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COMBATE À FOME
Especialistas discutem os desafios do direito humano à alimentação adequada
Dirigir as decisões sobre os sistemas alimentares à sociedade civil e não às grandes corporações para fortalecer e garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). A visão é do relator especial para o direito à alimentação do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michael Fakhri, que participa da oficina “Novas ferramentas para fortalecer o uso de instrumentos internacionais do direito à alimentação para as lutas sociais e políticas públicas” promovida pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em parceria com Instituto Alemão de Direito Humanos (German Institute for Human Rights – GIHR), com a realização da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (Sesan/MDS).
“A concentração do poder corporativo nos sistemas alimentares resulta em violência sistêmica, desigualdade estrutural, guerras e o aumento da fome aguda no mundo”, destacou Fakhri, nesta segunda-feira (16), durante o painel sobre “Introdução às perspectivas dos principais grupos de constituintes e aos principais processos políticos”. Para ele, respeitar os direitos humanos deve ser prioridade em qualquer cenário nacional ou internacional.
O relator especial da ONU afirmou sobre a necessidade de aprimoramento das ferramentas para a cooperação internacional, mas destacou a importância da valorização do conhecimento local e tradicional dos sistemas alimentares com o desenvolvimento de políticas nacionais e reformas legais que estejam baseadas em direitos humanos. Ele ainda parabenizou o Brasil pelo histórico de resistência popular e disse que a reflexão sobre as novas ferramentas precisa englobar em sua agenda temas como as crises climáticas, as situações de conflito e a proteção da sociobiodiversidade para o desenvolvimento sustentável dos países e do mundo.
“Já aprendi muito com a experiência da atuação da sociedade civil brasileira e estou aqui para continuar a aprender, pois esta é a minha missão: aprender com todas as pessoas do mundo, reunir e partilhar esse conhecimento. Por isso, o meu próximo relatório é sobre como utilizar o direito à alimentação para transformar os sistemas alimentares nacionais”.
A embaixadora sul-africana Nosipho Nausca-Jean Jezile, presidente do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) da Organização das Nações Unidas (ONU), enfatizou que o mundo encontra-se em um período onde não é mais necessário falar da importância da comida, e, sim, reconhecer, de uma vez por todas, que a alimentação é um direito humano.
Jezile informou que a 52ª Sessão Plenária do CSA, que será realizada de 21 a 25 de outubro deste ano, em Roma, Itália, estará concentrada no fortalecimento dos sistemas alimentares urbanos e periurbanos para alcançar a segurança alimentar e nutricional no contexto da urbanização e transformação rural. Para isso, a presidente do Comitê disse que serão avaliados os impactos das Diretrizes das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, que completou 20 anos de implementação.
“Na plenária de outubro nós vamos compartilhar experiências das diretrizes e isso será um tema crucial para a atualização da agenda do direito à alimentação. Vários acordos foram baseados nas diretrizes e esses produtos utilizados para garantir este. O que buscamos agora é construir um trabalho constante para solucionar as lacunas que possam impulsionar novos acordos de combate à fome”.
Sobre os 20 anos das Diretrizes das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Juan José Echanove, Líder da Equipe de Direito à Alimentação da FAO apresentou um comparativo dos sistemas alimentares de 2004 a 2024. De acordo com o levantamento, entre os 10 países que mais produziram alimentos no período, o Brasil está na liderança do ranking. No entanto, problemas como investimento, monitoramento e novos fatores humanos ameaçam o crescimento da segurança alimentar no mundo.
“Em 2004, já sabíamos que os impactos climáticos seriam grandes, mas, hoje, entendemos que eles são imensos. Além disso, temos novos cenários de guerra e pandemia que prejudicaram a produção e distribuição de alimentos”.
Para ele, é preciso olhar para os níveis nacionais, buscar sistemas alimentares locais que atendam as demandas regionalizadas, mas com diálogo e entendimentos universais sobre o direito humano à alimentação.
Direito universal dos Povos Indígenas e a força dos movimentos sociais
Representando o Conselho Internacional do Tratado Indígena, Taina Hedman, do Panamá, expressou a preocupação com o cumprimento dos direitos aos povos indígenas, que estão garantidos na Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU.
“Nós cuidamos do território da Mãe Terra. Temos desafios particulares, precisamos garantir a proteção das nossas tradições, do conhecimento que recebemos de nossos ancestrais, aquilo que plantamos e comemos que também podem contribuir para as práticas sustentáveis do mundo. Nossos direitos precisam ser permanentemente reconhecidos pelos países e governos”.
Segundo ela, outra preocupação é o baixo investimento dos países em políticas públicas indígenas e a luta pelo direito ao território. “Vivemos um retrocesso dos nossos direitos. Os nossos direitos humanos, a nossa cultura, os nossos costumes precisam ser salvos”.
Paula Gioia é apilcultora, brasileira migrante na Alemanha, integrante da Associação pela Agricultura Camponesa (Arbeitsgemeinschaft bäuerliche Landwirtschaft – AbL) e representante da Europa no Comitê Coordenador Internacional da Via Campesina. Ela chamou a atenção para a importância das organizações e dos movimentos sociais para dar voz aos conhecimentos e propostas da sociedade civil.
“Organizar-se na base é extremamente importante para influenciar e incidir em políticas públicas a nível local, regional e global”.
Segundo ela, as múltiplas crises mundiais chamam as sociedades para fortalecerem as suas estruturas e possam abrir diálogos e buscar novos avanços nesse contexto.
Cenário brasileiro
Para contribuir com a visão sobre o cenário brasileiro, a Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, do MDS, Família e Combate à Fome do Brasil, Lilian Rahal, destacou que o Brasil possui a garantia da segurança alimentar e nutricional por meio de legislação específica, o que se difere de outros países. Ela elencou ações e programas do atual governo que buscam o acesso, consumo e a produção de alimentos às diversas populações, principalmente as mais vulneráveis.
“E a nossa preocupação tem sido em garantir uma alimentação saudável a essas populações. Recentemente reformulamos a cesta básica que passa a ser composta essencialmente por alimentos in natura e minimamente processados”.
Para Rahal, além da promoção da alimentação saudável, outras agendas ainda são desafiadoras que chegam com as crises climáticas, a pobreza nas grandes cidades e a necessidade da erradicação da fome no País.
A Secretária Extraordinária de Combate à Fome e à Pobreza, do MDS, Valéria Burity, falou sobre as experiências brasileiras sobre as diretrizes voluntárias. Segundo ela, o Brasil incorporou as Diretrizes em suas políticas públicas e na legislação brasileira. Para Burity, a estratégia do País foi priorizar os direitos humanos na transversalidade de todas as ações e programas do governo, garantindo, assim, que a segurança alimentar e nutricional esteja sempre na centralidade das pautas.
“No Brasil, as diretrizes voluntárias foram utilizadas como inspiração em todos os processos de governo. A democracia na gestão pública, o desenvolvimento econômico, a priorização da agricultura familiar. Por isso avançamos muito em nossos sistemas alimentares. E entendemos que a Aliança Global é um momento importante para seguirmos com as discussões políticas internacionais sociais, para compartilharmos experiências e fortalecermos as iniciativas da sociedade civil”.