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'Não há desafio que se iguale à qualidade, legitimidade e à justiça das nossas bandeiras'
Elisabetta Recine é professora do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB) onde coordena o Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional.
Consolidar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) como um espaço democrático e problematizador do Estado brasileiro, dando voz às organizações e movimentos sociais representativos dos setores mais vulneráveis da sociedade brasileira. Essa é a marca que a nutricionista e pesquisadora Elisabetta Recine, indicada pelos conselheiros para presidir o Consea, estimulará na gestão 2017-2019 do órgão.
“Uma das grandes riquezas do Consea é expressar a diversidade do nosso país. Isso faz com que tenhamos uma capacidade de olhar para os problemas a partir de diferentes perspectivas”, diz Elisabetta, que é doutora em Saúde Pública e professora de Nutrição na Universidade de Brasília (UnB).
Na entrevista abaixo, ela comenta os principais temas que deverão pautar a agenda do Consea nos próximos dois anos.
A indicação de Elisabetta para a presidência do conselho foi submetida ao presidente da República, Michel Temer, a quem compete a nomeação oficial.
Quais os principais avanços do Consea nos últimos anos podem ser destacados?
O Consea foi elemento chave da institucionalização da segurança alimentar e nutricional no Estado brasileiro, a partir de leis, políticas, planos etc. Também contribuímos com o aprimoramento de programas específicos, como o da Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Outro exemplo foi a contribuição que demos tanto no período de consulta como de discussão intersetorial do Guia Alimentar para a População Brasileira. O Consea tem estado presente e atuante todos esses anos nos principais movimentos da segurança alimentar e nutricional nacional e internacional.
Quais são os maiores desafios do conselho?
A diversidade e representatividade na composição e a capacidade, que já citei, de analisarmos os problemas de uma maneira ampla também permitem que o Conselho seja um espaço de vocalização de demandas dos grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira. O Conselho é um espaço institucional de incidência nas políticas públicas. Temos questões que são complexas e estruturais e que envolvem, portanto, interesses até mesmo antagônicos, como o tema dos agrotóxicos, dos transgênicos, da sociobiodiversidade, a questão da terra e do território. As questões alimentares e nutricionais demandam ações efetivas de regulação do sistema alimentar. Temas como regulação da publicidade, da comercialização de alimentos, da taxação de produtos não saudáveis estão na agenda não apenas nacional mas global.
Qual será a marca da sua gestão sob a presidência do Consea?
Vejo a função de presidência do Consea ou da presidência de um conselho de políticas públicas como um papel principalmente de facilitação de processos de diálogo, de reflexão e de decisão. Este momento é peculiar em relação ao início dos mandatos anteriores. Acredito que não somente o Consea como a sociedade brasileira comprometida com a melhoria da qualidade de vida e com a garantia de direitos está passando por um momento de intensa reflexão sobre os caminhos a seguir para que os direitos conquistados sejam mantidos e para que a redução da pobreza que conquistamos seja sustentável. Essas são questões que estão dentro do Consea, mas que estão além do próprio conselho. A marca deste mandato dos conselheiros e conselheiras, e não só da presidência, é consolidar o Consea como um espaço democrático e problematizador do Estado brasileiro, que sobrepasse qualquer configuração governamental e se configure como uma voz dos movimentos, das organizações sociais e das entidades que trazem as visões, as demandas, os problemas e propostas para a garantia da equidade, soberania e segurança alimentar e nutricional.
Você pode antecipar alguns pontos que pretende trabalhar?
Em termos de agenda temática o que nos guia são as decisões da 5ª Conferência, que é o momento maior de democratização dessas discussões e o quanto disso foi ou não incorporado no 2º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O Consea precisa fortalecer e aprimorar o monitoramento não só das metas e orçamento como também o monitoramento dos processos relacionados ao 2º Plano. Também precisamos olhar tudo isso a partir de dimensões de gênero, geracional, raça e etnia que perpassam toda agenda. Em termos de dinâmica interna, devemos continuar a articular as diferentes agendas e diferentes grupos e aprofundar o nosso diálogo com as demais instâncias da estrutura de controle social do Sisan [Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional]. Me refiro aos Conseas estaduais e municipais. Precisamos buscar fortalecer a rede que sustenta o Sisan, do ponto de vista da participação e controle social, formas de diálogo, compartilhamento de experiências etc. Do ponto de vista mais amplo é igualmente importante aprofundarmos o diálogo, já iniciado, com outros conselhos.
Na sua gestão, como você pretende pautar e encaminhar as demandas da sociedade ao poder público?
Existem canais institucionalizados com o poder público. Dessa forma, todo o diálogo deve ser feito por meio desses canais. As plenárias do Consea continuarão definindo a agenda de prioridades, acompanhando o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a conjuntura nacional e internacional, para que possamos nos manifestar tanto dentro de uma agenda de trabalho mais permanente como também respondendo a situações conjunturais. Continuaremos num diálogo que repercuta a visão da sociedade civil em relação a todos esses aspectos, de maneira que essa visão chegue de legitimamente aos canais competentes.
E como aperfeiçoar o diálogo com a sociedade brasileira?
Esse também é um grande desafio. Precisamos nos comunicar de maneira qualificada com a sociedade brasileira, para que a defesa, por exemplo, do direito humano à alimentação adequada não fique só nas mãos e na voz dos grupos que estão relacionados a ela. Que seja uma defesa feita pela sociedade brasileira e dos grupos mais amplos. Precisamos ampliar a base de sustentação de nossas bandeiras. Cabe ao Consea manter a visão sistêmica não somente do Sisan, mas também da agenda. Temos que olhar os temas, as diferentes políticas e programas, à luz do que definimos como segurança alimentar e nutricional, caso contrário fragmentamos e reduzimos o impacto de nossas ações.
Qual a mensagem que você gostaria de deixar aos integrantes do Consea, em especial às novas conselheiras e conselheiros?
Não há desafio que se iguale à qualidade, à legitimidade e justiça das nossas bandeiras. Acredito que todos nós estamos dispostos e comprometidos para trilhar esse caminho de defesa dos processos democráticos em nosso país, de qualificação das políticas públicas e da garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional. Que possamos contribuir para que cada vez mais as políticas públicas estejam endereçadas e olhem e espelhem as necessidades da população como um todo, com um olhar mais prioritário para os grupos mais vulneráveis, até porque isso é um princípio dos direitos humanos. Devemos repudiar qualquer forma de violência e perseguição. Esses são temas não somente do Consea mas da sociedade como um todo. Não podemos de maneira alguma pactuar com qualquer manifestação de intolerância.
Fonte: Ascom/Consea