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Brasil precisa de medidas regulatórias para conter o aumento da obesidade, defendem pesquisadores
Brasil precisa de medidas regulatórias para conter o aumento da obesidade, defendem pesquisadores
Ajudar o consumidor a fazer escolhas mais saudáveis é o que pretendem as medidas regulatórias propostas pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A discussão vai além do que as pessoas devem ou não devem comer.
“Nós possuímos um sistema alimentar hegemônico que produz doença, não só do corpo do indivíduo mas também do meio ambiente, do sistema social, do sistema econômico. Quando nós olhamos a ponta do sistema alimentar que é o consumo, nós estamos incidindo num aspecto que pode contribuir para a transformação do sistema alimentar como um todo”, explica a presidenta do Consea, Elisabetta Recine, sobre a importância da agenda regulatória na segurança alimentar e nutricional.
A relação entre quem compra, produz e vende, seja qual for o produto, é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Mas, quando o assunto é alimentação, pesquisadores defendem medidas regulatórias que garantam informações mais claras e objetivas nas embalagens, regras para a publicidade de alimentos e menos subsídios a produtos industrializados e ultraprocessados.
O tema foi debatido, nesta quarta-feira (11), durante a 6ª Plenária do Consea, realizada no Auditório do Palácio do Planalto, em Brasília (DF). Em junho, o conselho retomará a discussão sobre a agenda regulatória soba a perspectiva da produção de alimentos e do código sanitário.
Publicidade sob controle
“No papel, o Código é maravilhoso, na prática, a realidade é outra”, afirma o professor Adalberto de Souza Pasqualotto, coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Ele cita como exemplo a publicidade abusiva que tenta se apoiar no “falso discurso da liberdade [de expressão]”, que também é garantida por lei. “A verdade é que isso não se aplica totalmente à publicidade porque a função da publicidade não é simplesmente expressar ideias e valores, como se trata em um discurso político ou obra de arte. A função da publicidade é persuadir em função de compra. E a Constituição autoriza, inclusive, a restrição da publicidade em alguns casos”, explica ele.
Para o professor, é preciso avançar na agenda das medidas regulatórias para que o estado cumpra o dever de proteção à saúde dos consumidores. “O governo tem o dever de atuar no sentido de garantir produtos e serviços com padrões adequados de qualidade e segurança”, destacou Pasqualotto.
Subsídios em cheque
Outra medida defendida pela sociedade civil deve alcançar o custo de produção dos industrializados. No caso das bebidas com alto teor de açúcar, existe uma proposta de tributação de bebidas como refrigerantes e sucos industrializados que está sendo discutida com vários setores da sociedade civil e representantes da indústria. A medida tem como base as políticas regulatórias antitabagismo que tiveram sucesso no Brasil, que teve redução de 56% entre 1989 e 2013. “Quando aumenta o preço, diminui incentivo para consumo”, diz a diretora da Aliança do Controle do Tabagismo, Álcool, Alimentação Saudável e Atividade Física (ACT), Paula Johns.
De acordo com a pesquisadora, a política fiscal em vigor no país favorece a epidemia da obesidade no Brasil. “As principais empresas, as líderes de mercado, estão sediadas na zona franca de Manaus como uma forma de não pagar tributos. Então, elas recebem subsídios. Cada um de nós, tomando refrigerante ou não, está ajudando no lucro das líderes de mercado de bebidas adoçadas”, explica a diretora da ACT.
Informação na lata
Entre as medidas regulatórias, está em debate na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um novo modelo de rotulagem de alimentos, com a padronização das informações apresentadas nos produtos industrializados. O diretor-adjunto da Diretoria de Gestão Institucional (Diges/Anvisa), Pedro Ivo, disse que estão analisando aspectos que vão além do “design” das embalagens e que a agência está atenta à recomendação do Consea.
De acordo com a representante do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) no conselho, a nutricionista Ana Paula Bortoletto, “se a gente não tiver medidas regulatórias como a mudança da rotulagem, não vai ter nenhuma mudança em relação à alimentação no Brasil, depende dessas informações para que as pessoas possam fazer escolhas mais saudáveis”.
A conselheira aponta a necessidade de uma indicação na parte frontal das embalagens onde há alto teor de ingredientes que tragam prejuízos à saúde. “Por exemplo, existem várias denominações usadas hoje nos rótulos de alimento para a palavra ‘açúcar’. Quando a pessoa vai ler, ela não consegue nem saber se tem açúcar ou não porque tem tantos nomes diferentes e técnicos que fica quase impossível a identificação”, explica.
Educação na prática
Para os que dizem que basta ensinar aos filhos o que é certo ou errado, quando o assunto é alimentação, as pesquisadoras explicam que o ambiente tem uma grande influência na hora de decidir o que comer. “Educação não resolve esse tipo de problema. É uma concorrência desleal tentar educar a criança enquanto ela vive num ambiente que é completamente o contrário daquilo que você está tentando ensinar”, explica Paula Johns. “Apenas culpar o indivíduo por suas escolhas não resolve. Se não tiver um ambiente que promova escolhas mais saudáveis, dificilmente as pessoas não vão conseguir mudar isso”, reforça Ana Paula Bortoletto.
Saúde de peso
Para os pesquisadores, avançar na agenda regulatória é necessário para conter o aumento de peso da população decorrente da má alimentação. Um levantamento apresentado pelo Ministério da Saúde mostra que 58,9% das crianças entre 0 e 8 anos estão acima do peso. Na população adulta, 52,5% também estão com excesso de peso.
Os dados também indicam que o consumo de alimentos ultraprocessados e o sedentarismo estão impactando o avanço da obesidade e da prevalência de diabetes e hipertensão. O diagnóstico de diabetes passou de 5,5% em 2006 para 8,9% em 2016 e o de hipertensão, de 22,5% em 2006 para 25,7% em 2016.
“Os melhores estudos mostram que, para prevenir a obesidade infantil, as ações mais efetivas são as medidas regulatórias”, diz Michelle Lessa, coordenadora geral da Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde (CGAN).
Fonte: Ascom/Consea