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Falta de assistência técnica no campo ameaça produção de alimentos e o combate à fome
Recursos para financiamento de atividades de Ater se tornam mais escassos a cada dia, o que não condiz com a demanda gerada pelo crescimento da atividade agrícola nacional, enfatiza Daniel Barbosa dos Santos. Imagem: Victor Moura/Consea
O Brasil tornou-se um megaprodutor agrícola nos últimos 30 anos, alcançando produções recordes a cada safra e com atuação de destaque mundial. Mas, somente em 2014 o país foi declarado fora do Mapa da Fome, pela Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO). A falta de alimentos ainda ameaça milhares de brasileiros no campo e nas cidades, revelam as pesquisas. Por que não conseguimos acabar com a fome?
Para Daniel Barbosa dos Santos, presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Tocantins (Consea/TO), a resposta a esta pergunta está ligada a fatores como má-distribuição da renda e o difícil acesso aos meios de produção pelos trabalhadores rurais, sem-terras e a população em geral. Ele destaca que persiste a deficiência no planejamento agrícola para quem consegue afinal, após muita dificuldade, alguma terra para plantar.
“Cerca de 70% dos alimentos consumidos aqui são produzidos pelos pequenos agricultores, não por grandes empresas que atuam no campo. Por isso, garantir assistência técnica e extensão (Ater) a baixo custo a quem não tem condições de contratar um serviço particular é imprescindível ao crescimento sustentável da agricultura”, argumenta. No entanto, ele diz que o Brasil parece caminhar no sentido inverso a essa necessidade.
“Os recursos destinados ao financiamento de atividades de Ater se tornam mais escassos a cada dia, o que não condiz com a demanda gerada pelo crescimento da atividade agrícola nacional”, enfatiza Daniel, que é também diretor de Formação da Cooperativa de Trabalho, Prestação de Serviços, Assistência Técnica e Extensão Rural (Coopter), a primeira organização não-governamental (ONG) do ramo criada em Tocantins.
Profissional com mestrado em Políticas Públicas e que atua na área desde 1997, ele comentar estar preocupado com o futuro da assistência técnica como política pública e de baixo custo para pequenos agricultores. “Nossa cooperativa atendia, até o ano passado, agricultores familiares, assentados da reforma agrária e quilombolas em cerca de 70 municípios. Hoje, atuamos em menos de dez localidades”, relata.
O envolvimento de entidades de direito privado – como associações e cooperativas e até mesmo empresas – na assistência técnica rural se dá por meio de editais e chamadas públicas, realizados em todo o território nacional pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Demanda por crédito e burocracia
Conhecer técnicas para aprimorar processos de plantio, de vacinação de animais, formas de associativismo e cooperativismo, colheita, estocagem e comercialização da produção é essencial para garantir a renda e a qualidade de vida dos produtores rurais. Mas também é preciso saber como acessar programas de crédito e ter recursos para, por exemplo, realizar investimentos nas propriedades a fim de captar água para consumo humano, animal e a irrigação.
Em consequência, a busca por crédito é hoje, segundo Daniel, a demanda que mais cresce entre os pequenos agricultores. Enquanto isso, avança a paralisia dos procedimentos burocráticos que dificulta o acesso a financiamentos por meio de programas específicos, com juros mais acessíveis, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Crédito Mais Alimentos e Investimento.
Ademais, lembra o presidente do Consea/TO, para que um agricultor possa vender seus produtos por meio de ações do governo federal, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) ou ter acesso ao financiamento da habitação rural, precisa ter seus dados cadastrados e obter uma Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento que comprova que ele é um produtor familiar e que agora deve ser revalidado a cada dois ou três anos, relata Daniel.
“Para elaborar um projeto e apresentar a documentação necessária à emissão do DAP, esse pequeno produtor necessita de assistência técnica e jurídica. Esses serviços, que eram gratuitos para o usuário final, passaram a ter parte dos custos pagos pelos próprios agricultores. E as chamadas públicas para empresas e entidades prestarem esse tipo de serviço estão mais raras, o que gerou uma queda de cerca de 60% na emissão das DAPs – o que só colabora para o modelo de concentração da produção em grandes empreendimentos”, alerta Daniel Barbosa dos Santos.
Fonte: Ascom/Consea