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Presidente Bolsonaro veta Projeto de Lei que disciplinaria o procedimento de declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica
O Presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou o Projeto de Lei nº 3.401, de 2008, que disciplinaria o procedimento de declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica e daria outras providências.
Segundo o autor, a proposição legislativa pretendia estabelecer regras processuais para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Como se sabe, a desconsideração da personalidade jurídica tem por objetivo permitir o alcance de bens e pessoas que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abusivos.
Quanto à origem da teoria, aponta-se o seu surgimento na Inglaterra, no caso de litígio entre os irmãos Salomon, em 1897. No Brasil, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica foi adotada pelo legislador na codificação de 2002, tendo reverberações em outros ramos do Direito, como, por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor (art. 28 da Lei nº. 8.078, de 1990), na legislação ambiental (art. 4º da Lei nº. 9.605, de 1998), na Lei de Defesa da Concorrência (art. 34 Lei nº. 12.529, de 2011), no âmbito das contratações públicas (art. 160 da Lei nº. 14.133, de 2021), e na Lei Anticorrupção (art. 14 da Lei nº. 12.846, de 2013).
Recentemente, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi objeto de aperfeiçoamentos por meio do advento do novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 2015) e com as alterações promovidas no art. 50 do Código Civil, pela Lei nº. 13.874, de 2019 (Lei de Liberdade Econômica).
Com o Código de Processo Civil, fora criado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, com previsão a respeito da necessidade de instauração a pedido da parte ou do Ministério Público já na petição inicial ou de forma incidental, bem como cabimento em todas as fases do processo. Além disso, dispôs-se sobre o contraditório e o exercício da defesa pela parte contrária, além da possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
A Lei nº. 13.874, de 2019, por sua vez, passou a viabilizar a desconsideração da personalidade jurídica - com a ampliação de responsabilidades, ao sócio ou administrador que, direta ou indiretamente, for beneficiado pelo abuso, bem como trouxe critérios objetivos para a incidência da desconsideração nas relações civis, em prol da certeza e segurança jurídica.
Indiferente, contudo, a esses avanços empreendidos e a todas as nuances do instituto a depender do ramo do Direito no qual será aplicado, o Projeto de Lei nº 3.401, de 2008, foi aprovado com texto datado de 2014 e a pretexto de se fazer lei geral sobre o tema, configurando, pois, verdadeiro retrocesso frente aos reais ganhos já obtidos com a legislação vigente.
O Projeto de Lei nº. 3.401, de 2008, por exemplo, veda a concessão de tutela provisória no instituo da desconsideração. Ao assim dispor, o Projeto vai de encontro ao disposto no inciso XXXV do art. 5º da Constituição que assegura o acesso à justiça e, tão logo, a proteção eficaz e tempestiva aos direitos ameaçados. Em que pese a regra seja oportunizar o contraditório prévio, não se pode olvidar que, em alguns casos, exige-se a adoção de providências de natureza urgentes, com vistas a resguardar o resultado útil do processo.
O Projeto ainda veda a desconsideração de ofício pelo juiz, o que é amplamente admitido em casos envolvendo a ordem pública, como o Código de Defesa do Consumidor e a legislação ambiental, bem como casos envolvendo corrupção, por força da Lei nº. 12.846, de 2013, de interesse coletivo inquestionável.
No que tange ao âmbito tributário, o Projeto busca equiparar a desconsideração da personalidade à responsabilização pessoal de terceiros por atos ilícitos no âmbito administrativo, determinando que, em ambos os casos, a eficácia em relação à parte ou a terceiros ficará condicionada à provisão judicial.
Nesse particular, o Projeto desconsidera as diferenças formais entre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e da imputação formal de responsabilidade, tendo em vista que essa última, por força dos art. 124, art. 129 a art. 135 do Código Tributário Nacional, pode ser aplicada, desde logo, pelo juiz do feito executivo ou diretamente pela administração.
Ao exigir, contudo, em todo em qualquer caso, a existência de decisão judicial, o Projeto teria o condão de gerar a instauração de 2,8 milhões de incidentes de desconsideração da personalidade jurídica para dar ensejo a responsabilizações de sócios-administradores, gerando uma sobrecarga desmedida no Poder Judiciário e na própria Administração Fazendária, o que se revela contrário ao interesse público.
Não bastasse isso, o Projeto põe em xeque a sobrevivência do art. 14 da Lei nº. 12.846, de 2013, que assegura a possibilidade de desconsideração administrativa da personalidade jurídica sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção ou para provocar confusão patrimonial, em total descompasso aos anseios do Governo Federal voltados ao combate à corrupção.
Sob o prisma constitucional, ao condicionar a atuação da administração tributária à prévia decisão judicial, o Projeto incorre em afronta a alínea "b" do inciso III do art. 146 da Constituição Federal, o qual estabelece como sendo matéria típica de lei complementar toda aquela que objetive estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.
A par dessas considerações, resta claro que uma nova legislação sobre o tema, na forma proposta pelo Projeto, teria o potencial de causar discussão em âmbito judicial e administrativo, ampliando desnecessariamente o grau de incerteza quanto ao direito vigente, bem como geraria enorme insegurança jurídica ao aplicador do Direito e, até mesmo, ao jurisdicionado frente aos enormes retrocessos trazidos ao instituto da desconsideração pelo Projeto.
Dito isso, tem-se que o veto presidencial ao Projeto de Lei nº 3.401, de 2008, se revela premente, não se justificando a chancela de um texto datado de 2014, que não dialoga com o ordenamento jurídico vigente, desconsiderando, em verdade, os avanços já empreendidos desde então ao instituto.
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