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Entrevista com o Secretário Especial de Assuntos Estratégicos, Maynard Santa Rosa
Qual sua visão sobre o papel do Planejamento Estratégico no âmbito do Governo Federal?
A visão de futuro no que diz respeito ao Planejamento Estratégico deve ser construída no Centro do Governo, considerando as tendências evolutivas da sociedade e os parâmetros escolhidos pela maioria na eleição do presidente. Não é mais viável uma centralização total, mas é possível a centralização no nível de diretriz estratégica. As diretrizes estratégicas precisam ser decompostas nos ministérios mediante um trabalho de articulação feito a partir da Presidência da República. As diretrizes precisam ser centralizadas e a execução descentralizada. Nesse sentido, a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo, criada pelo Decreto 9819/19, tende a exercer papel de relevo.
Estudando a história da administração pública brasileira, é muito difícil identificar um governo que tenha uma visão de longo prazo. Por exemplo, os chineses planejam 50 anos, os coreanos planejam 20 anos, por que no Brasil é tão difícil, em sua opinião, esse planejamento de mais longo prazo?
Nós brasileiros não temos uma visão de País de longo prazo. Nós somos extremamente imediatistas. A configuração política do País, ao longo da história, foi sendo feita de modo top down. O imperador Dom Pedro II foi o primeiro a encarnar a autoridade centralizadora. Depois que se implantou a República, o federalismo fragmentou, novamente, tudo que existia no País, e os interesses regionais prevaleceram durante um longo tempo. O governo Getúlio Vargas começou o processo moderno de centralização, em que pese o lado político, as questões ideológicas. A verdade é que foi o governo Getúlio Vargas que começou a integração efetiva do país. De Getúlio pra cá, tivemos algumas iniciativas interessantes. O governo militar tinha uma visão estratégica bastante definida por razões geopolíticas. Quando o regime militar se extinguiu, voltou o fracionamento anterior. É preciso recuperar agora o pensamento estratégico de longo prazo do governo federal. Os estudos que foram feitos recentemente pelo TCU, a partir de 2014, e essa tentativa de se alinhar com a OCDE estão favorecendo esse esforço. Não é viável um país do tamanho do nosso, com 210 milhões de pessoas, não ter uma visão estratégica centralizada e uma definição de futuro do conjunto.
Uma visão estratégica do Brasil como liderança regional enfrenta quais obstáculos? Como enfrentar essas restrições?
O maior obstáculo é a dificuldade de se obter consenso dentro da dinâmica de governo. O primeiro passo é centralizar as diretrizes estratégicas na Presidência da República. Dada a posição geopolítica do Brasil, nós podemos exercer um papel indutor do desenvolvimento e da cooperação na região, mas nós ainda não despertamos para esse viés. Nós ainda não conseguimos ter uma visão de conjunto do continente.
O Plano Plurianual contribui para uma visão estratégica ou não, por quê?
O PPA deve ser o parâmetro objetivo que garantirá a concretude do planejamento estratégico de futuro. A função dele é balizar as metas de médio prazo. Os planos nacionais existentes não têm vinculação com o processo orçamentário. Precisamos recuperar a efetividade dos planos. Para isso, o PPA precisa assumir uma visão integrada, que promova a transversalidade e a integração de projetos setoriais, sob a coordenação da Presidência da República. E a partir daí garantir que o PPA se replique no orçamento e seja integrado ao PPI, articulando os recursos da iniciativa privada.
Qual o papel da SAE na construção dessa visão?
A SAE tem a função institucional de avaliar a conjuntura, levantar as macrotendências de futuro e formular os cenários alternativos a serem submetidos à decisão do governo.
Estamos trabalhando com sete agendas estratégicas aprovadas pelo Presidente da República.
A primeira se refere à tecnologia aeroespacial. Vamos lançar o foguete brasileiro, com satélite brasileiro e colocá-lo em órbita. Ano passado a Argentina lançou o seu primeiro nano satélite e o colocou em órbita com foguete próprio. Nós também temos plenas condições de fazer isso, o que vai possibilitar avanços importantes em diversas políticas públicas sem que o País fique vulnerável a interesses externos.
A segunda agenda estratégica diz respeito à tecnologia nuclear. O Brasil tem o processo mais eficiente de enriquecimento de Urânio. No entanto, ainda não conseguimos industrializar esse processo. A tecnologia nuclear oferece diversas possibilidades de uso pacífico que estamos deixando de aproveitar. Podemos nos tornar, por exemplo, autossuficientes na produção de radiofármacos utilizados no tratamento do câncer; com impacto direto na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. O Brasil, hoje, importa cerca de US$ 19 milhões ao ano em radiofármacos e radioisótopos.
A terceira agenda diz respeito à Calha Norte do Rio Amazonas. A região amazônica historicamente tem recebido pouca atenção dos brasileiros. Precisamos ter uma alternativa à Zona Franca de Manaus, multiplicando o potencial geoeconômico e estratégico de Santarém. Fazer um enlace comercial entre Manaus, Santarém e Belém, viabilizando um mercado regional amazônico.
A quarta agenda se refere à defesa cibernética. Hoje no Brasil nós sofremos, em média, 5 mil ataques cibernéticos por dia. Precisamos estar preparados para lidar com essas ameaças, que tendem a aumentar.
A quinta agenda estratégica é na área de saúde. Precisamos eliminar as moléstias tropicais. Nós sabemos que os laboratórios do hemisfério Norte não investem na extinção dessas doenças, pois elas não afetam grande parte de suas populações. Mas o Brasil tem condições de eliminar a malária, a leishmaniose, a microfilariose e o mal de chagas. Se congregarmos os recursos científicos já existentes e fizermos os investimentos necessários, podemos conseguir. Isso vai beneficiar a população brasileira, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além disso, vamos produzir medicamentos que poderão ser transportados para Índia, Paquistão, Malásia, Birmânia, para os países do extremo-oriente que sofrem do mesmo problema.
A sexta agenda diz respeito à mineração, que, no Brasil, segue subutilizada. Nós só estamos com 30% do território nacional mapeado na escala de 1 por 100 mil. Precisamos mapear o restante do território e quebrar as caixas pretas que impedem o aproveitamento do setor. Precisamos criar condições favoráveis para que a iniciativa privada aproveite esse imenso potencial.
E a sétima agenda se refere ao desenvolvimento tecnológico nacional. Precisamos ter um Plano Nacional de Desenvolvimento Tecnológico capaz de abranger todos os ministérios e áreas setoriais. A indústria é fundamental pra manter até a educação tecnológica do povo. É preciso que haja uma massa grande trabalhando na indústria para que se preservem as conquistas tecnológicas e o conhecimento que já foi adquirido. É preciso atacar as raízes do custo Brasil para que a indústria brasileira consiga penetrar nos mercados com mais competitividade.
por Jackson De Toni
Publicado originalmente em: assecor.org.br