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Conselheiro biólogo fala em “futuro com mais justiça social e mais passarinhos”
Sérgio Luiz da Silva
Ele é biólogo, especialista em saúde coletiva pela Universidade de Brasília (UnB) e trabalhador de vigilância sanitária há 23 anos. Nesse trajeto, passou pelo Ministério da Saúde, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Conselheiro suplente para o período 2017-2109 no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em vaga da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), na entrevista abaixo Sérgio Luiz da Silva fala sobre a necessidade de o país reduzir o uso de agrotóxicos - o Brasil é o país de maior consumo. Apesar do diagnóstico crítico da realidade, ele diz que as bandeiras da segurança alimentar e nutricional, trabalhadas com responsabilidade e dedicação, permitem antever um futuro melhor para o país. “São bandeiras que nos permitem vislumbrar um futuro com mais solidariedade, mais justiça social, mais verde e mais passarinhos”, disse ele, fazendo aflorar sua graduação em ciências biológicas. Confira abaixo a entrevista:
Como você vê o contexto geral da segurança alimentar e nutricional no Brasil hoje?
Há avanços importantes para a sociedade brasileira nas duas últimas décadas. No entanto, há diversos reveses, difíceis de serem superados uma vez que são conformados em um contexto global e por exigirem esforços conjugados de estados nacionais, comunidades e mercados, em busca de um novo senso comum. Em 2014 o Brasil sai do Mapa da Fome da ONU, fato possibilitado por uma conjunção de fatores econômicos e políticos. Esse fato tem que ser muitíssimo comemorado. O direito à alimentação torna-se um direito social assegurado do povo brasileiro em 2010. A estrutura orgânica do Estado e o arcabouço regulatório no contexto da segurança alimentar e nutricional sofisticam-se, amplia-se a participação social. A recriação do Consea em 2003, a promulgação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) e a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan), em 2006, por exemplo, multiplicam os mecanismos de diálogo entre o governo e a sociedade civil, favorecendo sua participação na formulação, gestão, monitoramento e avaliação das políticas públicas.
No entanto, o contexto da segurança alimentar e nutricional é preocupante. Afirma-se que mais pessoas morreram de fome no século XX do que em quaisquer dos séculos precedentes. A desertificação e a falta de água são problemas crescentes. Um quinto da humanidade já não tem hoje acesso à água potável. A alimentação disponível nos países periféricos tem se reduzido nas últimas décadas, no entanto, só a área de soja plantada no Brasil daria para alimentar cerca de 40 milhões de pessoas se nela fossem cultivados feijão e milho. O número de itens do cardápio do brasileiro vem diminuindo geração após geração. Alimentos in natura são substituídos por alimentos processados, com impactos negativos para a saúde da população. O modelo produtivo agrícola mais beneficiado pelas políticas públicas no Brasil é excludente e amplamente dependente da indústria química, fato que coloca o Brasil desde 2008 como o maior consumidor mundial de agrotóxicos. O atual cenário político e econômico do país traz o risco de retrocesso também no âmbito da segurança alimentar e nutricional.
Qual a contribuição que a Abrasco pretende trazer para a agenda do Consea?
A Abrasco historicamente tem atuado como mecanismo de apoio e articulação entre instituições com atuação em saúde coletiva e para a ampliação do diálogo entre a comunidade técnico-científica e as organizações governamentais e não governamentais e a sociedade civil. Acredito que a parceria ampliará a significação do direito humano à alimentação adequada enquanto conjunto de condicionantes sociais fundamentais da saúde. Essa construção coletiva, e que também é epistemológica, deve refletir-se na elaboração de uma agenda virtuosa, calcada na ampliação dos debates e das reflexões que incidem na formulação de políticas públicas, no favorecimento da promoção da saúde e da preservação do meio ambiente.
Como membro do GT de Vigilância Sanitária, como você vê a questão dos agrotóxicos hoje no Brasil?
As evidências já disponíveis de danos dos agrotóxicos à saúde humana alertam para a gravidade desta questão, pois relacionam-se com os grupos de agravos prevalentes no perfil de morbimortalidade do país. No atual cenário, a proteção da saúde coletiva fica inibida pelos interesses do mercado. O papel que o Brasil desempenha no contexto das cadeias globais de produção enquanto produtor de commodities amplia-se com o recrudescimento neoliberal a que assistimos. É sabido que a produção destas commodities agrícolas está cada vez mais dependente da indústria química, a ponto de sermos há anos o maior consumidor mundial de agrotóxicos, com efeitos nocivos para o meio ambiente e a saúde dos organismos. Como afirma o “Dossiê da Abrasco – um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, enquanto em 2001, no Brasil, se usou o equivalente a 2,7 quilograma de agrotóxico por hectare cultivado, em 2010 foram cerca de 5 quilogramas. Ampliaram-se de forma desmedida as áreas plantadas com transgênicos, especialmente aquelas destinadas à produção de commodities. Do ponto de vista da saúde coletiva, este panorama é preocupante, pois expõe grupos populacionais específicos, como trabalhadores rurais e moradores destas áreas, aos efeitos agudos dos agrotóxicos, bem como a população em geral aos malefícios crônicos da exposição a venenos agrícolas.
Há uma constante pressão do agronegócio para flexibilizar o arcabouço jurídico brasileiro no sentido de favorecerem-se as transações mercantis, relegando ao segundo plano as questões de segurança alimentar e nutricional e de saúde pública. Questões regulatórias como a limitação da avaliação toxicológica feita para a liberação de registro e que não considera os efeitos combinados dos agrotóxicos, precisam ser revistas. Em consulta pública recente, propõe-se a retirada do símbolo da caveira de produtos agrotóxicos da classe verde, o que poderá banalizar o uso desses produtos. Em outra consulta pública, propõe-se desobrigar a indústria de agrotóxicos de realizar testes de neurotoxicidade crônica! Sementes não podem ser liberadas sem estudos de avaliação da exposição subaguda e teratogênese exigidos. Para as sementes resistentes a herbicidas, os estudos de interações entre diferentes eventos genéticos têm de ser requeridos. Também devem entrar na pauta assuntos como a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos e o banimento de agrotóxicos banidos em outros países.
Os programas de monitoramento de resíduos de agrotóxicos conduzidos no Brasil mostram-se insuficientes para retratar a problemática. Há poucos laboratórios oficiais participando do monitoramento, a quantidade de amostras é irrisória e o número de ingredientes ativos pesquisados é restrito. Alimentos processados não estão sendo analisados. É urgente a necessidade de fortalecer os laboratórios oficiais do Ministério da Saúde e ampliar suas capacidades analíticas na avaliação de resíduos de agrotóxicos e de outros contaminantes como micotoxinas, metais pesados, resíduos de medicamentos veterinários, de antibióticos e de hormônios.
De um modo geral, qual é sua expectativa sobre a atuação do Consea na nova gestão?
O Consea é um espaço coletivo fascinante! Surpreendo-me a cada sessão com a importância dos temas e a diversidade dos grupos coletivos aqui representados. Como destaca nossa presidenta Elisabetta Recine, “não há desafio que se iguale à qualidade, legitimidade e à justiça das nossas bandeiras”. A expectativa é a de conduzirmos as bandeiras da segurança alimentar e nutricional com a responsabilidade e dedicação que merecem. São bandeiras que nos permitem vislumbrar um futuro com mais solidariedade, mais justiça social, mais verde e mais passarinhos! Água limpa e comida de qualidade na mesa de cada um e de todos!
Entrevista por Marcelo Torres
Fonte: Ascom/Consea