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Novos conselheiros: precisamos entender o que são povos tradicionais de matriz africana
Daniel Garcia Dias
O estudante de Agronomia brasiliense Daniel Garcia Dias acha que demorou a entender o conceito de povos tradicionais. Pode parecer estranho, porque ele começou cedo a atuar em defesa dos direitos civis. Ainda estudante da Universidade de Brasília (UnB), articulou o movimento em defesa das cotas raciais nas universidades brasileiras, como membro do Diretório Central de Estudantes (DCE).
Depois, acompanhou as conferências nacionais e a implementação do portal Dialoga Brasil. Participou da construção e implementação do Plano Juventude Viva, na Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial do Governo Distrito Federal. E, desde 2015, milita no Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional de Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma);
Daniel, que toma posse como integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) nesta quinta-feira (18), acredita que esse é um longo processo, mais comum entre os brasileiros do que se pensa. Ele é Tata Kambono do Candomblé de Angola.
Confira abaixo a entrevista do novo conselheiro.
Você conta que seus pais são de matriz africana, de origem Banto. Você conheceu desde cedo essa cultura e atuou em defesa das cotas e do movimento negro. Mas que demorou a entender o conceito de povos tradicionais. O que significa isso?
É um longo processo, muito comum entre os brasileiros. Mais do que se pensa. Eu não via a conexão de alguns aspectos culturais com o movimento negro. Quando fui gestor no Governo do Distrito Federal, em 2013, conheci a ex-conselheira Regina Nogueira, durante uma conferência de Igualdade Racial. Em diálogo com ela, compreendi que o conceito de povos tradicionais era bem mais amplo que apenas um aspecto da cultura africana, como a religiosidade, por exemplo.
E o que é fazer parte de um povo tradicional brasileiro?
É um conceito amplo, abrange múltiplas facetas da vida cotidiana, como a forma de se alimentar, de abater animais para comer, de organizar festas tradicionais. Por isso, a insegurança alimentar desses povos acaba se tornando um assunto grave, como ocorre com os indígenas.
Como isso afeta a soberania alimentar?
A gente não tem acesso, com a devida quantidade e qualidade, a determinados alimentos, como a proteína. Em alguns lugares está sendo proibido o transporte de animais vivos. E nós, quando vamos homenagear nossos ancestrais, devemos levar o alimento até a natureza. Compartilhar ali uma alimentação de forma tradicional e culturalmente adequada a nós. Se, nessa hora, temos de comprar alimentos processados ou congelados, afeta a quantidade e a qualidade do que comemos.
Sua entidade também atua na área de saúde?
Os territórios tradicionais são espaços de promoção de saúde, onde existe todo um conhecimento sobre o cultivo e manuseio de ervas e remédios ancestrais. São locais de acolhimento de pessoas com todo tipo de problema, especialmente de saúde. Dali, muitos são encaminhados ao serviço médico. A gente reconhece esse trabalho como um importante componente dos terreiros. O Brasil poderia o potencial destes locais para disseminar campanhas de saúde e outras ações na área.
O que você espera de sua atuação no Consea?
O Consea é um importantíssimo canal democrático de diálogo entre a sociedade e o governo brasileiro – e deve ser preservado. Todos acham importante defender as conquistas do Consea. Por ser o tema da segurança alimentar tão caro a todas as entidades sociais do Brasil e do mundo, é preciso fazer com que este local tenha a possibilidade de espraiar esse conceito a todo o povo brasileiro. A atuação do governo neste setor é fundamental. È uma missão estratégica. E nós vamos participar.
Entrevista: Ivana Diniz
Fonte: Ascom/Consea