ao firmar com a Rússia uma aliança, em 1894. Desde então, passa-se, gradativamente, a viver na Europa a “paz armada”. Nas Américas, os Estados Unidos entram em guerra contra a Espanha, em 1898. Então, duas facetas pioneiras do poderio da sociedade norte-americana se sobressaem: o uso da mídia e a ambição expansionista aliada ao poder bélico. Essa é a primeira guerra norte-americana além fronteira. O estopim do conflito foi a explosão acidental do navio militar norte-americano Main, no porto de Havana, Cuba. A imprensa e o governo dos Estados Unidos fizeram uma campanha de psicologia social usando o acidente para mobilizar a opinião pública contra a Espanha. Desde 1895, os Estados Unidos apoiavam as lutas por libertação do povo cubano e filipino, em última instância visando seu poder estratégico. Os Estados Unidos exigem da Espanha a independência de Cuba como medida para solucionar o entrevero, o que é recusado. Tem, então, início o conflito. Em duas semanas de combate, a Espanha é derrotada e tem que ceder aos Estados Unidos o domínio sobre Cuba, Filipinas e Porto Rico. A então maior potência econômica mundial, terceira maior marinha do mundo, não tem interesse em assumir diretamente o governo dos territórios conquistados, como no esquema do velho colonialismo. Mas, interessada está em garantir o acesso aos mercados das comunidades conquistadas e na instalação de bases militares permanentes. Esse último propósito tem um significado pioneiro, a mudança das características do exército norte-americano que, com isso, deixa de ser uma força de defesa do território nacional e transforma-se em uma força de conquista com mobilidade para se deslocar para diferentes pontos do mapa mundial. Economicamente, a Europa continua o centro do mundo. Suas três maiores economias nacionais, Alemanha, França e Inglaterra, detêm em conjunto cerca de 60% do comércio mundial. A Inglaterra continua a ser a maior potência financeira, a despeito de não acompanhar o vigor do processo de industrialização das novas potências, nomeadamente Estados Unidos, já o maior parque industrial, e a Alemanha. No Brasil, a última década do século XIX inicia-se com a promulgação da primeira Constituição da República. A constituição de 1891 assegura aos Estados da Federação ampla autonomia política e econômica, como a competência para taxar a produção e as exportações. No mesmo ano que o Brasil ganha sua primeira Constituição republicana, um desenlace fatal aprofunda ainda mais a separação com o Império. Em 5 de dezembro de 1891, D. Pedro II falece em Paris, em um modesto quarto do Hotel Bedford. Praticamente não possuía bens pessoais e havia recusado a quantia de 5 mil contos de Réis que o Governo Republicano havia oferecido para estabelecer-se na Europa. A República vivencia suas primeiras crises políticas e econômicas logo nos primeiros anos de existência. No plano político é desafiada pela Revolta da Armada e pela Revolta Federalista. A guerra é, também, o meio empregado para combater o movimento messiânico de Canudos. A Revolução Federalista no Rio Grande do Sul (fevereiro), uma guerra civil, sacode aquele Estado de fevereiro de 1893 a agosto de 1895. Motivam a revolta divergências e atritos entre facções políticas rivais com pontos de vista diferentes sobre a autonomia do Estado na Federação. Os federalistas, ou maragatos, liderados por Gaspar da Silva Martins, almejam a autonomia estadual frente ao poder federal de Floriano Peixoto. São seus opositores os republicanos, ou pica-paus, liderados por Júlio de Castilhos. Os maragatos se unem a integrantes da Armada no Paraná. Sob ferozes combates, quando a degola passa a ser uma forma de eliminar prisioneiros, os revoltosos são derrotados (1894). Após essa derrota, batem em retirada para o Rio Grande do Sul, onde dão continuidade à luta. Os revoltosos se rendem e depõem as armas, em agosto de 1895, mediante um acordo que envolveu a mediação do novo presidente da República, Prudente de Moraes. O estado de sítio e a repressão ao movimento afetam a imagem do Brasil no exterior. Em 6 de setembro de 1883 tem início a Revolta da Armada no Rio de Janeiro. Seu ponto de inflexão remonta a março de 1892, quando 3 generais enviam uma Carta – Manifesto ao presidente Floriano Peixoto exigindo a convocação de novas eleições presidenciais para que “cumprindo-se o dispositivo constitucional, se estabelecesse a tranqüilidade interna da nação”. A quase totalidade da Armada revolta-se contra a presidência de Floriano Peixoto com o propósito de “restaurar o império da Constituição”, nas palavras de seu líder Custódio de Melo. O pano de fundo são velhas rivalidades entre o Exército e a Armada. Pretendem os revoltosos “restaurar o império da Constituição” que prevê para caso de vacância do cargo de presidente, antes de completados 18 meses de mandato, a convocação de nova eleição. O mandato de Floriano não observa esse dispositivo, o que resulta no fato dele nunca ter sido diplomado como Presidente da República. Floriano resiste ao levante e se sustenta no cargo graças ao apoio das elites paulistas. Sem apoio político e social, o movimento não tem êxito. Reprimido o movimento, a prisão de seus líderes é decretada (1893). Não obstante, em janeiro de 1894, os comandados de Custódio de Melo se juntam aos federalistas e invadem o Paraná, onde organizam um governo revolucionário. A meta é tomar o poder atacando primeiro São Paulo. São derrotadas pela guarnição da Lapa sob o comando do Coronel Gomes Carneiro. O outro comandante da Revolta, Saldanha da Gama, também é derrotado, na tentativa de tomar o Rio de Janeiro a partir de posições em Niterói, pela esquerda recém chegada do exterior. Isso encerra o movimento em março de 1894. No sertão da Bahia ocorre a chamada Revolta de Canudos (1893-1897). Essa é quiçá a mais estudada entre as revoltas consideradas messiânicas da História do Brasil. No presente texto, quer-se apenas fazer o registro desse movimento que, ao final, contrapôs um bando de sertanejos, que vivia praticamente dos recursos de sua comunidade religiosa, contra os modernos canhões da República (canhões da Krupp que testados em Canudos, depois vão ser usados na Primeira Guerra Mundial). A resistência oferecida por Canudos descreve uma verdadeira saga heróica que impressionou sua mais importante testemunha, o escritor Euclides da Cunha, que relata em sua mais famosa obra, Os Sertões, publicada em 1902, os feitos daqueles sertanejos. Grande crise econômica e financeira, conhecida como Encilhamento, se manifesta desde 1890. Seus reflexos ainda se fazem sentir. Para evitar uma bancarrota, o governo contrai um crédito na Inglaterra, o Funding Loan de 1898, que impõe duras condicionalidades para liberar as parcelas do empréstimo. Primeiro plano econômico brasileiro, o Encilhamento é decorrente da política de livre emissão de créditos garantidos pela emissão de moeda do ministro da Fazenda, Rui Barbosa. O objetivo é estimular a economia e promover a industrialização. São criados três bancos emissores regionais, um na Bahia, um em São Paulo e outro no Rio Grande do Sul, aos quais se soma o Banco do Brasil. O resultado é uma febre especulativa que leva à inflação e à criação de empresas fantasmas cotadas na Bolsa de Valores. O país quebra. Os papeis da bolsa, sem nenhum valor, são jogados no setor de encilhamento do Jóquei Clube do Rio de Janeiro, de onde vem a origem da denominação da crise. Comercialmente, o Brasil continua dependente das exportações do café, que constitui o setor mais dinâmico da economia e responde por mais de 60% das exportações brasileiras. Na região Amazônica, intensifica-se a exploração da borracha, valorizada pela nascente indústria automobilística nos Estados Unidos. Nos anos 1890, o Brasil está falido e assolado pela inflação. O governo de Prudente de Moraes deixa como herança para o presidente eleito, Campos Sales (presidência 1898-1902), a solução do problema. Como geralmente acontece nessas circunstâncias, as autoridades governamentais equacionam o problema com a contração de um novo empréstimo externo. Assim, antes mesmo de tomar posse, mas como presidente eleito, Campos Sales, político paulista, típico representante dos interesses da cafeicultura, assume a tarefa de negociar a dívida e tomar um novo empréstimo junto aos credores brasileiros. Em abril de 1898, Campos Sales viaja à Inglaterra para negociar a moratória do Brasil. As negociações com os bancos ingleses, capitaneadas pelo Barão de Rothschild, levam à contração do funding loan de 1898. Os termos do empréstimo foram severos e inauguram, na banca internacional, a modalidade de empréstimo sob severas condições. A suspensão do pagamento da dívida e o empréstimo de 10 milhões de libras esterlinas foram condicionados, além de uma moratória de 3 anos, a uma cartilha com medidas severas a serem tomadas. Manoel Ferraz de Campos Sales, de volta ao Brasil, vê-se diante do problema, nada simples, de fazer um arranjo institucional que permita a governabilidade e a aprovação das condições aceitas junto aos credores internacionais. Elabora, então, uma “política dos governadores”, a construção de uma ordem republicana, um ordenamento estatal que agregue uma maioria que dê sustentabilidade ao governo. As forças em jogo são muitas, citem-se as pressões internacionais dos credores, a força dos governadores, os coronéis, o conjunto de tendências políticas presentes no Congresso. Vivem-se, ainda, as apreensões dos reflexos do Encilhamento, a frustração pela política financeira de emissão de moeda sem lastro em ouro encetada por Rui Barbosa, nos primeiros momentos da República. Para implementar sua política, conta com a decisiva colaboração de seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho. Observando as determinações dos credores, a agenda de ajuste fiscal do governo tinha, dentre outros, os seguintes pontos a serem cumpridos: arrocho fiscal e financeiro, aumento dos impostos existentes, criação de novos impostos, a exemplo do imposto de consumo, reforma das tarifas alfandegárias e introdução da taxa-ouro de 10% sobre o valor das mercadorias importadas. Meta a ser alcançada: equilíbrio fiscal com aumento das rendas públicas e compressão das despesas. Os credores exigiam, ainda, como garantia, que fossem hipotecadas todas as rendas alfandegárias do país, as receitas da Estrada de Ferro Central do Brasil e do abastecimento de água da Capital Federal. Na seara fiscal, impõe que sejam retirados de circulação volumes consideráveis de papel moeda equivalentes às parcelas do empréstimo que fossem liberadas a uma taxa de câmbio pré-fixada. Essa política termina por levar o país à recessão com uma vaga de falências, fusões de bancos, suspensão de pagamentos pelo banco semi-oficial, restabelecimento do crédito externo e elevação da taxa de câmbio. Para governar, implementar o plano de equilíbrio das despesas públicas e as obrigações com os credores da renegociação da dívida externa, Campos Sales necessitava ter um sistema político estável e maioria no Congresso Nacional. Então, põe em prática a Política dos Governadores e mudanças no sistema eleitoral, mormente do Regimento Interno da Câmara Federal, visando, por suposto, regular a dinâmica das relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Para tanto, faz-se necessário o controle de quem podia tomar posse no poder legislativo. A Política dos Governadores, dito de forma sucinta e simplificada, constituía-se em um esquema no qual o governo central prestigiava o reconhecimento dos deputados e senadores federais indicados pelos governadores dos Estados ou pelos partidos políticos neles dominantes e estes, em troca, apoiavam o governo da União em todos os assuntos relativos à política geral do país. A Reforma do Regimento da Câmara é feita em 1900. Para anular a oposição no Poder Legislativo e assegurar a realização de suas políticas públicas, em outras palavras, a governabilidade, o governo implementa medidas que lhe garantem o poder sobre a máquina do sistema político. Tudo tem seu ponto nodal na reforma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, mas envolve o poder em todos os níveis. Mudanças introduzidas: a ata de apuração geral das eleições passa a ser definida por diploma e assinada pela maioria das Câmaras Municipais de cada distrito eleitoral. Essa medida aumenta o poder do chefe local. A presidência provisória da Câmara, na fase de mudança de legislatura, passa a ser exercida pelo seu presidente da legislatura em curso (naquele momento pessoa de confiança do governo central) se tivesse renovado seu mandato e não mais pelo deputado mais velho, reeleito, da legislação anterior, como era antes. A Poderosa Comissão Parlamentar de Verificação Eleitoral (também conhecida como Comissão de Verificação, ou Comissão dos Cinco) que tinha o arbítrio de reconhecer (acatar) ou depurar (rejeitar) os mandatos dos eleitos, diplomando-os ou não, passa a ser indicada pelo Presidente da Câmara. Assim, uma única pessoa, o presidente da Casa, que deve ser de confiança do governo central, indica os membros da Comissão de Verificação, que tem poder de decidir, dentre os candidatos eleitos, quem realmente pode tomar posse. Eleito não “confiável”, que não fosse leal era “degolado”. Resultado: para o presidente deter e assegurar o poder, conseguir aprovar suas políticas, mandava-se às favas o jogo político democrático. Reconhece-se que, na prática, esse jogo é bem mais complexo e, como em todo jogo, nunca se domina todas as variáveis, ou seja, nem sempre as coisas saíam como desejável. Em síntese, a Política dos Governadores e a mudança de um “simples dispositivo” do Regimento Interno da Câmara compõem, substancialmente, a essência política da Primeira República brasileira, que na perspectiva do ângulo em foco, de forma esquemática (sem esquecer que em um processo histórico sempre interfere uma gama diversificada de variáveis, nem todas aqui aventadas) significa: desmoralização do jogo político da representação democrática, inviabilidade de uma real alternância de poder e descaracterização do Parlamento como instituição representativa. Enfim, subtração do espaço do exercício da cidadania, castração da democracia, fortalecimento das oligarquias, do mandonismo local, do coronelismo. Mas, enfim, ordem republicana não é sinônimo de democracia. Além do mais, Campos Sales faz uma aliança com o maior colégio eleitoral, o estado de Minas Gerais. Com isso, o poder passa a ser controlado por uma aliança entre as oligarquias de São Paulo e de Minas Gerais ligadas ao setor agroexportador, que se expressa no revezamento de representantes desses dois estados na presidência da República, a chamada política do café-com-leite. Dessa forma, o governo de Campos Sales, que na realidade se desdobra entre os anos finais da década de 1890 e os dois primeiros do século XX (1898-11902) consegue montar parte considerável do sistema de poder que prevalece praticamente durante toda a Primeira República. O presidente do equilíbrio físcal deixa o cargo com alto índice de rejeição, demonstrado, inclusive, pela hostilização da população quando deixava o Palácio do Governo após passar o cargo para o seu sucessor. Mas, honrou sua palavra (não existe documento escrito do funding loan de 1898), cumpriu todas as obrigações assumidas com os credores internacionais, promoveu o saneamento da economia e restabeleceu o crédito do Brasil no estrangeiro. E mais, montou a estrutura de poder que vai prevalecer, com algumas variações, durante todos os anos vindouros da Primeira República. Nesse circuito, inclui-se a Tarifa Joaquim Murtinho (1900). A República, desde seu advento até essa data, vai ter ao todo quatro tarifas alfandegárias. A Tarifa Rui Barbosa (1890) do governo do primeiro presidente, Marechal Deodoro da Fonseca, é protecionista, introduz a quota-ouro (parte do imposto teria que ser pago em moeda convertível). A taxa mais elevada ad valorem de 60%. A Tarifa Rodrigues Alves (1896), substitui a Tarifa Rui Barbosa, implementada no governo do primeiro presidente civil, Prudente de Moraes (1894-1898), tem grau mais protecionista do que a anterior; introduz dois níveis de taxação – o máximo e o mínimo, eleva para 84% a alíquota máxima. A Tarifa Bernardino de Campos (1897) visa aumentar a receita. A alíquota mais elevada é ad valorem de 200%. E finalmente, a Tarifa Joaquim Murtinho (1899). Continua com a duplicidade de alíquotas, máxima e mínima, tem caráter fiscal e visa arrecadar recursos para as finanças públicas. Nas negociações com os parceiros internacionais, o objetivo maior é sempre a redução da alíquota incidente sobre o café. Considerando que a jovem República, desde a sua proclamação até o governo de Campos Sales, teve ao todo quatro tarifas para as alfândegas, três de curta duração e a do ministro da Fazenda do presidente em epígrafe, de longa duração, tem-se uma medida da política comercial de Campos Sales. Ademais, em vários sentidos a presidência de Campos Sales aprofundou a republicanização do regime e a consolidação da República. Resta assinalar que a questão democrática não fica bem representada nesse retrato. |