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Sistema alimentar é tão importante que deveria ser ensinado às crianças na escola, diz pescador do Amazonas
Pedro José Souza Neto, 56, chegou a Manaus (AM) ainda criança, vindo do interior com os pais e irmãos. A pesca foi a profissão primeira e natural de sua família. Imagem: Ivana Diniz/Consea
Manaus (AM) - O homem franzino aponta as mãos para o cartaz e sentencia: “Sistemas como este são tão importantes que deveriam ser ensinados para as crianças na escola”. Quem afirma é o pescador Pedro José Souza Neto, de 56 anos, que participou nesta sexta-feira (27), em Manaus (AM), da Oficina Regional do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) – o tal sistema que está no cartaz que ele aponta.
“Nós, brasileiros, ainda não conhecemos direito nem o Sistema Único de Saúde (SUS), criado há 30 anos. Aí entrou o Sistema Único de Assistência Social (Suas). E depois chegou o Sisan. Então, quando você fala para um gestor, um prefeito, um vereador, um secretário, sobre a importância do sistema, ele diz: ‘O que é isso?’ Temos de mostrar que existe, que funciona. É uma luta paras as pessoas entenderem. Por isso tem de haver mais encontros como esses”, diz ele.
O pescador sabe bem sobre a realidade da Amazônia. Chegou a Manaus ainda criança, vindo do interior com os pais e irmãos. A família toda morava em um flutuante sobre as águas do Rio Negro. Vivendo ali, a pesca foi a profissão primeira e natural dos Souza. “Até que esse tipo de moradia foi considerado ilegal e tivemos de nos mudar para uma casinha. Meu pai comprou um barco e continuamos pescando”.
Pedro Neto representa o setor pesqueiro no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Amazonas (Consea-AM), do qual já foi até presidente – quando também participou da Comissão Permanente de Presidentes dos Conseas Estaduais (CPCE), do Consea Nacional. Atua no Sindicato dos Armadores, Pescadores e Proprietários de Barcos de Pesca do Estado do Amazonas (Sindarpe).
Durante a Oficina do Sisan, ele concedeu a seguinte entrevista ao site do Consea:
O senhor defende que o funcionamento de sistemas, como o SUS e o Sisan, seja ensinado nas escolas da região Norte. Por quê?
A logística aqui é muito precária. Nossas estradas são os rios, porque não há rodovias. Há locais, como São Gabriel da Cachoeira, de onde se leva 15 dias para chegar a outra comunidade, dentro do mesmo município. Então, demora muito tempo para as informações chegarem à população. Quando foi lançada a Semana do Peixe, eu coloquei: ‘Vamos para as escolas. Porque lá, na ponta, a gente consegue conversar com a opinião dos consumidores’. A ideia funcionou. Desta forma, acho que o Sisan, que nós todos participamos, será mais fácil de entender.
Qual a importância da pesca aqui na região?
Nós, amazônidas, dizemos que sabemos fazer três coisas muito bem: comer peixe com farinha, farinha com peixe e fazer menino. Por esse ditado, se vê a importância do peixe na cultura local. O peixe aqui é fundamental. Tínhamos no Amazonas, anos atrás, seringueiros, fruticultores, castanheiros, madeireiros, caçadores. Aí, começaram a surgir regras ambientais que tornaram muitas destas atividades ilegais. Esse pessoal todo migrou para a pesca. Então hoje temos, na baixa, na pesca, 180 mil pescadores. Na alta, atingimos um total de 600 mil pessoas que vivem da pesca.
Ainda é uma alternativa viável de renda e alimentação?
Agora estamos em baixa. As regras sanitárias referentes ao pescado são rígidas e não temos estrutura para armazenamento e distribuição da produção. Por isso, o desperdício é grande. Chega a cinco toneladas de peixe jogadas fora por dia. Isso acontece principalmente por causa do custo da energia para a refrigeração, que é muito cara na região, apesar de termos muitas usinas hidrelétricas. Além disso a política aqui sofreu muitas descontinuidades. Houve uma troca grande de gestores em pouco tempo. Foi um governador cassado, um substituto e depois outro. Três governadores em apenas um ano. Existem coisas já feitas que são abandonadas, como um terminal pesqueiro que ninguém sabe de quem é –da prefeitura, do estado ou do governo federal. Foi construída uma estrutura toda para o armazenamento e distribuição de peixes, mas não tem ninguém administrando. Está lá, tudo largado. É um galpão e um depósito. A prefeitura não administra, o governo do estado não administra. Ninguém sabe de quem é a responsabilidade. Não conseguimos ainda uma maneira de fazer funcionar essas estruturas.
Qual a produção local?
Ela é bem robusta. Cerca de dez quilos por pessoa por dia. Aqui só tem pesca artesanal. É muito variável, tem dia que a gente sai daqui e, com dois dias, faz uma carga de sete toneladas. Outras vezes demora 15 dias sem conseguirmos nada.
O que poderia ser feito para melhorar a vida das pessoas?
A falta de infraestrutura é pesada na vida das pessoas. Pegue a questão de bancos, por exemplo. Temos poucos e os programas das políticas públicas são feitos por meio dos bancos, como o Pronaf e outros. São créditos via bancos. Se você olhar o mapa do Rio de Janeiro vai ver a que quantidade de agências que tem lá é bem maior que na comparação com o Amazonas, apesar da diferença de tamanho entre os estados. Eles têm banco em tudo que é município, os programas operam bem. Aqui, não tem, é muito difícil. A gente sente que as empresas viraram as costas para o Norte do Brasil. Precisamos mostrar para eles que é uma questão de necessidade ter bancos aqui.
Como você avalia a Oficina do Sisan?
O encontro foi muito bom. Vimos muitas pessoas novas, que estão aprendendo, estão se formando nesta área. É uma renovação. Esse é um sistema novo e eu tenho dito que precisamos aprender mais sobre ele. Tem de haver outro, outro e mais outro até todo mundo saber como funciona.
Texto de Ivana Diniz
Fonte: Ascom/Consea