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Novos conselheiros: não queremos ser tratados com “coitadismos”
Formado em Gastronomia pelo Senac. Viveu em situação de rua de 1991 a 2005. Ajudou a fundar o MNPR, do qual é coordenador nacional por São Paulo. Tem formação de base no MST e foi eleito conselheiro nacional do CNAS por dois mandatos.
"A rua me ensinou a ser companheiro, lá ninguém vive sozinho.” Quem diz isso é Anderson Lopes Miranda, ex-morador de rua e que hoje representa o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Na entrevista abaixo, Anderson fala sobre suas expectativas no Consea e do seu passado como morador de rua. “Hoje, aos 41 anos, conquistei muitas coisas e posso dizer que estou feliz, mas quando estava na rua cheguei a pesar 35 quilos”.
“A experiência de ter sido morador de rua por mais de uma década e a infância vivida num orfanato, onde passei fome, reforçaram em mim o desejo de lutar por um país melhor”, afirma ele.
Quais as dificuldades que a população em situação de rua enfrenta?
A sociedade enxerga os moradores de rua como bichos. Nós não somos bichos. Somos seres humanos. Somos pessoas que vivenciam a vulnerabilidade, o desemprego, o rompimento familiar. Enfrentamos situações de perigo. Aos 14 anos fui queimado enquanto dormia com outros desabrigados. Nos jogaram álcool e atearam fogo. Acordei com o corpo em chamas. Felizmente, correram comigo para o hospital e houve tempo suficiente para que eu não tivesse ferimentos mais profundos. Nesse episódio perdi todo o couro cabeludo.
O que a rua lhe ensinou?
Na rua ninguém vive sozinho. A rua me ensinou a ser companheiro, solidário com o outro. Certa vez, em Belo Horizonte, entregaram para a gente uma bebida que continha chumbinho. Os moradores de rua que beberam não morreram porque dividiram a dose. Se alguém tivesse tomado tudo, certamente morreria. As pessoas que dividiram a bebida apenas se intoxicaram.
Há quanto tempo você atua no MNPR? Como funciona a organização?
Sou fundador do movimento, que começou em 2004. O trabalho começou depois de um grande massacre na cidade de São Paulo, em que houve uma tentativa de extermínio da população em situação de rua. Sete pessoas morreram e 16 ficaram gravemente feridas. Após isso, decidimos criar um grupo. Estamos presentes em 13 estados.
Houve avanços nas políticas de segurança alimentar e nutricional para a população em situação de rua?
O fato de termos o Consea, que discute a questão do acesso ao alimento saudável, é de extrema importância. Também considero que a criação de restaurantes populares e cozinhas comunitárias contribuiu para o acolhimento da população vulnerável. Nesse sentido vejo melhoras nas políticas para moradores em situação de rua. No entanto, há muito o que avançar, porque ainda existe uma certa invisibilidade dessas pessoas. O movimento não tira ninguém da rua. Quem deve tirar as pessoas dessa situação é o governo, a política pública. Por isso que o movimento é constituído por ex-moradores de rua. Temos muito valor e queremos ser tratados com igualdade e não com “coitadismos”.
Qual a sua expectativa de atuação no Consea?
O Consea tem resoluções que mostram como a política de alimentação saudável tem de ser, mas vejo que os municípios não as executam. Desejo auxiliar justamente nessa situação dos municípios que omitem o problema da população em situação de rua. Vejo que o conselho pode auxiliar nessas medidas. Meu sonho é que a população em situação de rua seja reconhecida pelo IBGE. Que tenhamos a garantia de certa dignidade. O que me fez chegar até aqui foi a esperança de um país melhor.
Entrevista: estagiário Nathan Victor, sob orientação do jornalista Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea