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Semana da Mulher: precisa mobilização social e sensibilização para questões de gênero
Gleyse Maria Couto Peiter
Semana da Mulher
Entrevista com Gleyse Maria Couto Peiter, Coep.
“As mulheres continuam numa situação de precariedade longe de ser alterada. Ainda persiste uma imensa combinação de expressões de desigualdades, com fortes tensões entre os processos de continuidade e de mudança social que atingem as mulheres”. A constatação é da secretária-executiva da Rede Nacional de Mobilização Social (Coep), Gleyse Maria Couto Peiter. “É preciso trazer à tona as questões de gênero, mostrando as diferenças e injustiças existentes, apresentando possíveis soluções e exigindo respeito e igualdade”, ressalta ela, destacando a importância da mobilização dos movimentos sociais no aprofundamento desse debate.
De que forma movimentos sociais vêm atuando no enfretamento das injustiças cometidas contra a mulher?
Gleyse Peiter: As mulheres não têm seus direitos preservados e reconhecidos, quaisquer que sejam as questões a serem tratadas pelos movimentos: acesso a terra e território, modos de produção, direito à cidade, acesso à justiça, direito à alimentação saudável etc. Nessas situações, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres são ainda maiores que aquelas que os homens enfrentam. É preciso trazer à tona as questões de gênero, mostrando as diferenças e injustiças existentes, apresentando possíveis soluções e exigindo respeito e igualdade.
Como pode ser fortalecida a formação de lideranças mulheres na representação dos movimentos sociais?
Gleyse Peiter: Existe uma cultura em que as mulheres, enquanto líderes, têm que ser iguais aos homens, têm que agir como eles, responder como eles. Este é um primeiro paradigma a ser quebrado: as mulheres podem exercer a liderança de outra forma, sem seguir um padrão masculino, tendo outras características que as fazem ter respostas diferentes às mesmas questões que se apresentam em termos políticos, de posicionamento ou mesmo no dia a dia do movimento, como comportamento em reuniões, por exemplo. Cabe a quem está na liderança saber enxergar isso, valorizar essas características e não insistir num modelo de liderança que é fechado e antigo.
Quais os principais mudanças verificadas nas políticas públicas dirigidas às mulheres?
Gleyse Peiter: Entre os poucos avanços está a Lei Maria da Penha, que é fundamental para garantir alguns direitos, e o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que foi criado a partir de intensa mobilização da sociedade civil. Avançamos pouco e, ao olharmos os dados oficiais do Ipea, constatamos que persiste uma imensa combinação de expressões de desigualdades, com fortes tensões entre os processos de continuidade e de mudança social que atingem as mulheres. Ou seja, o Estado não conseguiu resolver essas questões. As mulheres continuam numa situação de precariedade longe de ser alterada.
Como o Coep atua no enfretamento dessas questões?
Gleyse Peiter: Nosso trabalho visa principalmente a mobilização e sensibilização para as questões das desigualdades de gênero, no sentido de aprofundar o debate na sociedade de modo geral. Mas nosso objetivo é ir além das discussões e oferecer cursos e oficinas que promovam uma formação cidadã, que estimule as pessoas a se mobilizarem em suas comunidades, escolas, ambientes de trabalho e em suas casas. Na Rede Mobilizadores, com mais de 44 mil pessoas cadastradas, fizemos várias entrevistas, oficinas e cursos à distância, trazendo vários temas para exposição e troca de ideias, como violência contra as mulheres, aborto, discriminação, legislação, políticas públicas, justiça e exigibilidade de direitos. Numa atuação mais direta, há mais de 15 anos trabalhamos com 100 comunidades do semiárido nordestino em ações de desenvolvimento comunitário, principalmente com lideranças jovens. Em nossa metodologia de ação, construída junto com as pessoas das comunidades, é fundamental a participação de mulheres como líderes locais e em suas organizações. Os resultados mostram que muitas jovens assumiram a presidência das associações comunitárias e o comando das articulações dos projetos locais.
Quais os principais desafios que você identifica no combate à violência contra a mulher?
Gleyse Peiter: Os desafios são inúmeros, mas o mais importante é a mudança de cultura, absolutamente necessária para que todas as pessoas -- sem exceção --considerem que a violência é uma iniquidade, má e perversa. Um primeiro passo é aumentar o castigo para quem pratica qualquer ato de violência, seja verbal, físico ou emocional. Outra medida é a educação nas escolas, onde realmente se começa a mudança de cultura. São os jovens que vão ser os futuros gestores das relações nas suas famílias, nos seus trabalhos e nas amizades. Podemos também educar nossos filhos sem essa cultura da violência. Agredir uma criança em nome da "educação", além de ser uma covardia, legitima a violência. Se uma menina é agredida pela mãe ou pelo pai, como ela vai saber que isto não pode fazer parte da sua vida, nunca, de jeito nenhum?
Como as mulheres podem fazer a diferença na formação de hábitos alimentares mais saudáveis nas crianças?
Gleyse Peiter: Acho que o papel dos homens e das mulheres é igual. Mas ainda são as mulheres que fazem o trabalho doméstico e que cuidam, tanto da casa, das crianças como dos idosos. Então são elas que ainda são responsáveis pela alimentação no lar. Os hábitos saudáveis devem ser informados, discutidos, compreendidos. Para isso, realizamos uma oficina on-line sobre alimentação saudável nas escolas. Em outra oficina, sobre obesidade, com a tutoria da professora Betta Recine, tivemos mais de mil pessoas inscritas, o que mostra que este tema é de grande interesse. Por meio dos debates, as pessoas ficam mais esclarecidas sobre o que é comida de verdade e o que não é, o que é real e o que é propaganda, e assim por diante. Essas referências trazem reflexão sobre a alimentação e a soberania na decisão é de cada um.
E como as políticas públicas de SAN são inseridas nesses debates?
Gleyse Peiter: Quando falamos em mobilização, um passo importante é sensibilizar as pessoas para as questões envolvidas em cada tema, e a segurança alimentar e nutricional tem sido um tema de grande interesse em nossas redes de mobilizadores e de comunidades. Adotamos todas as discussões que tivemos ao longo dos anos no Consea. Esta é uma batalha conjunta, que movimentos, universidades, sociedade civil em geral e governo têm que fazer juntos, mobilizando e organizando as pautas de luta e participando da construção das políticas públicas.
Na semana em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, qual a mensagem que você gostaria de deixar?
Gleyse Peiter: Não devemos desistir jamais. Violência, desigualdade, discriminação, ódio, não passarão.