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Dinheiro público subsidia refrigerantes em vez de financiar agricultura saudável, diz pesquisadora
Paula Johns: "Se investíssemos um décimo desses valores na pesquisa e na saúde, por exemplo, país estaria a anos-luz da situação que vive hoje". Imagem: Ivana Diniz
Se as pessoas soubessem o preço final da comida produzida com fertilizantes químicos e agrotóxicos, considerando os custos dos impactos sobre o meio ambiente, sobre a água e a saúde da população, entenderiam que a agroecologia é, no final das contas, a forma mais barata e sustentável de alimentar a humanidade. A afirmação foi feita nessa segunda-feira (13) pela pesquisadora Paula Johns, ao participar de audiência pública da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei Nº 6670/16, pela implementação de uma Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara).
Na verdade, a agroecologia já oferece alternativas consistentes para a produção de alimentos em escala e é a única forma viável de manter a vida na terra a longo prazo, acrescentou em seu depoimento a representante de Controle Biológico e Recursos Genéticos da Embrapa, Rose Monnerat, doutora em Patologia de Invertebrados, visão que foi apoiada com dados concretos, apresentados pelo engenheiro agrônomo Celso Tomita.
Participaram também da audiência Tereza Cristina de Oliveira Saminêz, chefe do Serviço de Especificações de Referência Coordenação de Agroecologia e Produção Orgânica (Coagre/Mapa), e Edivaldo Domingues Velini, professor titular da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp em Botucatu (SP). A audiência teve o objetivo de debater os bioinsumos no Brasil e as políticas para o desenvolvimento do setor. Os parlamentares lembraram, durante o encontro, dados do relatório divulgado em 2018, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), segundo os quais a União teria concedido cerca de R$ 9 bilhões em isenções fiscais em sete anos, apenas para a cadeia dos agrotóxicos.
Políticas Públicas
Paula Johns falou em nome do Conselho Nacional de Saúde (CNS), da ACT Promoção da Saúde e da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável. Durante sua apresentação, destacou a urgência de o país rever sua lógica tributária em relação aos investimentos que beneficiam a produção de agrotóxicos na comparação com os recursos direcionadas à saúde pública e à pesquisa científica.
“O Brasil, acreditem ou não, dá isenções fiscais para a fabricação de refrigerantes e ainda subsidia a produção de tabaco, via crédito mais barato de bancos públicos – embora existam restrições sobre locais para consumo de cigarros. Se investíssemos um décimo desses valores na pesquisa e na saúde, por exemplo, o país estaria a anos-luz da situação que vive hoje, pois tem potencial natural e capacidade humana para tanto. É preciso analisar para onde está indo o dinheiro público”, enfatizou Paula.
Efeitos sobre a alimentação e a saúde
De acordo com os dados apresentados pela pesquisadora, esse tipo de política vem estimulando a concentração de grandes empresas no setor de agricultura em todo o mundo, o que gera impactos sobre a forma como se produz e consome alimentos, com consequências graves para a saúde. “Está havendo uma transição alimentar global. As pessoas estão rapidamente passando a consumir mais alimentos ultraprocessados e menos comida de verdade, o que tem causado um aumento considerável das doenças crônicas não-transmissíveis no mundo inteiro, como diabetes e pressão alta”, disse ela.
Para Paula Johns, as políticas públicas para a pesquisa e a produção de alimento saudável são de grande importância no conjunto de ações para reverter esse quadro. “Inclusive, chamo a atenção para o fato de que o país que tem o maior volume de investimentos privados em inovações tecnológicas, que são os Estados Unidos, deverá ser a primeira nação do mundo a reduzir a expectativa de vida de sua população entre uma geração e outra, devido a problemas de saúde decorrentes da obesidade e má-alimentação de crianças e jovens”.
Impactos na agricultura
Com a crescente concentração das empresas em grandes conglomerados multinacionais, os agricultores de todo o mundo estão cada vez mais dependentes da compra de sementes produzidas por meia dúzia de empresas, que não estão particularmente preocupadas em manter formas de agricultura tradicionais e sustentáveis dos diversos países onde atuam. Como consequência, ao adquirirem essas sementes, o produtor se vê na contingência de comprar um “pacote tecnológico”, que inclui os fertilizantes e pesticidas específicos para elas, todos produzidos pela mesma empresa.
“Não é uma questão ideológica. É a realidade. Até mesmo os especialistas mais conservadores já admitem que o sistema está grande demais para poder alimentar as pessoas de forma sustentável, quer dizer, concentrado demais”, explicou. A concentração estaria crescendo ano a ano em todas as áreas de insumos para a produção agrícola. “Não há como evitar uma analogia entre essa concentração na área de produção e a concentração no consumo, em que poucas empresas controlam todo o sistema alimentar. Isso representa uma grande dificuldade para se estruturar um sistema alimentar mais sustentável”, afirmou a pesquisadora.
Nesse ponto, ela citou o relatório recente “Too Big to Feed”, de especialistas internacionais, sobre sistemas alimentares sustentáveis, do International Panel of Experts on Sustainable Food Systems (Ipes Food), com atuação similar ao Painel de Especialistas em Mudança Climática: “O rápido aumento nos altos níveis de concentração do setor agroalimentar reforça o modelo industrial de alimentação e produção agrícola, com a amplificação de seus efeitos colaterais sobre a sociedade e o meio ambiente, e o agravamento dos desequilíbrios de poder já existentes”.
Leia pesquisa da Ipes sobre a concentração no setor agrícola: http://www.ipes-food.org/images/Reports/Concentration_FullReport.pdf
Fonte: Ascom/Consea