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Governo entrega titulação de terra a indígenas do Alto Rio Guamá
- Foto: Comunicação TIARG
Com presença de representantes de todas as aldeias da Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará, o governo federal entregou nesta quarta (28) o Auto de Reintegração de Posse do território aos povos que vivem na área de 282 mil hectares, depois de anos de disputa com não indígenas que insistiam em ocupar irregularmente a terra, reconhecida em 1945 e homologada em 1993.
A cerimônia, realizada na Aldeia Central da porção Norte do território, concretiza um momento importante, que é a devolução da terra para uso integral dos povos originários. A entrega aconteceu depois de uma ação bem-sucedida de retirada voluntária dos não indígenas que viviam na região, coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República.
Seguindo determinação judicial de reintegração de posse, o governo federal iniciou a operação em março e, desde começo de maio, foi a campo numa operação de conscientização e muita conversa com indígenas, não indígenas e poder públicos dos municípios aos quais a área pertence.
“ANGÚSTIA CHEGOU AO FIM”
A ação, tecnicamente chamada de desintrusão e que continua em curso, envolve diferentes órgãos, numa articulação transversal característica do governo federal. Coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência, a equipe contou com presença da Força Nacional, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Funai, do Incra, do Ibama, da Abin, do Censipam, do Exército e da Secom.
Nilton Tubino, assessor da Secretaria-Geral e coordenador da operação em campo, explicou o que foi realizado no período de quase 60 dias e agradeceu o comprometimento de todos os órgãos. “Esse trabalho só foi possível com a unidade de todos”, disse, tendo também sua atuação reconhecida no depoimento dos demais órgãos. Tubino explicou que nos próximos 30 dias será feita a consolidação do processo, com retirada de equipamentos e organização da segurança da terra a partir de agora.
A secretária-executiva da Secretaria-Geral da Presidência, Maria Fernanda Coelho, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, e a secretária estadual dos Povos Indígenas, Puyr Tembé, entregaram o documento a lideranças das aldeias. Todos demonstraram alegria, agradecimento e reconhecimento dos esforços do governo com a cultura, o meio ambiente e os direitos indígenas.
“É uma satisfação imensa. Nós estamos nessa luta há mais de 40 anos. Meu avô, meu pai, meus tios que tanto lutaram. Muitos já se foram, não conseguiram ver essa imensa alegria que está sendo realizada hoje. Com tantos anos de luta, a angústia chegou ao fim”, disse o cacique Naldo Tembé.
SOB O TESTEMUNHO DA ONU
Homens, mulheres e crianças das 42 aldeias receberam a comitiva de autoridades dos governos federal e estadual com festa e dança de boas-vindas. O ritual emocionou em particular Sílvia Rucks, coordenadora da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, que, numa agenda em Belém, foi de surpresa ao encontro.
Em rápida declaração, ela elogiou a articulação entre os órgãos do governo para a operação de desintrusão, disse que essa experiência deve servir de exemplo para outros países e declarou também que nunca vai se esquecer da celebração.
“Não seria possível conseguir esse resultado sem a participação de todas as instituições. É histórico para o Brasil e para os povos indígenas, mas também um exemplo para a América Latina, para os povos que estão batalhando pelo reconhecimento do território”.
Sob aplausos, ela contou que, em agosto, Brasil e Nações Unidas vão anunciar um fundo específico para apoiar projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia.
FUGINDO DA MOTOSSERRA
“Talvez quem está de fora não entenda o que está acontecendo, mas nós sabemos o que está acontecendo. Os que já se foram estão entendendo o que está acontecendo”, disse Puyr Tembé, secretária dos Povos Indígenas do Pará e nascida na terra indígena. Ela lembrou das tensões das aldeias com a ameaça de invasores e destacou a necessidade de preservação da floresta e da vida dos povos da Amazônia.
“É muito difícil olhar para trás e lembrar que, às vezes, a gente corria quando ouvia o barulho da motosserra por perto. Escutava um caminhão chegando e se escondia porque vinha uma ameaça de nos matar. A gente se escondia e depois voltava, a vida seguia, mas não desistia de lutar. A gente resistia avançando, e foi assim que a gente conseguiu segurar esse território. E a gente vai continuar segurando esse território que o governo entrega em nossas mãos”, disse, destacando a necessidade de combater ilegalidades como o garimpo e o desmatamento da Amazônia. “É esse o nosso papel e é isso que vamos fazer”.
“OBRIGADA POR RESISTIREM”
A presidenta da Funai ressaltou o fato de o auto de reintegração de posse estar sendo feito depois de 54 dias do início do cumprimento da determinação judicial e destacou o dia histórico que 28 de junho passará a ser para os indígenas do Alto Rio Guamá. Ela reconheceu o papel de todas as instituições envolvidas na operação e homenageou especialmente os funcionários da fundação que dirige. Segundo ela, a Funai ficou por muito tempo escanteada, mas que hoje “voltou”.
“Para mim é muito emocionante vir aqui celebrar, mas principalmente fazer um ato de retorno da terra para as mãos dos povos indígenas dessa terra. Essa luta não começou agora. Teve gerações e gerações que testemunharam e viram pais, netos, avôs e não desistiram. Quando eu digo obrigada, estou dizendo obrigada por resistirem e não desistirem jamais desse reconhecimento”, disse Joenia Wapichana, homenageando o indigenista Bruno Pereira, morto há um ano na Amazônia, por defender os direitos indígenas.
ARTICULAÇÃO INTERFEDERATIVA
Representando o secretário-geral da Presidência da República, Márcio Macedo, a secretária-executiva, Maria Fernanda Coelho, reafirmou o compromisso do governo federal com os povos indígenas, com a preservação ambiental e com o combate à fome. Ela lembrou o que a marca do governo nos primeiros 100 dias é a civilidade.
“Caciques, mulheres, crianças; parabéns pela luta, pela perseverança, pela persistência, honrando os ancestrais que lutaram durante todo esse período. Uma alegria estar aqui com vocês hoje. Em nome do ministro Márcio Macedo trago o nosso compromisso nessa luta, não só do Alto Rio Guamá, mas de todos os povos indígenas”, disse, ressaltando a importância do governo do Estado do Pará no processo. “A articulação interfederativa é fundamental para a execução do trabalho”.
A ministra Sonia Guajajara, com a mesma origem familiar dos povos do Alto Rio Guamá, disse que experiências bem-sucedidas como essa só acontecem devido à orientação do governo de que as ações sejam transversais, com envolvimento de vários ministérios e órgãos. Ela destacou a importância dos povos indígenas para preservação ambiental e combate das mudanças climáticas.
“Esse território nas mãos do povo tembé, dos povos indígenas, é garantia de proteção da cultura, de proteção da biodiversidade e de contribuição para o equilíbrio climático”, disse, pontuando ainda que o governo também tem cuidado com as pessoas que viviam irregularmente na terra.
Segundo ela, os processos de desintrusão acontecerão sempre com diálogo com estados e municípios e com os ministérios que possam contribuir para melhor resultado. “Estamos num momento histórico e de oportunidades”. O passo seguinte no Alto Rio Guamá, disse, é garantir condições de produção para os povos indígenas em seu território integral.