Notícias
COMBATE À FOME
Alta dos preços dos alimentos?
- Foto: Arquivo Consea
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do mês de fevereiro, registrou uma média de aumento dos alimentos de 1,12%. Depois de um período de queda busca-se os fatores que explicam este resultado. Os fenômenos climáticos têm causado um impacto significativo na agricultura, na disponibilidade de água e no desenvolvimento das lavouras, levando à diminuição da produtividade e resultando no aumento do preço dos alimentos. A afirmação tem sido um consenso entre especialistas na área de segurança alimentar e nutricional.
O professor da Universidade Estadual Paulista José Giacomo Baccarin explica que, dentro do subgrupo alimentação no domicílio, nos dois primeiros meses de 2024, os itens que pressionaram a elevação de preços foram os tubérculos, raízes e legumes, com aumento de 16%; seguidos dos cereais, leguminosas e oleaginosas, com 11% de crescimento; das frutas, com 9% e; hortaliças e verduras, com 4% de aumento. “Estes itens são compostos, no geral, por produtos in natura, cuja produção é muito prejudicada no período das chuvas, ao que se junta o calor extremado neste verão”, afirma.
Para o pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED) e do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (Oppa/CPDA/UFRRJ), Georges Flexor, a influência do El Niño impactou negativamente as safras, no entanto, ele também destaca que, no caso do arroz, as decisões do governo da Índia, vetando a exportação do produto, afetaram os preços internacionais e, por conseguinte, os preços nacionais. “Além disso, os hortigranjeiros também sofreram com os fatores da sazonalidade”.
Na opinião da conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Adriana Marcolino, representante do DIEESE, dois grupos de fatores explicam a alta de preços dos alimentos captada pelo IPCA: uma conjuntural e outra estrutural. Entre os fatores conjunturais, ela destaca a sazonalidade do verão, a passagem do El niño, além dos problemas advindos do mercado internacional, resultantes dos impactos das guerras. Já sobre os fatores estruturais, Marcolino ressalta a concentração de terras para a produção de commodities internacionais, como soja e milho, a redução da área de plantio aos alimentos básicos da nossa dieta e a exclusão das políticas para a produção de alimentos e abastecimento realizadas entre 2016 e 2022.
“Tivemos a redução ou esvaziamento de políticas relacionadas à promoção da agricultura familiar, políticas de abastecimento como os estoques reguladores, privatização de armazéns de alimentos. Tudo isso influencia nos preços, parte foi reorganizada, mas ainda há muito a ser feito, como a recomposição dos estoques reguladores”, completa.
O enfrentamento à volatilidade a curto e médio prazo
A curto prazo, Adriana Marcolino destaca que o governo precisa recompor os estoques reguladores. “Além disso, é preciso amplificar as políticas de apoio aqueles que produzem alimentos/comida
de verdade; monitorar constantemente os preços, estabelecer um diálogo
com os produtores de itens que tiveram maior alta e avaliar
possibilidades. Também é importante monitorar o repasse de aumentos no varejo, elaborar estratégias para reduzir intermediários na comercialização, como a promoção de feiras”.
Para Baccarin, de forma imediata, com efeitos ainda para 2024, o governo precisa dar uma atenção especial aos produtos in natura e ao arroz e feijão estimulando sua produção via crédito e assistência técnica. “No caso do arroz e feijão, podem ser acrescentadas políticas de estímulo à produção via instrumentos de preços mínimos. Particularmente, no arroz, deveria haver um acompanhamento da evolução de seus preços internacionais e, se continuarem aumentando, sugiro intervenções públicas imediatas e temporárias na exportação de arroz”, afirma.
O economista Felipe Nascimento, da Rede de Economistas Pretos, afirma que o governo federal tem feito um papel importante para mitigar a volatilidade dos preços. Para ele, a aprovação da Reforma Tributária, por exemplo, é uma ação a médio prazo que tem grande capacidade para reduzir os custos e trazer benefícios à sociedade. Mas explica que os efeitos só serão sentidos a partir de 2026.
Na visão econômica, Nascimento ainda acredita que é importante garantir mais segurança ao mercado da agricultura familiar. “A agricultura familiar tem uma capacidade muito interessante de redução de preço, pois tratamos de nichos menores, que se encontram mais perto do destino dos alimentos e que não estão tão correlacionados ao dólar”.
Além disso, o economista lembra que o gasto com alimentos da classe C e D é muito representativo na renda dessas famílias e, portanto, o governo precisa ter um “colchão de reservas, feito em tempo de bonanças, para que em momentos de alta, possamos reduzir os impostos”, ratifica.
O pesquisador Georges Flexor também concorda que, no médio prazo, é imprescindível a retomada de investimentos em estoques como de feijão, milho e arroz. Mas ele alerta que não devemos esperar que isso impedirá um novo movimento de alta ou baixa dos preços. “Mas irá reduzir a variação para cima e para baixo. E melhorias nos sistemas de abastecimentos urbanos - onde muitas frutas e legumes são perdidos por falta de investimentos em sistemas de armazenamento apropriados - assim como o desenvolvimento de circuitos mais curtos podem também diminuir a volatilidade – e a variação dos preços. Novamente, estas medidas não podem gerar expectativas de que os preços poderão ser controlados”, alerta.
Sobre o papel do governo, Flexor entende que é importante monitorar os preços, investir em sistemas de abastecimentos mais eficientes, em cultivares mais resistentes e resilientes, desenvolver a diversidade de circuitos de comercialização para aumentar a competição na distribuição de alimentos e investir em estoques públicos para amortecer a variabilidade dos preços das commodities agrícolas. Mas afirma: “precisamos manter a calma. Mais uma vez, os preços pararam de subir e já se observa um ritmo de queda”.
O Consea pretende monitorar os cenários nacionais da produção, disponibilidade e acesso de grupos de alimentos componentes da Cesta Básica Saudável, definida pelo Decreto 11.936 de 05 de março de 2024, pois considera a medida um marco importante para a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, principal instrumento do governo para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e ainda destaca que o Decreto 11.820 que estabelece a Política Nacional de Abastecimento Alimentar, assinado durante a 6ª Conferência Nacional em dezembro de 2023 e o decorrente lançamento do Plano Nacional nos próximos meses é um instrumento de política pública importantíssimo para lidar com oscilações de produção e mercado e garantir oferta e acesso à alimentação saudável para nossa população.