Aprendendo a Exportar
A CONTURBADA DÉCADA DE 1911-1920
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OS ACORDES DA CONTURBADA DÉCADA DE 1911-1920 Os acontecimentos dos anos de 1911 a 1920 marcam o início ou o fim de uma época? Essa controvérsia existe na historiografia. Para Eric Hobsbawm, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) dá início ao século XX histórico, que seria distinto do festejado século do calendário gregoriano, que começou em 1º de janeiro de 1901 (Era dos Extremos, o breve século XX, 1914-1991, São Paulo: Companhia das Letras, 1995). Giovanni Arrighi, com uma abordagem distinta da de Hobsbawm, considera que o século XX histórico não se reduz ao século XX do calendário. Sua interpretação leva em conta outras balizas e toma, como corte temporal, os acontecimentos relacionados com a expansão financeira do fim do século XIX, a qual perpassaria, em um longo ciclo, todo o século XX do calendário gregoriano. Todavia, esse autor não indica precisamente os anos do início e do fim do seu longo século XX (O longo século XX. São Paulo: Ed.UNESP/Rio de Janeiro: Contraponto: 1996). Evidentemente, essa controvérsia tem a marca do universalismo ocidental, posto considerar os eventos que lhe são marcantes. Mas, enfim, a década de 1911 a 1920 é palco temporal de múltiplos e complexos acontecimentos, cujos acordes encerram o ressoar de determinados movimentos históricos e, concomitantemente, fazem repicar os sons de novas vertentes da história. O acontecimento histórico que mais marca a segunda década do século XX é a tragédia da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O pós-guerra dá início a uma nova ordem mundial denominada Ordem de Versalhes. Política e economicamente, uma super potência se apresenta em grande estilo no palco europeu. Woodrow Wilson faz uma viagem inédita na história (1919). Pela primeira vez, um presidente dos Estados Unidos da América visita a Europa em missão oficial. O objetivo é participar das negociações de paz. Em Paris e, nesse contexto, apresenta seu famoso Plano de Quatorze Pontos, onde esboça traços de um novo ordenamento mundial. Decididamente, o chamado “século americano” faz seu debute na Europa. Outro evento de significado a longo prazo é a Revolução Russa de 1917. “Os dez dias que abalaram o mundo”, segundo o testemunho ocular do jornalista norte-americano John Redd. Desse evento, surge um regime que se torna emblemático, especialmente no contexto da Ordem Mundial que vai emergir no pós Segunda Guerra. A Revolução de Outubro, desencadeada pelo Partido Bolchevique liderado por Vladimir Lênin, liquida com o governo provisório do Partido Menchevique, que derrubara o regime czarista, e impõe um governo socialista soviético. A contraposição à economia de mercado e ao comércio multilateral dos anos vindouros está em gestação. Com relação às comunicações marítimas, esta década também registra um acontecimento portentoso. Em 3 de agosto de 1914, é inaugurado o Canal do Panamá que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico. Propriedade dos Estados Unidos, o Canal tem, além de importância econômica, significado geoestratégico para as condições da época, principalmente se for levado em conta que a passagem interoceânica facilitará os contatos com o Havaí, “novo” Estado norte-americano, anexado em 1898. Mais barato ficará, também, o custo do transporte com o Extremo Oriente. Nesta década, a Primeira Guerra Mundial não detém o privilegio de ceifar vidas. Uma pandemia virótica abate, em números alarmantes, muitas pessoas. A famosa gripe espanhola se espalha entre agosto de 1918 e maio de 1919. Gripe pneumônica com alta taxa de letalidade, teria contaminado 5% da população mundial. Muitas vitimas da Primeira Guerra teriam morrido em consequência de seus efeitos. Apesar de conhecida como gripe espanhola, na realidade, não teve origem na Espanha. A hipótese mais provável é que o seu vírus letal esteja relacionado com o da gripe suína. Dentre suas vítimas está o ex-presidente brasileiro Rodrigues Alves, que tinha sido eleito para mais um mandato e não vai poder assumir. A marcha da economia mundial é impregnada por alguns fatores, dentre os quais se sobressaem o ocaso da Inglaterra, a queda do padrão ouro internacional, bem como o triunfo do movimento operário na revolução russa de 1917. Neste mesmo ano, no Brasil, os operários, sob forte influência do anarco-sindicalismo, fazem a primeira greve geral (1917). Guerra Mundial, revolução, revolta, greve, pandemia virótica são as palavras-chave que fazem ressoar a sonoridade (ensurdecedora) desta década. A entrada do Brasil na Primeira Guerra coincide com uma crise no setor cafeeiro, que obriga o governo a colocar em prática o segundo plano de valorização do produto. O impacto econômico da crise desencadeada mundialmente pela Primeira Guerra Mundial cria no Brasil um hiato no ciclo de expansão do “império” do multimilionário Percival Farquahar (nos anos 1920 ele consegue se reerguer usando da mesma metodologia heterodoxa de captação de recursos “contraindo dívidas sobre dívidas” e “vivendo dos favores governamentais”. A Revolução de 1930 encerra seu ciclo no Brasil). Polêmica personagem, que uma vez sonhou dominar o sistema ferroviário dos países latino-americanos, tinha investimentos que se espalhavam pelos Estados Unidos, Cuba, América Central, América do Sul e Rússia. Dono, no Brasil, da Ferrovia Madeira-Mamoré, as empresas do seu grupo Brazil Railway e Southern Brazil Lumber & Colonization, que obtiveram amplas concessões de terras na região do Contestado, Paraná, se envolvem no litígio em torno da disputa daquelas terras por “coronéis” rivais e expulsão de posseiros que as vinham ocupando, dentre os quais estavam membros da seita religiosa messiânica que deflagra a chamada Revolta do Contestado (1912-1915). Movimento esse que tem desfecho similar ao de Canudos. O café é a mola impulsora da economia e responde por mais da metade das exportações brasileiras. A diversificação nas lavouras se expande e a exportação de produtos agrícolas tem um desempenho significativo na balança comercial brasileira. Os principais produtos de exportação são o café, o açúcar, o cacau, o mate, o fumo, o algodão, a borracha e couros e peles. Os rumos do contexto político nacional foram conduzidos na esteira do acordo café com leite, até 1909, quando São Paulo e Minas Gerais se desentenderam e abriram espaço para o retorno dos militares e dos gaúchos ao cenário político nacional. Assim, na campanha para a presidência da República, em 1909-1910, o Marechal Hermes da Fonseca foi lançado como candidato, apoiado pelo Rio Grande do Sul, Minas Gerais, e pelos militares. São Paulo, por sua vez, lançou o candidato Rui Barbosa, com uma plataforma de campanha em oposição às oligarquias dominantes, muito embora a sua principal base de sustentação eleitoral fosse a oligarquia paulista. Hermes da Fonseca foi eleito para o período 1910-1914 e é nesse novo cenário que Minas e São Paulo buscam o entendimento e procuram evitar novas cisões. Em 1913, esses dois Estados fazem um acordo político, por via do qual pretendem retomar a hegemonia na política nacional e conseguem, assim, eleger o mineiro Wenceslau Brás para o período 1914-1918. Todavia, essa estratégia articulada por São Paulo e Minas Gerais é interrompida em 1918, quando Rodrigues Alves, eleito pela segunda vez, falece antes da posse. Em novas eleições, é empossado como presidente da República o chefe da oligarquia paraibana, Epitácio Pessoa, que, por força das circunstâncias políticas, acaba por se submeter à predominância dos dois grandes centros políticos do país: São Paulo e Minas Gerais. Em contraste com a economia do Estado de São Paulo, fortemente apoiada nas exportações do setor cafeeiro, Minas Gerais não possui um polo produtivo predominante e a economia desse Estado, muito dependente das benesses patrocinadas pela União, se dilui na pecuária, no café e em outros segmentos de menor importância. Na verdade, a influência mineira nos rumos da economia nacional é centrada em sua representatividade política na Câmara dos Deputados, onde detém uma bancada significativamente superior à do Estado de São Paulo. Nesse contexto, os mineiros conseguem atender à sua principal prioridade, que é uma estratégia de logística, focada na construção de ferrovias em seu território. Com efeito, isso vai se refletir na década seguinte, quando a grande maioria das construções de estradas de ferro, cerca de 40%, são realizadas no Estado de Minas Gerais. A economia gaúcha, por outro lado, é voltada basicamente para o mercado doméstico e, nessa direção, os esforços dos seus representantes políticos são concentrados na defesa dos interesses comerciais de seus produtos, principalmente do charque, destinado a outras regiões do país, especialmente o Nordeste e o Distrito Federal. O censo de 1920 indica que mais de 50% dos imigrantes se concentram no Estado de São Paulo, consequência natural de uma economia que se expande e oferece oportunidades de trabalho e incentivos à imigração, tais como a concessão de passagens e acomodação em alojamentos. Cerca de 87% dos imigrantes japoneses residem em São Paulo e vão exercer um papel importante na década seguinte, principalmente a partir de 1925, quando passam a atuar não mais como empregados das fazendas de café, mas como pequenos empreendedores de segmentos agrícolas diversificados. A grande maioria dos imigrantes italianos também se concentra em São Paulo (71,4%) e representa 9% da população do Estado. A imigração portuguesa se concentra mais nas grandes cidades, especialmente no Distrito Federal e na cidade de São Paulo, onde se destacam pela atuação no comércio e na indústria. Os espanhóis, por outro lado, a exemplo dos japoneses, preferem as cidades do interior e se concentram no Estado de São Paulo. Apesar de uma redução acentuada do fluxo imigratório no período da Primeira Guerra Mundial, as estatísticas registram a entrada líquida de quase 800 mil imigrantes na década de 1911-1920, em sua maioria portugueses, seguidos de espanhóis, italianos, japoneses e alemães, estes dois últimos em quantidade bem menor do que os demais. Nas relações de trabalho o sistema de parcerias dá lugar ao colonato, que consiste num contrato em que figuram, de um lado, o colono imigrante e sua família que são os responsáveis pelo manejo e colheita da cultura cafeeira e, de outro lado, o proprietário da terra, que, além de conceder moradia e uma pequena área para cultivo de produtos alimentícios, remunera os colonos proporcionalmente à quantidade de cafeeiros cuidados e ao produto da colheita. A diferença fundamental entre a parceria e o colonato é que neste último não há participação sobre os lucros obtidos com a venda do produto. A economia brasileira se sustenta principalmente na atividade agrícola. O censo de 1920 revela que quase 70% da população ativa, cerca de 9,1 milhão de pessoas, se dedicam a esse segmento. O restante da população ativa se divide entre a indústria (13,8%) e pequenos serviços (16,5%). Comparado ao censo de 1872, os números revelam que a participação da população ativa na indústria quase que dobra, passando de 7% para 13%. São Paulo assume a liderança industrial e responde por 31,5% da produção, seguido do Distrito Federal (20,8%) e do Rio Grande do Sul (11%). Os principais setores industriais são o têxtil, que já responde por 80% do consumo interno, alimentos e vestuário. Na medida em que se expande a produção de café, emerge a diversificação nas lavouras, impulsionada pela vocação agrícola dos imigrantes. Assim, no decorrer da década, São Paulo já é autosuficiente e gera excedentes exportáveis de produtos como o milho e o arroz, além de garantir o fornecimento de matéria-prima para a indústria têxtil, na medida em que se torna o maior produtor nacional de algodão. A exportação de produtos agrícolas é impulsionada pela política de substituição das importações e tem um desempenho significativo na balança comercial brasileira. Para que se tenha uma ideia, a comparação da média das exportações dos últimos cinco anos da década com os cinco primeiros, revela que as exportações de arroz saltam de apenas 144 toneladas para mais de 236.000 e as importações caem de 48.000 para apenas 758 toneladas. As exportações de feijão se elevam de 360 toneladas para quase 292.000, com queda das importações de 32.698 para 1.829 toneladas. As exportações de milho mais do que decuplicam e as importações caem para menos da metade. O café, mola impulsora da economia, responde por 52,4% das exportações brasileiras. Os principais produtos de exportação são o café, o açúcar, o cacau, o mate, o fumo, o algodão, a borracha e couros e peles. Mas a participação da borracha na pauta das exportações brasileiras decresce gradualmente. Se no período compreendido entre os anos de 1898 e 1910 esse produto respondia por 25,7% das exportações, nos quatro primeiros anos da década a participação é de 20% e, no período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), é de apenas 12%. Isso se deve a uma forte queda nos preços, provocada pela concorrência da borracha asiática, que, em 1915, já responde por 68% da produção mundial. O Brasil mantém um acordo bilateral com os Estados Unidos que estabelece a redução de direitos alfandegários. O café é exportado para o mercado norte-americano, com isenção tarifária e, em contrapartida, alguns produtos daquele país, entre eles a farinha de trigo, entram no mercado brasileiro com redução tarifária. Esse acordo é prorrogado até o início da década seguinte, mantendo-se a isenção tarifária para o café e redução dos direitos alfandegários para outros produtos brasileiros, como o fumo e a borracha. Antes de se adentrar na questão do café, produto em torno do qual se conduz a economia, é importante relembrar que, na década anterior, foi colocado em prática o Primeiro Plano de Valorização do Café, firmado em 1906 pelo Acordo de Taubaté, assinado pelos presidentes dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O objetivo principal era garantir preços mínimos para o café em moeda nacional e a estratégia consistia em retirar do mercado os excedentes da produção, com recursos obtidos através de um empréstimo externo, e manter o câmbio desvalorizado em níveis favoráveis às exportações do setor cafeeiro. Para esta última finalidade foi criado um fundo de estabilização cambial: a Caixa de Conversão. Com o aval do governo federal, o estado de São Paulo obteve, em 1908, um empréstimo externo de 15 milhões de libras para viabilizar as aquisições dos excedentes da produção e, assim, dar sustentação à política de valorização do café. Nesse contexto, com suporte na formação de estoques reguladores e consequente retração da oferta, os preços do produto se mantêm em alta e, no período compreendido entre os anos de 1910 e 1912, o preço do café já é quase o dobro dos preços de 1906-1908. O sucesso desse plano, porém, é interrompido em 1913, quando tem início uma crise no comércio exterior como consequência da retração da demanda dos países industrializados. O preço do café despenca no mercado internacional e a balança comercial deste ano registra um déficit de 1,7 milhões de libras esterlinas, equivalente a 25.727 contos de réis. A crise se agrava a partir do ano seguinte, quando eclode a Primeira Guerra Mundial, e o ingresso de capitais estrangeiros é interrompido. As exportações não são suficientes para fazer frente à dívida externa e o mercado cambial, que é vulnerável a ataques especulativos, entra em crise. A Caixa de Conversão é fechada. Como não existe ainda um controle efetivo sobre o câmbio, essa liberdade permite que os bancos privados concorram com o Banco do Brasil no mercado cambial e façam especulações com a taxa de câmbio, sobretudo em torno das expectativas de aquisições, pelo governo, dos excedentes da produção de café. O fechamento da Caixa de Conversão acarreta sucessivas desvalorizações do câmbio que asseguram a rentabilidade das exportações de café em moeda nacional. Com a crise de 1913, os preços dos produtos de exportação sofrem uma drástica redução, o que provoca uma acentuada diminuição no poder de compra das exportações, que leva a uma queda nas importações. Como consequência da redução das importações de matérias-primas, bens de capital e combustíveis, fica comprometida a expansão industrial, apesar dessa circunstância permitir, por outro lado, um aumento da capacidade produtiva das indústrias já instaladas e a geração de excedentes que são exportados em grande quantidades, caso, por exemplo, do açúcar e de carnes frigorificadas. Assim, após uma acentuada queda na receita de exportações em 1914, em decorrência do declínio dos preços internacionais de produtos tradicionais, especialmente o café, verifica-se uma recuperação a partir de 1915, quando a pauta é diversificada e passa a incluir, além de produtos industrializados, a exportação de produtos agrícolas não-tradicionais como o milho e o feijão. Comparando-se os anos de 1914 e 1917, verifica-se, por exemplo, que as exportações de carnes frigorificadas, até então inexistentes, totalizam 66,5 mil toneladas e as exportações de açúcar crescem de 11,2 mil toneladas para 127,6 mil toneladas. Com efeito, as circunstâncias que restringem o comércio exterior durante o período da guerra acabam por favorecer a substituição de importações de produtos agrícolas. O incremento na produção desse segmento se reflete num acentuado aumento das exportações de gêneros alimentícios. Produtos como o arroz, feijão e milho, deficitários até 1914, revertem os saldos comerciais e começam a gerar superávits a partir de 1916. A produção de milho já é a segunda no mundo, atrás apenas da produção norte-americana. Em abril de 1917, uma embarcação brasileira é torpedeada por um submarino alemão e o Brasil rompe as relações diplomáticas com a Alemanha. Em outubro deste mesmo ano o presidente Wenceslau Brás sanciona uma resolução do Congresso Nacional que reconhece o estado de guerra. Assim, o Brasil entra na Primeira Guerra Mundial em meio à expectativa de uma safra excepcional de café (1917-1918), que agrava a crise do setor cafeeiro, já combalido pela queda dos preços no mercado internacional. O governo, então, ainda em 1917, coloca em prática o Segundo Plano de Valorização do Café, que se estende até 1919, e adquire mais de 3 milhões de sacas para formar um estoque regulador e conter a oferta do produto. No ano seguinte, uma forte geada se encarrega de comprometer quase 40% dos 800 milhões de cafeeiros existentes e os preços voltam a subir, impulsionados, também, pela demanda do mercado europeu reaquecida com o fim da guerra. Nessas condições, a balança comercial de 1919 registra um saldo recorde de 45,5 milhões de libras esterlinas, que só vai ser superado em 1946. No ano seguinte, porém, a expectativa de outra safra espetacular (1920-1921), associada à retração do comércio com os Estados Unidos, empurra o preço para baixo outra vez. A balança comercial de1920 fecha com um saldo negativo de 6 milhões de libras esterlinas. Isso vai resultar em nova intervenção do governo, que, na década seguinte, colocará em curso o Terceiro Plano de Valorização do Café. A década de 1911-1920 reflete, assim, os traços marcantes de uma economia agroexportadora sustentada quase que exclusivamente na performance das exportações do setor cafeeiro. Nas décadas seguintes, especialmente a partir dos anos 30 e 40, vai se iniciar uma movimentação no sentido de impulsionar o segmento industrial, cuja expansão tem sido, até agora, muito cerceada pelos interesses do setor cafeeiro. |