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Dia Mundial da Alimentação: especialista fala sobre desenvolvimento rural
Paulo Niederle é engenheiro agrônomo e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Imagem: Consea
“Qual é a estratégia de desenvolvimento rural e o papel da agricultura familiar do Brasil? Produzir commodities para ajudar a sustentar a balança comercial, ou produzir alimentos saudáveis e ecológicos para, além das demandas econômicas, responder às crises ambientais, alimentares e de saúde pública?”.
Para Paulo Niederle, engenheiro agrônomo e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, este não é um dilema apenas do Estado brasileiro ou dos gestores públicos, mas também dos pesquisadores e os movimentos sociais.
“Ao longo do tempo, ajudamos a criar novas políticas e fizemos inúmeros esforços para readequar o que era necessário. Também criamos inovações importantes, que hoje são referência para o mundo inteiro, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)”, diz ele. “Mas as contradições se tornaram cada vez mais evidentes. Houve inclusive quem falasse em esgotamento do modelo de ação pública. Nunca concordei com esse termo porque em algumas áreas, como é o caso das políticas de abastecimento, estamos apenas engatinhando”.
De acordo com Niederle, mestre em Desenvolvimento Rural e doutor em Ciências Sociais, o fato de não existir um entendimento comum acerca da estratégia de desenvolvimento rural, e acerca do papel da agricultura familiar nesta estratégia, não significa a ausência de concepções e estratégias.
“As mudanças em curso na ação do Estado apontam com nitidez para o retorno de uma antiga concepção de rural como sinônimo de agrícola. Ao mesmo tempo, e por conta disso, projeta-se um novo surto de modernização tecnológica, visando inserir os agricultores ditos produtivos nos modernos mercados agrícolas”, destaca.
“Este é um eufemismo para se referir à inclusão de uma pequena parcela dos agricultores nas cadeias de commodities voltadas à exportação, é a estratégia que a grande agricultura e as elites políticas brasileiras já traçaram e implantaram há mais de um século”.
O que é mais problemático, diz Niederle, é que esta estratégia tem sido sustentada pelo discurso de acabar com a fome no mundo, ou de alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050. “A questão que nunca é adequadamente respondida, contudo, é porque o aumento de produtividade na agricultura ainda não foi capaz de fazê-lo. Na verdade, segundo o último relatório anual da FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação], no último ano o número de pessoas com fome e má nutrição aumentou consideravelmente”.
O professor afirma que o discurso do inevitável aumento da produção e produtividade tira o foco das questões relacionadas à regulação do abastecimento e distribuição, hoje nas mãos dos supermercados. “Ao mesmo tempo, serve para justificar modelos insustentáveis de produção agrícola, repercutindo no aumento do uso de agrotóxicos. Cria-se inclusive uma nova narrativa tentando mostrar que os agrotóxicos salvaram a vida de milhares de pessoas que, de outro modo morreriam de fome. Na verdade, alteramos a causa e a velocidade do óbito. Agora as pessoas enfrentam a fome, mas também câncer, obesidade, diabetes etc.”.
“Nossa capacidade de enfrentar a questão do abastecimento alimentar esteve diretamente associada com os avanços na produção de políticas públicas para a agricultura familiar, mas é preciso destacar e aprender com as inúmeras contradições deste processo”, avalia.
Pensar numa estratégia de desenvolvimento rural implica, segundo ele, enfrentar todas estas questões, desde a relação contraditória da agricultura familiar com o modelo agroexportador até as novas demandas sociais por alimentos saudáveis, limpos e ecológicos. “A partir daí será possível reprogramar as políticas públicas, a ação do Estado, as pautas dos movimentos sociais e nossas agendas de pesquisa”, conclui Niederle.
Dia Mundial de Alimentação
Celebrado em 16 de outubro, data da fundação da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Dia Mundial de Alimentação tem como tema em 2017 “Mudar o futuro da migração: investir em segurança alimentar e no desenvolvimento rural”. A data é celebrada em mais de 150 países para chamar a atenção sobre questões relativas à nutrição e à alimentação.
Fonte: Ascom/Consea