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Semana da mulher: ‘Ser quebradeira de coco é valorizar a luta feminina’, diz Maria Alaídes
Para Alaídes, o extrativismo é uma janela para que mulheres andem de mãos dadas na luta pela cidadania. "Não temos mais vergonha de assumir nossa identidade, como quebradeiras. Direitos de homens e mulheres devem ser iguais". Imagem: MIOCB
Mulheres que andam por um mundo de terras sem fim no Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins são responsáveis por preservar uma antiga tradição nacional, de quando o Brasil ainda era Pindorama, o país das palmeiras. Essas mulheres são as quebradeiras de coco babaçu, árvore elegante que pode atingir 20 metros de altura, com longos cachos de frutos que se transformam em verdadeiros tesouros nas mãos delas. Usam a palha para cobrir casas, os talos para erguer cercados de galinheiros e hortas. A polpa vira farinha para fazer bolos, biscoitos e mingaus.
Da amêndoa, surge o azeite para cozinhar e o óleo, que serve para sabão e cosméticos. As sobra do coco ainda alimentam os animais, porcos e galinhas. “Da casca, criamos o artesanato, atividade que vem crescendo muito entre nossos jovens”, relatam as quebradeiras. Entre elas, está Maria Alaídes Alves de Sousa, que trabalha desde a década de 1970 na articulação e organização de mulheres e famílias extrativistas em seis municípios do médio rio Mearim, no estado do Maranhão.
Moradora do Assentamento Aparecida, no município de Lago do Junco, Maria Alaídes foi também diretora da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema), entidade que tem assento no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Por ocasião da semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher (8 de março), Alaídes concedeu entrevista ao site do Consea, para falar sobre sua atividade e sobre a vida das mulheres que se mantém extrativistas, que enfrentam as cercas e a perseguição de proprietários de terra, que jogam veneno nas palmeiras pequenas (pindobas), para evitar que floresçam e deem seus preciosos frutos.
- Por que a atividade de quebradeira de coco está tão ligada às mulheres?
Maria Alaídes - Apesar de ser uma atividade importante, que pode gerar renda e ajudar o marido a sustentar toda a família, a profissão ainda atrai poucos homens. É mais pela tradição. Aos homens sempre coube fazer a coleta e à mulher, a quebra do babaçu. Há muitos mitos antigos. Um deles era de que no homem que quebrasse coco cresciam os quadris, o que é uma característica feminina. Porque a pessoa tem de ficar muito tempo sentada. Minha vó contava que os antigos, os indígenas, usavam pedras e porretes de madeira para quebrar os frutos da palmeira. Então, demorava muito. Hoje, usamos machados para separar as cascas da amêndoa. É mais rápido, mais ainda é trabalhoso.
- Não existem máquinas que poderiam agilizar o processo?
Maria Alaídes - Sim, mas essas máquinas causam desperdício de matéria-prima. Funcionam como se fossem cortadeiras de limão. Isto é, partem os frutos no meio e esbagaçam as amêndoas. Não há o aproveitamento integral, como na quebra manual. Do babaçu, a gente usa tudo. Até as cascas são utilizadas como carvão para consumo próprio ou para a venda. Além disso, a produção com máquinas gera uma centralização que nos exclui, como extrativistas. Vira uma atividade centralizada em um único proprietário de terras. Por isso, a automatização é um debate a ser feito com calma e seriedade. Faz tempo que vimos discutindo os impactos dessa mudança com técnicos da Embrapa e de outras instituições, como a Universidade Federal do Pará (UFPA). Queremos poder continuar a trabalhar como quebradeiras e manter uma fonte de renda a partir das cooperativas. Venho lutando por isso há muitos anos. Assim, a máquina entraria apenas como uma evolução, um instrumento a mais em um processo coletivo.
- Quais os entraves para o processo de produção coletiva?
Maria Alaídes - A coleta e quebra do babaçu são atividades que abrangem pelo menos quatro estados: Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins. Existem leis e regulamentações que nos garantem o acesso livre às propriedades onde a palmeira não é explorada. Mas alguns proprietários, na hora de fazer a roça, colocam veneno nas palmeiras, para matá-las e, assim, nos impedir de trabalhar. É uma estratégia de exterminar solenemente o babaçu. Mas não vamos nos calar diante desta barbaridade. Chegamos a procurar promotores públicos, para denunciar tais agressões ao meio ambiente. Para nossa surpresa, alguns nos disseram que entendiam que, no Maranhão, o babaçu era uma praga. Então, como praga, poderia ser exterminada com venenos. Não aceitamos. Estão dizimando uma planta que é parte da nossa tradição e do nosso bioma. Aliás, gostaria de lembrar que a Campanha da Fraternidade da Igreja Católica neste ano passa a mensagem de que preservar os biomas brasileiros é preservar a vida. Cada palmeira que tomba é uma existência que se acaba. Essa é a nossa visão.
- Dá para viver do extrativismo?
Maria Alaídes - A atividade é dura, mas vale a pena. A cada dia viramos uma página do livro de uma história de lutas e conquistas. A renda mensal de uma cooperada vem do que ela ganha a mais com o que comercializou durante o ano. Isso lhe permite ter um poder aquisitivo de, por exemplo, investir na sua moradia. No entanto, as quebradeiras que não são cooperadas ainda seguem sofrendo. Ganham uma renda muito baixa. O quilo de amêndoa, já tirada, é de cerca de R$ 30,00. Nas cooperativas, produzimos o sabão, o sabonete e óleos que são vendidos a grandes empresas que fazem cosméticos. Xampu, condicionador, fazemos algumas coisas com a pele das sementes também. Então, ganhamos mais. Mas o importante é que o extrativismo é uma janela para que nós, mulheres, andemos de mãos dadas na luta pela cidadania. Não temos mais vergonha de assumir nossa identidade, como quebradeiras. Os direitos de homens e mulheres devem ser iguais e defendemos políticas públicas que nos valorizem.
- Quantas pessoas trabalham atualmente no Brasil como quebradeiras de babaçu?
Maria Alaídes - Segundo dados da Universidade Federal do Pará (UFPA), até o ano 2000 havia cerca de que 350 mil quebradeiras nos quatro principais estados produtores. Mas, de lá para cá, muita coisa pode ter mudado. Teve gente que entrou e outras pessoas que saíram da profissão. Precisaríamos atualizar a pesquisa. Alguns, da geração mais nova, têm preferido estudar para outras coisas. Eu trabalho para preservar a atividade. Visitamos as filhas das quebradeiras, que darão continuidade ao ofício, para fortalecer nossa identidade. Queremos ser militantes de uma mudança social para as mulheres do país. E para que haja solidariedade, justiça e paz entre todos os brasileiros e brasileiras.
Fonte: Ascom/Consea