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“Enfrentamos adversidades, mas não vamos desistir”, diz coordenador da ASA
ASA já atuou com até 50 mil pessoas por ano. “Agora, estamos com dez mil. Diminui? Sim, mas estamos presentes, estamos lá e não vamos desistir. É isso que dá frutos e dá resultados. Se desistimos e abandonamos nossas lutas, estaremos fadados a perdê-las”. Imagem: Victor Moura/Consea
O semiárido brasileiro, com uma população de cerca de 25 milhões, espalhada por territórios de dez estados (Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Sergipe e Maranhão), enfrenta hoje uma conjuntura ainda mais difícil que aquela das tradicionais secas do sertão. É o que afirma o conselheiro Naidison de Quintella Baptista, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Durante o Painel Expressão da Desigualdade, no Encontro Nacional 5ª+2, em Brasília, ele detalhou aspectos que afetam quatro elementos-chave no semiárido (terra, água, educação e os processos ligados à agricultura familiar) – o que estariam contribuindo para o enraizamento das desigualdades. Em entrevista ao site do Consea, nesta quarta-feira (7/3), ele comentou a palestra, destacando a importância das entidades que continuam atuando no enfrentamento das adversidades.
Segundo ele, a internacionalmente premiada instituição ASA já chegou a atuar com até 50 mil pessoas por ano. “Agora, estamos com uma faixa de dez mil. Diminui? Sim, mas estamos presentes, estamos lá e não vamos desistir. É isso que dá frutos e dá resultados. Se desistimos e abandonamos nossas lutas, estaremos fadados a perdê-las”.
Naidison elogiou também a atuação do Consea, afirmando que é uma caixa de ressonância de experiências que acontecem no âmbito dos conselhos municipais, estaduais, de entidades que atuam em todo o país. “O grande valor do conselho é que ele não se manifesta a partir dos gabinetes e sim de fatos concretos, trazidos pelas vozes das comunidades que chegam até aqui”.
Os quatro elementos: a terra
“Não podemos, no Brasil e no semiárido, deixar de observar o sofrimento das comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, de fundos e fechos de pasto, que estão sistematicamente com suas terras ameaçadas, perdidas ou invadidas por grandes obras nacionais, mineradoras e sendo prejudicadas por uma má vontade política crônica [das autoridades] para encontrar a documentação destas localidades”, disse Naidison. Com a demora, as terras acabam passando para outras mãos e as comunidades são lesadas.
Ele apontou ainda a paralisação do processo de reforma agrária “há algum tempo” e um movimento sistemático e agressivo de venda de terras brasileiras do semiárido a empresas estrangeiras.
Por outro lado, milhares de agricultores familiares não podem plantar, semear, colher ou mesmo desenvolver processos extrativistas simples por terem propriedades consideradas abaixo do tamanho “adequado” pelos padrões de políticas públicas e de crédito, o que colabora para o enraizamento das desigualdades na região rural e do semiárido.
“Para eles, a terra é mais simbólica do que real. São dois hectares, três, é apenas para não dizer que mora na terra de outro, mas não dá para ter uma perspectiva de produção de alimentos e a garantia da segurança alimentar. E também não é possível trabalhar os aspectos da convivência com o semiárido, com a seca. Pois esse pequeno produtor não preenche os requisitos exigidos para receber as tecnologias de captação de água,
Água
Quanto à construção de cisternas de placas, Naidison disse ter constatado uma redução crescente dos recursos destinados à captação de água para beber, cozinhar e produzir na região. “O orçamento, que chegou a cerca de R$ 500 milhões, hoje não passa de R$ 24 milhões. Não chamo isso mais nem de redução drástica, mas de uma ‘zeração’ de recursos”.
Tal redução é ainda mais dramática pois a população do semiárido foi redimensionada em cerca de mais 1 milhão de famílias, a partir da nova delimitação de municípios feita pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 2017. Isso teria elevado de 340 mil para 550 mil o número de famílias sem atendimento de água para beber. “Não estamos nem calculando, nessa conta, a água necessária para produzir”.
O coordenador da Asa falou ainda sobre o corte e bloqueio do acesso à água para comunidades de pequenos produtores, em decorrência de outorgas sem critério, que ultrapassam a capacidade dos rios. “O resultado são crises como a que se viu há poucos meses em Correntina, na Bahia. Quando foi ligado o equipamento de irrigação de grandes fazendas, a água deixou de passar nas comunidades que estavam fora da rota do projeto. Houve um protesto muito grande dos agricultores da região, mas até hoje o problema não está solucionado”.
Naidison classificou de demagógicas as proposta generalizadas feitas atualmente, sobre a transposição de rios, como o Tocantins. “A transposição do Rio São Francisco não está terminada e não funciona adequadamente – a não ser para levar água pontualmente a uma ou outra cidade. Estamos constatando a redução do volume de água do rio que, dentro em pouco, pode simplesmente secar”.
Assim, a preservação da água, elemento substancial para a garantia da segurança alimentar e nutricional, estaria ameaçada pela morte gradativa dos rios. Consequência, entre outros fatores, da devastação do cerrado, matas ciliares e da poluição dos rios pelos agrotóxicos e processos predatórios de irrigação.
Por fim, citou como ameaça a privatização crescente dos serviços de fornecimento de água nos estados do semiárido, “que deve acabar bloqueando o acesso a esse bem pelos segmentos mais pobres da população residentes nas periferias. Sem esquecer que paira hoje sobre o Brasil a ameaça de privatização dos nossos aquíferos, que estão entre os maiores do mundo”, como denunciam os organizadores do Fórum Alternativo Mundial da Água, que será discutido ainda neste mês de março, em Brasília.
(Entrevista: Ivana Diniz Machado)
Fonte: Ascom/Consea