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SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
Mudanças Climáticas: Consea discute o impacto direto e significativo sobre a insegurança alimentar
A plenária dos dias 7 e 8 de maio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional discutiu o cenário da crise climática, a soberania e a segurança alimentar e nutricional. Um dos painéis contou com a participação de especialistas da sociedade civil e do governo federal para a discussão sobre o enfrentamento da crise climática, as causas, consequências e o desenvolvimento de estratégias para mitigar a variabilidade climática e garantir a segurança alimentar.
A doutora Mercedes Bustamante, professora do Departamento de Ecologia, da Universidade de Brasília, explicou que, com o aumento das temperaturas globais, a produção de alimentos se torna mais difícil e incerta devido a mudanças nos padrões climáticos, eventos climáticos extremos e outras perturbações ambientais. Segundo ela, esses desafios têm implicações de amplo alcance para o suprimento de alimentos em todo o mundo.
“O aumento da frequência e da intensidade de inundações, secas, tempestades e eventos extremos podem levar a interrupções consideráveis nas cadeias de suprimento de alimentos por meio de comprometimento no plantio e colheita e danos à infraestrutura. Ou seja, a mudança climática tem um impacto direto e significativo sobre a segurança alimentar e nutricional”, completou.
Bustamante também apresentou dados sobre as implicações do estresse térmico para a saúde da força de trabalho no Brasil, os impactos econômicos ocasionados pelas mudanças climáticas e os riscos à produção pesqueira, teor nutricional dos alimentos e as interações com riscos à saúde humana.
De acordo com a pesquisadora, a exposição das pessoas a ondas de calor, secas e inundações impacta na segurança alimentar e nutricional e saúde além de reduzir sua produtividade, afetando seus meios de subsistência e renda, especialmente para aqueles envolvidos em setores sensíveis ao clima ou que trabalham ao ar livre. “Essa exposição pode afetar fortemente os grupos de baixa e média renda que estão em situações de maior vulnerabilidade, aqueles que dependem da agricultura de sequeiro e grupos sociais e econômicos específicos, por exemplo, pequenos agricultores e trabalhadores rurais, famílias de baixa renda, idosos, mulheres e crianças”.
Mas Bustamante também afirmou que ainda é possível priorizar ações de mitigação e adaptação para reduzir a intensidade de consequências adversas para a segurança alimentar e nutricional. Para isso, ela entende ser preciso que governos e organizações da sociedade civil sejam proativos para desenvolverem estratégias de produção e acesso a alimentos que resistam a eventos climáticos extremos e à variabilidade climática.
A especialista ainda listou 10 recomendações para prevenir a insegurança alimentar, entre elas, está a necessidade de investimento em sistemas de armazenamento de alimentos que resistam a eventos climáticos extremos; diversificar as fontes de alimentos e as técnicas de produção agrícola para reduzir os riscos; adotar sistemas de gerenciamento de água que reduzam os danos às colheitas causados por enchentes ou secas; e a implementação de práticas agrícolas sustentáveis, como agricultura de plantio direto, agrossilvicultura e culturas de cobertura.
O enfrentamento da crise climática e as falsas soluções
Ao comentar sobre quais seriam as soluções necessárias baseadas nos territórios para o combate à crise climática, a cientista política e ecologista Maureen Santos alertou para a necessidade da justiça climática, com a responsabilização dos grandes emissores de gases de efeito estufa, a implementação de uma transição planejada que impulsione o desenvolvimento sustentável no País.
“Os grandes poluidores da agroindústria, por exemplo, são, cada vez mais, os protagonistas de soluções ambientais quando são eles os causadores. O conceito poluidor/pagador vem sendo desvirtuado e, agora, a ideia é: se eu posso pagar, eu posso poluir. Com o G20 acontecendo, temos a oportunidade de discutir essa questão e pontuar a necessidade de que os agentes causadores sejam cobrados em espaços oficiais e tornem-se pagadores e não formuladores de soluções que não alteram em nada os modos de produção, como o mercado de carbono”.
Ela também criticou a morosidade das ações sobre a transição energética e a desigualdade na implementação de políticas públicas de enfrentamento às crises ambiental e ecológica. “Quem tem segurado a queda do céu? Parafraseando aqui Davi Kopenawa e Bruce Albert. São os pequenos agricultores, os assentados da reforma agrária, Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais, as mulheres. E também são eles que não são atendidos pelas políticas públicas de enfrentando à crise climática. Os mais impactados são os menos assistidos”.
Maureen Santos também ressaltou a importância da agroecologia como estratégia de mitigação, resiliência e adaptação e questionou os motivos pelos quais as políticas públicas não estão voltadas à agroecologia como parte das soluções climáticas.
A Política Nacional sobre Mudança do Clima: Plano Clima 2024-2035
Representantes do governo federal também participaram do debate do Consea sobre os impactos das mudanças climáticas no âmbito da segurança alimentar e nutricional. Eles apresentaram iniciativas do Poder Executivo para o enfrentamento das mudanças climáticas que tem buscado a transversalidade entre os ministérios para a construção de uma proposta de modelo econômico, produtivo, estrutural menos dependente do carbono e mais resiliente ao clima.
A secretária nacional de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, apresentou os principais pontos da Política Nacional sobre Mudança do Clima: Plano Clima 2024-2035, a atuação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), instituído pelo Decreto nº 11.550/2023, e os objetivos e metas do plano clima mitigação e do plano clima adaptação, que devem ser aprovados pelo CIM, ainda este ano.
Ana Toni reconheceu que o Brasil não está preparado para os eventos climáticos extremos e que é preciso trabalhar, de forma acelerada, com os cronogramas de implementação nas áreas de mitigação e adaptação. “Metade dos municípios brasileiros não tem defesa civil equipada. E sabemos que o extremo de hoje será o novo normal de amanhã. Portanto, estamos elaborando oito planos setoriais, na área de mitigação, e 15 no segmento de adaptação, com ênfase nas áreas de educação e capacitação”.
Entre as estratégias transversais para a ação climática, estão a transição justa, a mensuração dos impactos socioeconômicos e ambientais da transição, os meios de implementação, a educação, capacitação, pesquisa, desenvolvimento e inovação, e o monitoramento, gestão, avaliação e transparência das ações.
Lilian Rahal, secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, externou a preocupação do governo federal com os impactos das mudanças climáticas no uso da terra, nos cultivos agrícolas que podem ocasionar o desabastecimento alimentar das comunidades. Ela ressaltou que as questões climáticas são destaque no plano setorial para a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional no País e compartilhou as principais ações do MDS para a transformação dos sistemas alimentares. “Temos um grande compromisso de diálogo com os outros órgãos, pois o impacto das mudanças climáticas no acesso aos alimentos é transversal. Precisamos trabalhar sobre a produção, a disponibilidade, o acesso e o consumo.
Para concluir o debate, Gustavo Goretti, coordenador geral de Irrigação e Conservação de Solo e Água, da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo, do Ministério da Agricultura e Pecuária, apresentou os prejuízos dos eventos climáticos extremos na agropecuária brasileira. Segundo ele, nos últimos 10 anos, os danos somaram R$ 260 bilhões.
Goretti ratificou que o equilíbrio entre o social, econômico e ambiental é um grande desafio e apresentou as estratégias do plano nacional de adaptação no âmbito da agropecuária. “Temos um dos maiores planos de agricultura de baixa emissão de carbono do mundo e vamos trabalhar para incorporar tecnologias e inovação para os produtores brasileiros para aumentar a resiliência, conservar os nossos recursos naturais, aumentar a biodiversidade e garantir o desenvolvimento econômico sustentável do País”.